A pobreza da macroeconomia de planilha

Uma luz no fim do túnel | Valor Online

Antonio Delfim Netto |

Crises econômicas são, por definição, imprevisíveis

Ricardo Jorge Caballero é um economista chileno que atingiu estatura internacional pela quantidade e qualidade de seu trabalho. É muito respeitado no “mainstream” por sua carreira acadêmica e por suas virtudes didáticas. Obteve o seu Ph.D. no MIT, em 1988 e, praticamente, ali permaneceu até hoje. Viu nascer (e ajudou no parto) a macroeconomia dos ciclos reais (RBC) e do equilíbrio geral dinâmico estocástico (DSGE). Agora, sessentão, publicou mais um admirável artigo (NBER , Working Paper 16429, Oct. 2010), onde revela seu inconformismo com a falta de realismo de algumas suposições da moderna macroeconomia.

A síntese de seu artigo é que “a essência (o ‘core’) da macroeconomia – que (para ele) é o DSGE – foi hipnotizada (‘mesmerized’) por sua própria lógica interna. Confundiu a precisão que atingiu dentro do seu próprio mundo, com a precisão que ele tem com relação ao mundo real”. Caballero – como tantos outros – não tem ilusões sobre a possibilidade de virmos a prever “crises” com o aperfeiçoamento da teoria econômica, porque, por definição, elas são imprevisíveis! Logo, ele não atribui a recente perda de reputação da macroeconomia à sua incapacidade de prever a crise de 2007/09. Para ele, as modernas Cassandras que se notabilizaram acreditando que previram a crise, sofrem da mesma ilusão daqueles que veem imagens nas nuvens.

A pesquisa econômica tem feito avanços importantes no estudo da “periferia” da macroeconomia (bolhas, quebra de confiança, alavancagem, contágio, por exemplo), mas não no “core”. Seria o caso, então, de substituí-lo pela periferia? Ele não acredita: “O DSGE é atrativo e viciogênico. Ele permite gerar respostas a impulsos (criados pelo pesquisador) que podem ser descritos em termos aparentemente científicos. Tem o irresistível encanto do feitiço do olho da cobra”. Em contraste, a “periferia da macroeconomia é menos ambiciosa e, frequentemente, fornece apenas respostas qualitativas. Dessa forma, parece estarmos limitados à escolha entre o tipo de resposta que aspiramos, mas que tem conexão limitada com a realidade (o ‘core’) e a mais sensível, mas incompleta, resposta da periferia”.

O fato interessante no trabalho é a recuperação do “insight” de Hayek, revelado quando ele recebeu o prêmio Nobel de Economia (1974): “Claramente, comparada com a precisão das previsões que estamos habituados a esperar das ciências físicas, este tipo de desenho (‘pattern’) de previsão (a narrativa) é de nível inferior (‘second best’), mas com ela não gostamos de nos conformar. O perigo para o qual quero chamar a atenção é a crença que, para ser aceita como ciência, a economia precisa fazer o mesmo. Esse caminho leva ao charlatanismo ou coisa pior. Agir supondo que possuímos o conhecimento e o poder que nos habilitarão a modelar a construção da sociedade ao nosso gosto, conhecimento que de fato não possuímos, pode nos levar a fazer muito mal”.

Caballero tem toda a razão quando diz que, se hoje Hayek fosse obrigado a fazer uma escolha entre o “core” e a “periferia”, ele ficaria com a última. A diferença é que hoje o problema não é entre construir um modelo formal e a narrativa, mas a comparação entre modelagens formais. Não há dúvida, afirma, que “a formalização da macroeconomia obtida nos anos recentes aumentou o seu potencial. O que precisamos, entretanto, é não permitir que tal formalização ganhe vida própria e nos desvie do objetivo final, que é o entendimento dos mecanismos que controlam a economia real. Esse progresso nos oferecerá, também, a oportunidade de explorar, formal e explicitamente, os limites dos conhecimentos dos agentes econômicos”, uma clara referência aos exageros a que levou a teoria das expectativas racionais.

Para o autor, a “causa básica da pobreza da macroeconomia reside na tensão fundamental entre a enorme complexidade do seu objeto de estudo e a precisão da microeconomia a que aspiramos”. Como ele mostra, essa tensão não é nova. A velha escola da economia institucional concluiu que tal tarefa era impossível e, portanto, não valeria à pena formalizá-la matematicamente. Isso não lhe deixou como caminho a não ser a narrativa. Poderíamos acrescentar que essa tensão começou com Alfred Marshall e Vilfredo Pareto, quando abandonaram a complexidade sugerida pela interação dos agentes (a função de utilidade de um deve incluir a utilidade do “outro”), para facilitar a construção de uma teoria de consumidor.

O desafio é enorme, conclui nosso autor. De qualquer forma, “a macroeconomia não pode continuar como um jogo interno”. Precisamos parar de cavar cada vez mais fundo sobre um modelo que nos leva à “Fantasyland”, onde os agentes podem resolver cada vez mais sofisticados modelos que incorporam toda a sorte de fricções. E finaliza: “Progresso foi gradual, de forma que não parece que tenhamos tomado conhecimento de como temos aceitado comportamentos cada vez mais absurdos, e que exigem tanta inteligência e informação de nossos agentes, a ponto de torná-los irreconhecíveis”. Bingo!

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras

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Luis Nassif

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