Brasilianas: o bem estar como motor das políticas industriais

Um modo inovador de pensar as políticas industriais. Tratá-las como sistema, a partir da solução de problemas do cidadão. O criador do conceito da complexo econômico- industrial da saúde e hoje coordenador das Ações de Prospecção da Presidência da Fiocruz, Carlos Gadelha, propõe uma visão integrada da política industrial. 

Carlos Gadelha explica o conceito de complexo industrial da saúde

O papel da Plataforma Brasilianas é o de levantar as melhores sugestões para a reconstrução do país, a partir das próximas eleições.

Um dos temas mais relevante é o modelo de política industrial desenvolvido pelo Programa de Desenvolvimento Produtivo (PDP) do Ministério da Saúde, a partir das formulações da Fiocruz.

Trata-se da proposta de política industrial mais avançada e mais contemporânea até agora desenvolvida no país, pontos acima do modelo de conteúdo nacional da Petrobras.

Consiste nos seguintes pontos, que você poderá conferir na entrevista de Carlos Gadelha, o teórico que forneceu as bases que permitiram aos ex-Ministros da Saúde José Gomes Temporão e Alexandre Padilha implantar o programa.

Parte 1 – a política industrial da saúde

A primeira ideia-força foi ver a área de bem-estar social, e de seu sistema produtivo, como alavancas poderosas de desenvolvimento.

Saúde não representa gastos, mas oportunidade de desenvolvimento. Participação de 10% no PIB mobiliza todo o setor produtivo, da indústria, dos serviços. E envolve todas as tecnologias do futuro: os bigdatas, a nanotecnologia, a Internet das coisas, a biotecnologia.

A saúde passa a área militar, como primeira área que alavanca o potencial de desenvolvimento do século 21. E passa a ser peça essencial de um novo modelo de desenvolvimento.

A saúde gera 10% do emprego qualificado no Brasil. 35% da atividade de pesquisa feita no país ocorre no campo da saúde. Se juntar bem-estar, 60% da pesquisa do país.

Parte 2 – a saúde como sistema produtivo

Não pode ser visto de forma fragmentada, como medicamentos, equipamentos, serviços, mas como sistema produtivo. Quando se introduz vacinas no sistema, mobiliza serviços, diagnósticos, equipamentos, assistência em todo território nacional.

Parte 3 – compras públicas e núcleo tecnológico

Na análise de conteúdo nacional, o desafio não é sobre o percentual de determinada atividade realizada ou não no Brasil. O cálculo a ser feito é se o núcleo tecnológico está internalizado no Brasil. Não interessava saber onde é feita a caixa do medicamento, mas a célula mater da atividade tecnológica.

Parte 4 – o papel dos laboratórios públicos

O Brasil tem rede de laboratórios públicos crescentemente transformada em rede  de instituições de ciência e tecnologia em saúde. Organismos internacionais perceberam que o lado inovador da política de saúde brasileira é a interação do setor público com o setor privado. Sem a instituição pública corre-se o risco de apostar por décadas em uma empresa e ela ser adquirida por uma multinacional e depois fechada.

É fundamental se ter instituições públicas capazes de absorver tecnologia, seguindo cronogramas e incorporar a tecnologia absorvida para as necessidades sociais.

Fundamental se avançar em modelos de gestão mais inovadores para instituições públicas e fontes de financiamento adequadas.

Hoje, instituições públicas não podem tomar crédito no BNDES.  Não pode exportar porque exportação entra no teto orçamentário com que essas instituições já trabalham.  Não pode contratar de modo flexível pessoal especializado que, muitas vezes, precisa por apenas um determinado tempo. Precisa ter capacidade de atrair pessoas com reputação internacional e fazer alianças tecnológicas.

Não pode cair na armadilha de não dar condições para as instituições públicas funcionarem adequadamente, e depois criticar seu desempenho.

Parte 5 – as vantagens brasileiras

1.     Sistema Único de Saúde, cujo único problema é o subfinanciamento: apenas 45% do financiamento é público, contra 60 a 70% dos países civilizados.

2.     Existe base produtiva industrial instalada, com indústria farmacêutica e unidades de serviço.

3.     Somos competitivos nas pesquisas de saúde. No caso da zika, estivemos na fronteira mundial da pesquisa.

Tem que ter vontade política para unir as peças.

Parte 6 – a importância das compras públicas

As compras públicas permitiram um arranjo importante com o BNDES. Tendo a garantia de mercado, as empresas privadas obtinham financiamento para a parte tecnológica.

O BNDES colocou em seus manuais que critério para o financiamento de laboratórios era o atendimento das prioridades do SUS.

Parte 7 – a fase da inovação

A primeira fase das PDPs foi de dar musculatura à indústria farmacêutica. A próxima fase é se tornar inovador. O PDP estava saindo do momento da imitação para o momento da criação, tanto na área de biotecnologia de segunda geração como de equipamentos mais sofisticados. E em processos competitivos, nos quais a conquista do mercado dependerá da competência maior ou menor.

Parte 8 – o PDP e o controle de preços

Fora os R$ 6 bilhões em vendas, os PDPs conseguiram economizar outros R$ 5 bilhões, ao se transformar em novos pisos do mercado, obrigando as multinacionais a reduzir seus preços. Quando lançou o PDP da insulina, o preço caiu pela metade.

Parte 9 – os pipelines e as patentes e o acordo com a União Europeia

O Brasil permitiu um patenteamento que patenteava o passado. Quem tinha patente em domínio público passou a ter novo patenteamento, encarecendo absurdamente as compras públicas. Hoje em dia é 20 anos de patente. É inaceitável que reforce ainda mais os direitos de propriedade industrial.

Dos US$ 15 bilhões de importações, metade é da União Europeia. Se  o acordo com a União Europeia limitar nosso poder de compra, nossa política de medicamentos derrete completamente.

Parte 10 – exportações e parcerias internacionais

Usando o mercado brasileiro para ganhos de escala, consegue-se o mercado internacional. Hoje muitas empresas brasileiras já têm laboratórios de pesquisas em vários países.

As exportações estavam engatinhando. E reforçando ações de solidariedade na África, que rendia dividendos políticos e econômicos.

Parte 11 – o novo modelo de política industrial

Está na hora de tratar as políticas sociais como políticas complementares. Elas têm que dar o norte para as políticas tecnológicas e de inovação. Em vez de políticas setoriais, montar plataformas. Hoje em dia se tem o estado brasileiro organizado de maneira a ser capturado por setores.

A política industrial tem que deixar de nomear o setor e nomear o desafio nacional.

Em vez de política de medicamentos, política de saúde, na qual os medicamentos, os equipamentos, e os serviços façam parte.

Em vez de política automobilística, política de mobilidade.

Em vez de políticas para infraestrutura urbana, políticas para cidades inteligentes.

Em suma, uma política que parta dos desafios brasileiros para as empresas.

Luis Nassif

1 Comentário

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  1. Com o devido respeito a quem

    Com o devido respeito a quem se dedica a tema tão importante para a sociedade, gsotaria de apontar o que, em minha opinião, constitui uma contribuição a pontos que não percebi contemplados.

    Como bom economista que gerou as propostas, há um grande enfoque sobre a oferta, por outro lado, descuidou da demanda.

    Algumas perguntas para nortear a questão da demanda, poderiam ser:

    a. por que é tão elevada a procura por serviços de atendimento médico?

    b. por que é tão elevado o número de exames e procedimentos médicos para cada paciente?

    c. por que hospitais estão com ocupação elevada? como estão distribuídos esses hospitais e que recursos eles dispõem?

    d. qual o real investimento em medicina preventiva? e por que aparentemente, há tanta resistência da população a este tipo de tratamento?

    e. qual o grau de confiança do paciente nos médicos e nos exames realizados?

    f. qual o impacto da violência (trânsito e crimes) sobre os serviços de saúde?

    g. quais os impactos (econômicos, sociais e de saúde) decorrentes do tempo de espera para consulta médica ou exames, entendido como o tempo de agendamento e o tempo gasto esperando o atendimento?

    Tais perguntas buscam entender se a estrutura de saúde (hospitais,ambulancias, profissionais de saude, exames, equipamentos) vis-à-vis os custos para o paciente, o custo para o empregador, o custo para a sociedade enfim, são justificaveis para que se faça mais e mais investimentos e se trazem os benefícios esperados.

    Minha impressão pessoal, é que há absoluta exuberância irracional nesta área. Mal gasto e empregado o dinheiro público, busca-se dobrar a aposta para trazer benefícios para outros que não a população que paga caríssimo por um mau serviço.

    É desejável pela sociedade que o comportamento descuidado com a saúde (sedentarismo, tabagismo, alcoolismo) seja recompensado com tratamento de saúde gratuito e, em alguns casos, pensão ou aposentadoria?

    É desejável pela sociedade que o comportamento do motorista, motociclista, pedestre irresponsável, em algumas situações flertando com o crime, deva ter seu tratamento de saúde, pensão ou aposentadoria, pagos pela sociedade ?

    É desejável pela sociedade, continuar pagando pelo tratamento displicente da classe médica, que não respeita horários, que faz o cidadão perder expedientes, apenas para esperar o atendimento?

    É desejável pela sociedade, que os gastos de saúde sejam ampliados por exames, muitas vezes feitos porque não se confia na qualidade do médico, na capacidade deste diagnosticar e propor um tratamento adequado?

    É desejável pela sociedade que os médicos continuem a receitar quantidade enorme de medicamentos, muitos deles caríssimos, apenas para satisfação do paciente ou para ganharem premios das indústrias farmaceuticas?

    É desejável pela sociedade, construir hospitais caríssimos para atender problemas que poderiam ser evitados, ou minimizados, se a sociedade fosse vigilante quanto à saúde?

    Ha muitas perguntas antes de propor um modelo economico cujo objetivo não é tornar a população saudável, mas gerar uma cadeia economica que explora a doença e a própria sociedade.

    Há um erro de conteúdo, muito maior que o de forma.

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