Discutindo a mudança no Focus

Do Valor

O problema é o Focus? 

Cristiano Romero
16/03/2011

As expectativas de inflação melhoraram na semana passada, depois da decisão do Banco Central (BC) de elevar a taxa básica de juros de 11,25% para 11,75% ao ano. O otimismo durou pouco. No boletim Focus desta semana, os agentes econômicos, preocupados com o tom otimista da ata do Comitê de Política Monetária (Copom), voltaram a esperar inflação mais alta tanto para este ano quanto para 2012. O BC segue perdendo a batalha das expectativas.

No regime de metas, perder a batalha das expectativas é perder a batalha da inflação. Não se trata de uma queda de braço entre o BC e o mercado. Na verdade, se os agentes ouvidos pelo boletim Focus estão com uma opinião distinta da do BC, é porque este não está conseguindo coordenar as expectativas, ou seja, trazer a maioria dos integrantes do mercado para a sua visão da economia.

AexpA experiência recente mostra que, quando isso ocorre, a inflação fica acima da meta. Foi assim, por exemplo, no segundo semestre do ano passado. O mercado, via Focus, passou todo o tempo afirmando que era prematuro interromper o ciclo de aperto monetário iniciado em abril porque a economia ainda estava super aquecida. O BC foi na direção contrária e o resultado todos conhecem – a inflação (IPCA) foi a 5,9% em 2010, bem acima da meta de 4,5%.

O BC tem dados sinais de que atribui um peso menor, neste momento, às expectativas colhidas pelo Focus. Por essa visão, as expectativas estariam pessimistas porque os agentes estão olhando para a inflação passada e ignorando os efeitos das medidas macroprudenciais adotadas, além da alta da Selic e da contenção dos gastos públicos.

Uma indicação de que o BC, de fato, estaria dando menos importância ao Focus foi colhida pela equipe da A.C. Pastore & Associados, empresa de consultoria do economista e ex-presidente do banco Affonso Celso Pastore. Constatou-se que as referências às projeções de inflação do Focus, antes frequentes nas atas do Copom e nos Relatórios de Inflação, desapareceram. O BC estaria se limitando a mencionar suas próprias projeções, que diferem das do mercado.

Se a mensagem incomoda, a culpa é do mensageiro? No encontro que teve segunda-feira com integrantes do mercado, em São Paulo, o presidente do BC, Alexandre Tombini, ouviu queixas quanto a rumores de que o banco estaria pensando em mudar o Focus. O plano seria aumentar a representatividade do boletim, incluindo na coleta de projeções instituições, como universidades e entidades de classe, que hoje não participam da pesquisa. O objetivo seria diluir a influência do mercado financeiro na amostra.

Como é de praxe nesses encontros, que ocorrem com periodicidade trimestral, o presidente do BC não faz comentários às indagações do mercado. Tombini manteve a escrita. A esta coluna, fontes oficiais asseguraram que não há nenhuma iniciativa em curso para mudar a metodologia nem a amostragem do Focus. O BC, informam assessores, sempre trabalha com a ideia de ampliar o número de participantes da pesquisa.

Para participar do Focus, é preciso possuir um departamento econômico especializado, capaz de fazer projeções de inflação e de atividade econômica. Geralmente, quem possui esses departamentos são os bancos. Já há na amostragem, entretanto, instituições acadêmicas, empresas de consultoria econômica, grandes companhias e associações de classe.

Os nomes dos participantes do Focus são mantidos em sigilo, com exceção do chamado Top 5, as cinco instituições que mais acertam as previsões. Em fevereiro, um dos Top 5 quanto às expectativas de inflação de médio prazo foram duas gestoras de recursos de terceiros, a Kondor Administradora e Gestora de Recursos Financeiros e o Safra Asset Management.

Quem criou o boletim Focus não foi outra pessoa, senão o atual presidente do BC. A pesquisa segue os mesmo moldes desde o início e está sendo sempre aperfeiçoada. A crítica de que reflete opiniões baseadas na inflação corrente não é nova. Os críticos recomendam a diminuição da frequência das divulgações, hoje semanais. Ora, quando a inflação cai, o impacto sobre as expectativas é imediato e isso ajuda o BC a manter os preços sob controle.

Em países como o México, o leitor de expectativas é do setor privado – o Banamex, do Citibank, é o responsável pela pesquisa. Conduzido pela autoridade monetária, o modelo brasileiro tem uma amostra significativa e é, por isso mesmo, crível. Se o Focus perder credibilidade, terá sua relevância diminuída e o setor privado passará a divulgar diretamente suas projeções. As expectativas pioraram esta semana porque o BC, na ata do Copom, surpreendeu o mercado com uma visão otimista do cenário econômico. Como disse a equipe de Pastore, reconheceu os riscos de elevação da inflação, “mas deu importância limitada” a eles. Previu um ciclo de aperto monetário mais curto e menos intenso e sinalizou a adoção de mais medidas macroprudenciais.

A estratégia do BC pode dar certo. O problema é que ela encerra riscos elevados. Se adiante, por alguma razão, ocorrer um novo choque de preços, a atuação no fio da navalha levará ao descumprimento da meta e, quiçá, ao estouro do teto do intervalo de tolerância. “Na nossa visão, o BC está se expondo demasiadamente ao risco de produzir uma inflação persistentemente acima da meta”, diz Pastore. Curiosamente, um BC mais frouxo, embora agrade politicamente a amplos setores do governo, não é necessariamente o que espera a cúpula do governo. Há três semanas, o Valor teve a informação de que, se quisesse aumentar mais os juros agora, com possibilidade de encurtar o ciclo adiante, o Copom teria apoio do Palácio do Planalto. A preocupação é com a inflação.

Tombini e sua diretoria optaram, em decisão unânime, por juros menores e, agora, estão dizendo que a situação inflacionária não é tão negativa quanto o mercado diz. Foi uma posição arriscada. Evidentemente, ninguém no governo dirá que o banco errou, mas o clima estaria mais pacífico se as expectativas estivessem melhorando. Não estão. Pesquisa feita pelo instituto Ipsos, em dezembro, mostrou o quanto a inflação alta pode se transformar numa vulnerabilidade para Dilma. Segundo a enquete, 71% dos brasileiros disseram que o governo deve garantir a estabilidade de preços e a inflação baixa, mesmo que ao custo de um crescimento econômico menor.

Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras

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Luis Nassif

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