Pretensão de provocar e ser desagradável

De São Paulo

 

 

Divulgação  Sabino: tema tem certo lirismo, mas autor carrega na grosseria e na vulgaridade

 

“O Vício do Amor”, de Mario Sabino, é um romance desagradável da primeira à última linha. Essa sensação vem pela escolha de um narrador que vai recolhendo para si, ao longo do livro, todos os adjetivos negativos possíveis. Ele faz questão de ser autoritário, debochado, mesquinho, irônico, ou seja, de ser “escroto” com citações típicas de erudição de almanaque, mesmo que no fim seu discurso se esvazie numa total autocomplacência. O termo “escroto” foi usado por João Pereira Coutinho, no prefácio que faz ao romance, ao falar sobre os personagens do livro: “São vingativos, narcísicos, escrotos”.

 

 

O romance começa com o narrador – cujo nome varia ao longo do livro – escrevendo um artigo para uma revista literária sobre o trabalho, mas de forma desleixada e pessoal, já inserindo aí dados de sua vida e se encaminhando para o seu tema principal: o “vício do amor”. Já de saída o leitor percebe que está diante de uma narrativa que tem a pretensão de ser provocadora e desagradável: “Comecei a tomar antidepressivos depois de descobrir que, enquanto eu a esperava em Berlim, ela chupava um judeu, num hotelzinho sórdido de um buraco qualquer do estado alemão de Hesse. De toda a frase, você deve ter se escandalizado com o livre uso da palavra ‘judeu’. Mas o que eu posso fazer se ele era judeu?”

Duas personalidades – uma da filosofia, outra do mundo pop – entram em cena pontuando a narrativa: Schopenhauer e Lady Gaga. O primeiro é tratado como “o filósofo que mastigava conceitos para os intelectualmente desdentados”. E serve para o narrador falar sobre a natureza do romance. Ele conta que, segundo Schopenhauer, há dois tipos de escritores, os que escrevem “por causa do assunto” e os que “escrevem por escrever”. O narrador manhoso se põe nos dois campos. Já Lady Gaga, que lhe dará a interjeição irônica “Gaa-Gaa”, repetida ao longo do livro, é escolhida para falar sobre “blow job”, ou seja, que todo trabalho é “blow job”: “É o que fazemos todos nós, nas atividades remuneradas, inclusive naquelas em que se ganham boladas, com o perdão do trocadilho voluntário”.

É nessa mescla de mundo da erudição e mundo contemporâneo pop que Sabino pretende armar sua narrativa para dar conta do seu núcleo temático: o amor através dos tempos. O heroi da história é um homem que carrega, pelo menos, duas frustrações amorosas: a arquiteta Isabel e a psicanalista Lorenza, com quem ele tem um caso durante as sessões de análise. E ambas o traíram com seu amigo Saulo, um herdeiro com fumos de intelectual de direita. Depois dessas desilusões, a vida lhe sorri com uma herança deixada pelo pai, o mesmo pai que ele não conhecia, pois o abandonara quando ainda era pequeno. Com o dinheiro, ele se muda para Roma, onde começa uma nova vida e acaba descobrindo quem era de fato seu pai. E é nesse momento que ele escreve seu livro – revisando o seu passado familiar e amoroso para tentar compreender as desilusões afetivas.

Apesar de o tema ter algo de lírico, Sabino carrega na grosseria e na vulgaridade, no discurso eivado de preconceitos de toda ordem (não faltará quem compare, superficialmente, seu narrador vulgar com Brás Cubas) e na pseudoerudição que passa pela obra de Freud, pela vida de Lacan e por tantas outras referências. Um fato chama a atenção ao longo do romance, cuja estrutura é bem frouxa: o personagem foi criado em algum país, cujas referências, aqui e ali, lembram o Brasil. Mas por que não nomear? Talvez seja uma das tantas sutilezas do romancista, se é que cheg

“O Vício do Amor”, de Mario Sabino, é um romance desagradável da primeira à última linha. Essa sensação vem pela escolha de um narrador que vai recolhendo para si, ao longo do livro, todos os adjetivos negativos possíveis. Ele faz questão de ser autoritário, debochado, mesquinho, irônico, ou seja, de ser “escroto” com citações típicas de erudição de almanaque, mesmo que no fim seu discurso se esvazie numa total autocomplacência. O termo “escroto” foi usado por João Pereira Coutinho, no prefácio que faz ao romance, ao falar sobre os personagens do livro: “São vingativos, narcísicos, escrotos”.

O romance começa com o narrador – cujo nome varia ao longo do livro – escrevendo um artigo para uma revista literária sobre o trabalho, mas de forma desleixada e pessoal, já inserindo aí dados de sua vida e se encaminhando para o seu tema principal: o “vício do amor”. Já de saída o leitor percebe que está diante de uma narrativa que tem a pretensão de ser provocadora e desagradável: “Comecei a tomar antidepressivos depois de descobrir que, enquanto eu a esperava em Berlim, ela chupava um judeu, num hotelzinho sórdido de um buraco qualquer do estado alemão de Hesse. De toda a frase, você deve ter se escandalizado com o livre uso da palavra ‘judeu’. Mas o que eu posso fazer se ele era judeu?”

Duas personalidades – uma da filosofia, outra do mundo pop – entram em cena pontuando a narrativa: Schopenhauer e Lady Gaga. O primeiro é tratado como “o filósofo que mastigava conceitos para os intelectualmente desdentados”. E serve para o narrador falar sobre a natureza do romance. Ele conta que, segundo Schopenhauer, há dois tipos de escritores, os que escrevem “por causa do assunto” e os que “escrevem por escrever”. O narrador manhoso se põe nos dois campos. Já Lady Gaga, que lhe dará a interjeição irônica “Gaa-Gaa”, repetida ao longo do livro, é escolhida para falar sobre “blow job”, ou seja, que todo trabalho é “blow job”: “É o que fazemos todos nós, nas atividades remuneradas, inclusive naquelas em que se ganham boladas, com o perdão do trocadilho voluntário”.

 

 

É nessa mescla de mundo da erudição e mundo contemporâneo pop que Sabino pretende armar sua narrativa para dar conta do seu núcleo temático: o amor através dos tempos. O heroi da história é um homem que carrega, pelo menos, duas frustrações amorosas: a arquiteta Isabel e a psicanalista Lorenza, com quem ele tem um caso durante as sessões de análise. E ambas o traíram com seu amigo Saulo, um herdeiro com fumos de intelectual de direita. Depois dessas desilusões, a vida lhe sorri com uma herança deixada pelo pai, o mesmo pai que ele não conhecia, pois o abandonara quando ainda era pequeno. Com o dinheiro, ele se muda para Roma, onde começa uma nova vida e acaba descobrindo quem era de fato seu pai. E é nesse momento que ele escreve seu livro – revisando o seu passado familiar e amoroso para tentar compreender as desilusões afetivas.

Apesar de o tema ter algo de lírico, Sabino carrega na grosseria e na vulgaridade, no discurso eivado de preconceitos de toda ordem (não faltará quem compare, superficialmente, seu narrador vulgar com Brás Cubas) e na pseudoerudição que passa pela obra de Freud, pela vida de Lacan e por tantas outras referências. Um fato chama a atenção ao longo do romance, cuja estrutura é bem frouxa: o personagem foi criado em algum país, cujas referências, aqui e ali, lembram o Brasil. Mas por que não nomear? Talvez seja uma das tantas sutilezas do romancista, se é que chegam a ser sutilezas e não derrapagens na pista da narrativa. E elas não são poucas.

“O Vício do Amor”

Mario Sabino Record 272 págs., R$ 37,90 /

http://www.valor.com.br/cultura/1170932/pretensao-de-provocar-e-ser-desagradavel

Redação

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