Crise e perspectivas, por Rodrigo Medeiros

Sem políticas públicas democráticas capazes de efetivamente redistribuir rendas e promover o desenvolvimento sustentável, muito provavelmente níveis alarmantes de desigualdades irão se impor em muitos países sob a retórica da "competitividade nacional".

Crise e perspectivas, por Rodrigo Medeiros

A discussão sobre o desenvolvimento econômico e social não é nova. Pode-se muito bem dizer que a literatura internacional sobre o assunto é vasta e plural. Do ponto de vista da formulação de políticas públicas, que consideram as assimetrias regionais, há na literatura experiências diversas descritas, algumas exitosas e outras nem tanto. O Brasil também já realizou políticas de desenvolvimento regional, tanto no nível do governo federal como no âmbito dos governos subnacionais. Muitas dessas políticas de incentivos ainda sustentam retoricamente expressivas e questionáveis renúncias fiscais.

Segundo revela a Síntese de Indicadores Sociais 2018, do IBGE, a taxa de subutilização da força trabalho vem crescendo desde 2015 (aqui). Desde o início da recessão brasileira, iniciada no segundo trimestre de 2014 e que coincidiu com a forte queda dos preços internacionais das commodities, já estava claro para muitos de nós que um forte ajuste fiscal contracionista, conjugado com uma política de juros altos, só agravaria os problemas vividos pelas pessoas menos favorecidas. Muitos negócios seriam ainda afetados. Uma recuperação econômica propagada por alguns não se realizou efetivamente na vida das pessoas.

A taxa de desocupação subiu de 6,9% para 12,5% entre 2014 e 2017, sendo que a subocupação por insuficiência de horas atingiu de forma mais acentuada mulheres, pretos e pardos. Jovens, por sua vez, viram o seu desemprego subir bem acima da média nacional. A população de cor preta e parda apresenta maior concentração entre os 10% da população com os menores rendimentos (13,6%) quando comparada com a população de cor branca (5,5%). Mais recentemente, no segundo trimestre de 2019, a taxa de desemprego atingiu o patamar de 12% e a subutilização da força de trabalho foi de 24,8%. A precarização ocorrida no mercado laboral brasileiro tem reflexos regionais diferenciados no território nacional.

Seguindo a metodologia do Índice de Palma, é possível dizer que em alguns países, como são os casos de Brasil e Chile, a desigualdade se torna extrema porque os 10% mais ricos são capazes de apertar não somente os 40% mais pobres, mas também o fazem em relação aos 50% intermediários (aqui). O rebatimento dessa questão no território brasileiro também revela níveis extremamente elevados de desigualdades.


Não convém esquecer que a financeirização das economias integra o processo de globalização do capital. Embora a globalização, como muitas vezes se previa, tenha levado a um processo de convergência parcial entre os países, as oligarquias dos países desenvolvidos, até agora as mais esclarecidas e dinâmicas, passaram a adotar um processo de “catching-up reverso”, no sentido de um capitalismo rentista e predatório típico da América Latina. Desde os governos Thatcher e Reagan, e principalmente após a queda do Muro de Berlim, o quadro estrutural de desigualdade nos países de renda média vem mostrando o que poderá acontecer nos países desenvolvidos. Nesse sentido, a emergência política de forças de extrema direita deve ser compreendida. Afinal, os sistemas tributários ficaram menos progressivos em muitos países desenvolvidos e os ressentimentos populares são visíveis em muitos países.

Sem políticas públicas democráticas capazes de efetivamente redistribuir rendas e promover o desenvolvimento sustentável, muito provavelmente níveis alarmantes de desigualdades irão se impor em muitos países sob a retórica da “competitividade nacional”. O que estamos testemunhando, principalmente desde 2016 no Brasil, segue reforçando essa linha neoliberal de ação “reformista”. Ainda que a história da desigualdade entre nós se confunda com a própria história brasileira desde os tempos da colonização, é preciso cautela para que soluções autoritárias, ou de democracia restrita, não se imponham novamente como tragédia e farsa.

 

Rodrigo Medeiros

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