Petróleo é tema do Diálogos Amazônicos, evento prévio à Cúpula da Amazônia 

Renato Santana
Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.
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No Brasil, exploração ocorre no Acre, Amazonas e no Pará, que sediará a COP 30, mas Petrobras quer furar poços na foz do rio Amazonas

“Não podemos sair daqui sem propostas concretas. Precisamos sair de Belém com compromissos assumidos”, diz Kleber Karipuna, da Apib

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebe, entre terça (8) e quarta-feira (9), 15 chefes de Estado da região para a Cúpula da Amazônia, em Belém (PA), com o desafio de equilibrar a preservação do bioma, a proteção de seus povos e os interesses econômicos que ele desperta para o desenvolvimento. 

Um desses interesses é a exploração petrolífera, que no Brasil já ocorre em estados como o Acre, Amazonas e o Pará, que sediará a COP 30 e entre esta sexta-feira (4) e domingo (6) recebe em sua capital o Diálogos Amazônicos, evento prévio à Cúpula da Amazônia. 

Nos diálogos, movimentos sociais, academia, centros de pesquisa e agências governamentais do Brasil e demais países amazônicos se reúnem com o objetivo de formular sugestões para a reconstrução de políticas públicas sustentáveis para a região.

“Não podemos sair daqui sem propostas concretas. Precisamos sair de Belém com compromissos assumidos, com compromissos debatidos coletivamente e assumidos pelos presidentes dos países”, afirmou um dos coordenadores da da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Kleber Karipuna.

Crescimento não pode estar acima da vida

Durante a abertura do evento, o modelo de desenvolvimento que prevalece na região amazônica foi duramente criticado. “O crescimento do país e da humanidade não pode estar acima da vida”, defendeu a presidente da Federação dos Povos Indígenas do Pará, Concita Sompre.

Esses debates serão apresentados na forma de propostas aos chefes de Estado durante a Cúpula. Por questões internas, apenas Equador e Suriname não confirmaram a presença de seus presidentes, mas representantes oficiais foram despachados ao encontro de Belém.

A expectativa da Secretaria-Geral da Presidência da República, responsável pela organização do evento, é de que o Diálogos Amazônicos reúna cerca de 10 mil pessoas ao longo dos três dias nas 405 atividades e eventos planejados por toda a capital Belém. 

Ao menos sete ministros do governo Lula estiveram presentes na abertura dos Diálogos Amazônicos, e evitaram tocar em assuntos polêmicos para o Poder Executivo, como a exploração de petróleo no bioma. A ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Marina Silva, ressaltou a importância de todos os segmentos da sociedade debater as necessidades para um modelo sustentável.

Petróleo: projeto estatal

Recentemente, no final do último mês de maio, a Petrobras manifestou de forma pública sua contrariedade quanto ao indeferimento do Ibama ao licenciamento ambiental de um poço de petróleo na Foz do rio Amazonas. 

A Petrobras entende que atendeu rigorosamente todos os requisitos do processo de licenciamento do Bloco FZA-M-59 em Amapá Águas Profundas, e este foi o comunicado da petroleira em um fato relevante ao mercado.

Líder do governo no Senado, Randolfe Rodrigues (sem partido), do Amapá, fez duras críticas ao Ibama, pediu a liberação do empreendimento enfatizando a capacidade do poço desenvolver a região e, na ocasião, já havia decidido pela saída do Rede Sustentabilidade, partido da ministra Marina Silva. 

Os fatos associados indicam o recrudescimento paulatino de visões antagônicas assentadas no mesmo governo: povos indígenas e agronegócio, meio ambiente e exploração de riquezas naturais.    

Caso o projeto não seja realizado, a Petrobras afirma que poderá ser alvo de multa contratual: “o bloco é um compromisso assumido perante a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis)”.

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Visita de comitiva ao Amapá

Mesmo com o Ibama negando a licença, e entendendo que as chances da Petrobras obtê-la ainda são boas porque a companhia irá recorrer, uma delegação esteve neste último mês de julho no Amapá. 

Representantes do Ministério Público do Trabalho, Organização Internacional do Trabalho (OIT), Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Conselho Indigenista Missionário (Cimi) participaram de um processo de escuta na região alvo para a abertura do poço da Petrobras. 

“Conforme fomos ouvindo as comunidades, a primeira preocupação delas é com a exploração do petróleo. Ouvimos muito do projeto na Foz do rio Amazonas, mas são vários projetos ali no Amapá, no rio Oiapoque, uma área sagrada chamada Parque Nacional do Cabo Orange”, explica Edson Kayapó. 

Integrando a delegação, o Kayapó explica que ali vivem diversas comunidades indígenas e quilombolas. Os grupos possuem na área não apenas a fonte de sustento, mas naquelas terras está todo o acervo cultural e espiritual que não possui meios de compensação. 

O MPT e a OIT estavam presentes porque são entidades envolvidas com a Convenção 169, que trata dos protocolos de consultas a essas comunidades afetadas por grandes empreendimentos. 

“Ninguém ali foi ouvido, pelo o que constatamos. As comunidades falaram que ocorreram três audiências públicas para tratar da questão, mas não foi uma consulta prévia e informada, de boa fé. Tanto que estão sem informação alguma. Há expectativa e angústia entre aqueles povos ali”, conta Kayapó. 

Medo de tragédias   

Edson Kayapó relata que durante as reuniões da visita, indígenas e quilombolas trouxeram exemplos de tragédias ocorridas no país e no mundo por conta de empreendimentos que apresentaram problemas. 

Além disso, o indígena questiona se a abertura de mais um poço na Amazônia está atinada a assinaturas de protocolos feitas pelo Brasil, como o de Kiyoto, relativo à diminuição da emissão de gases do efeito estufa.

“Estranha o Brasil querer ser um gigante do petróleo no momento em que as energias derivadas do petróleo estão relacionadas às mudanças climáticas. Precisamos da transição do modelo energético e não do aprofundamento de um que está na contramão da vida no Planeta Terra”, diz o Kayapó.

Há polos petroleiros na Amazônia, como o do rio Solimões. Ocorre que quando se fala de exploração de petróleo na foz do rio Amazonas, lembra o indígena, ela afeta diretamente o Marajó, e toda essa região, ainda bastante preservada, mesmo recebendo a visita indesejada de colonizadores desde o século XVI, repelida pelos Mura como resistentes a esse processo.

Nesse sentido, o atual projeto, o Bloco FZA-M-59 em Amapá Águas Profundas, que a Petrobras tenta viabilizar a todo custo junto ao Ibama, “se apresenta como mais danoso” porque seu local é na foz do rio Amazonas, bem na divisa do Pará com o Amapá, podendo colocar em xeque o rio Amazonas e todos estes séculos de resistências socioambientais.

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Renato Santana

Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.

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