Fernando Nogueira da Costa
Fernando Nogueira da Costa possui graduação em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG (1974), mestrado (1975-76), doutorado (1986), livre-docência (1994) pelo Instituto de Economia da UNICAMP, onde é docente, desde 1985, e atingiu o topo da carreira como Professor Titular. Foi Analista Especializado no IBGE (1978-1985), coordenador da Área de Economia na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP (1996-2002), Vice-presidente de Finanças e Mercado de Capitais da Caixa Econômica Federal e Diretor-executivo da FEBRABAN - Federação Brasileira de Bancos entre 2003 e 2007. Publicou seis livros impressos – Ensaios de Economia Monetária (1992), Economia Monetária e Financeira: Uma Abordagem Pluralista (1999), Economia em 10 Lições (2000), Brasil dos Bancos (2012), Bancos Públicos do Brasil (2017), Métodos de Análise Econômica (2018) –, mais de cem livros digitais, vários capítulos de livros e artigos em revistas especializadas. Escreve semanalmente artigos para GGN, Fórum 21, A Terra é Redonda, RED – Rede Estação Democracia. Seu blog Cidadania & Cultura, desde 22/01/10, recebeu mais de 10 milhões visitas: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/
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Falta Dinheiro para Financiamento Habitacional, por Fernando Nogueira da Costa

Os atendidos por fintechs e bancos digitais, saíram da poupança com remuneração de 6,17% aa para depósitos a prazo com pelo menos 100% do CDI.

Falta Dinheiro para Financiamento Habitacional

por Fernando Nogueira da Costa

Funding é o termo usado para se referir a uma forma de captação de recursos financeiros para viabilizar o financiamento. É a estrutura de passivos de banco.

A política de financiamento habitacional é, entre as políticas públicas, a de maior impacto sobre a desigualdade de riquezas. A “casa própria” (ou apartamento) é a maior ambição de qualquer jovem profissional, em busca de um teto sem pagamento de aluguel, se este for superior à prestação do financiamento de aquisição da moradia.

É um investimento, para adquirir a maior propriedade familiar, em vez de pagar por anos sem segurança a respeito do futuro valor cobrado pelo locador. Este é suscetível de acompanhar o custo de oportunidade do mercado imobiliário, cujos preços entram em disparada quando há tendência de queda da taxa de juro.

Quase 2/3 (65%) dos recursos dos depósitos de poupança são obrigatoriamente direcionados para o financiamento das moradias, principalmente, da classe média. O FGTS – um Fundo Social – é o empregado no financiamento habitacional subsidiado para camadas de mais baixa renda, por exemplo, o MCMV (Minha Casa Minha Vida).

Pela Resolução Nº 4.676/2018, os recursos captados em depósitos de poupança pelas entidades integrantes do SBPE devem ser aplicados de acordo com certos percentuais. No mínimo 65% devem ser em operações de financiamento imobiliário, dos quais 80%, no mínimo, nas operações para o Sistema Financeiro Habitacional – SFH de baixa renda.

Os recursos são direcionados para os financiamentos para aquisição de imóveis residenciais, novos, usados ou em construção; os financiamentos a Pessoas Físicas para construção de imóvel residencial, podendo incluir a aquisição do terreno; os financiamentos para reforma ou ampliação de imóveis residenciais; os financiamentos para produção de imóveis residenciais; os financiamentos para aquisição de material para a construção, ampliação ou reforma de imóvel residencial em lote de propriedade do pretendente ao financiamento etc. O restante é utilizado em operações de financiamento de imóveis não residenciais ou “comerciais”.

O problema é 20% ser de recolhimento compulsório ao Banco Central do Brasil. Ainda se baseia na ultrapassada hipótese monetarista de controle da oferta, inclusive da “quase-moeda”. Esse encaixe obrigatório no BACEN é remunerado para a instituição financeira pela mesma rentabilidade paga na Caderneta de Poupança.

Pior, outra parcela de 5,5% também passou a ser obrigatoriamente recolhido. A diferença é ela ser remunerada pela taxa Selic, portanto, incentiva o banco a fazer uma arbitragem: captar barato para recolher caro

O restante dos recursos da poupança é de livre aplicação do banco, também para incentivar a captação. Pode ser utilizada para emprestar para qualquer destino.

Os bancos públicos ganharam participação no mercado de crédito, pela primeira vez em oito anos, enfim, diante da inflexão do processo de redução do seu papel na economia desde o governo golpista temeroso (2016-2018). Em 2023, a participação dos estatais no conjunto de empréstimos e financiamentos (cerca de R$ 5,8 trilhões) não caiu, mas sim aumentou um pouquinho (0,6 ponto percentual), para 42,9%, quebrando uma sequência de quedas ocorridas após 2015, quando atingiram 56% do crédito total.

Esse impulso se deve, sobretudo, ao desempenho do crédito agrícola e imobiliário, áreas nas quais o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal atuam com maior destaque. Os bancos nacionais e estrangeiros com controle privado, como ocorreu em 2003 (“medo do Lula”), demonstraram maior cautela na expansão de suas carteiras, em contexto de juros básicos altos praticados pelo Banco Central e aversão a risco em virtude de dúvidas sobre o desempenho da economia e receios com a alta da taxa de inadimplência.

Perdeu, mané! No caso da Caixa, houve o impulso ao crédito imobiliário, cujo mercado como um todo avançou 11,8%, apesar das taxas mais altas e do risco de aperto nas fontes de recursos bancários para os financiamentos à casa própria em decorrência dos saques líquidos ocorridos na caderneta de poupança.

Dada a política de juros disparatados em relação ao resto do mundo, os mais pobres, cujos jovens são atendidos por fintechs e bancos digitais (e escutam/veem influenciadores em Educação Financeira), saíram dos depósitos de poupança com remuneração de 6,17% aa para depósitos a prazo com pelo menos 100% do CDI.

Afinal, a Selic saiu de 2% aa em março de 2021 para atingir 13,75% aa em agosto de 2022 e se manter nesse patamar até julho de 2023 – um ano com taxa de juro mensal acima de 1% em vez do 0,5% mensal dos depósitos de poupança. Ninguém é burro (exceto bolsonaristas)!

Enquanto as contas de depósitos de poupança foram de 158 milhões em 2018 para 238 milhões em 2020 (aumento de 50%), as de depósitos a prazo saíram de 20,5 milhões para 50 milhões (elevação de 145%) no mesmo período. Os valores foram, na poupança, de R$ 783 milhões para um trilhão de reais, mas, nos CDBs, de R$ 920 bilhões para R$ 1,6 trilhão, ou seja, a primeira aumentou 28%, enquanto os segundos 72%!

Com a alta dos juros básicos, em dezembro de 2023, o FGC (Fundo Garantidor de Crédito) registrou 242 milhões de contas dos depósitos de poupança com R$ 938 bilhões, enquanto os depósitos a prazo foram para 114 milhões de contas com R$ 2,5 trilhões depositados! Os primeiros eram 21% do total garantido enquanto os segundos foram para 56% do total.

Este foi um fenômeno financeiro não registrado pelo jornalismo econômico neoliberal. Os pobres depositantes de poupança sacaram ser melhor investimento ir para CDBs.

Os investimentos dos brasileiros chegaram a R$ 6,5 trilhões em dezembro de 2023, incluindo a Previdência Aberta do Varejo, divulgou a ANBIMA. O destaque ficou com os títulos isentos de Imposto de Renda, avançaram 37,1% e atingiram R$ 1,1 trilhão, quando recursos dos fundos migraram em massa para esses investimentos.

Recentemente, uma resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) mudou as regras de emissões de CRI, CRA, LCI, LCA e LIG com a vedação de emissão de Certificados Imobiliários e do Agronegócio aos oportunistas não ligados a esses setores. O chamado “CRI de aluguel” foi usado para captação de recursos para o pagamento de locação! Qualquer empresa ao pagar aluguel poderia emitir um CRI com isenção fiscal!

De acordo com o governo social-desenvolvimentista, esses instrumentos estavam sendo usados de forma indevida. Conforme a normativa, somente ativos de uma empresa imobiliária podem servir como lastro de LCIs. Os empréstimos rurais vinculados a LCAs não podem se beneficiar de outros subsídios governamentais ou ser concedidos na forma de pagamentos antecipados de contas a receber ou contratos cambiais.

Além disso, as garantias imobiliárias da LIGs não podem mais ser financiadas por depósitos em poupança e somente as empresas do setor imobiliário ou do agronegócio podem usar debêntures como garantia para CRIs e CRAs. O prazo mínimo das LCAs também foi aumentado de 90 dias para 9 meses e das LCIs de 90 dias para 12 meses.

Dada a queda do financiamento habitacional, desde o golpe de 2016, terão os bancos esse lastro em crédito imobiliário (acima dos 65% obrigatoriamente direcionados da poupança) para os securitizar em LCIs? Esta engenharia financeira foi uma criação da minha equipe na Caixa (2003-2006), a qual convenceu os “policy-makers” de dar a isenção fiscal com esse propósito de rotação do capital emprestado em até 30 anos.

Empréstimos imobiliários e agrícolas são concedidos, predominantemente, pelos maiores bancos, os big five bancos (Itaú, Bradesco, Santander, BB e Caixa), com queda na captação de poupança. Bancos de médio porte como Banco BOCOM BBM, BRB e Inter obtiveram mais de 15% de sua captação usando aquela “janela agora fechada”.

Em 2023, houve a captação total de R$ 1,485 trilhão pela Caixa, com a poupança respondendo por R$ 358,3 bilhões, uma queda de 0,7%. Letras de Crédito Imobiliário, Agrícola e Financeiras somaram R$ 165,4 bilhões, com uma expansão de 97,2%.

A Caixa originou um volume recorde de R$ 185,4 bilhões em crédito imobiliário em 2023, terminando o ano com uma carteira imobiliária inédita de R$ 733,3 bilhões. Recuperou 1,1 ponto percentual de participação de mercado, chegando a 67,3%.

Ela preencheu o espaço deixado pelos bancos privados, mesmo com dificuldades nas suas duas principais fontes de “funding”, o FGTS e a poupança. Nesse contexto, o banco público teve de captar mais via LCI, mais cara, e prevê dificuldades se nada for feito.

Propõe liberar o compulsório da poupança no BCB, alterado em 2018. A liberação de uma parcela de 5% dos recursos da poupança, hoje parada em depósitos compulsórios, poderia injetar cerca de R$ 20 bilhões na sua capacidade de financiamento habitacional.

A Caixa planeja fazer nova operação de securitização da sua carteira imobiliária. Espera também, com a Selic abaixo da taxa de juro do financiamento imobiliário (11,5% aa), os mutuários pagarem antecipadamente seus financiamentos imobiliários, propiciando uma retroalimentação da carteira.


Fernando Nogueira da Costa – Professor Titular do IE-UNICAMP. Obras (Quase) Completas em livros digitais para download gratuito em http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/). E-mail: [email protected]

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

Fernando Nogueira da Costa

Fernando Nogueira da Costa possui graduação em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG (1974), mestrado (1975-76), doutorado (1986), livre-docência (1994) pelo Instituto de Economia da UNICAMP, onde é docente, desde 1985, e atingiu o topo da carreira como Professor Titular. Foi Analista Especializado no IBGE (1978-1985), coordenador da Área de Economia na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP (1996-2002), Vice-presidente de Finanças e Mercado de Capitais da Caixa Econômica Federal e Diretor-executivo da FEBRABAN - Federação Brasileira de Bancos entre 2003 e 2007. Publicou seis livros impressos – Ensaios de Economia Monetária (1992), Economia Monetária e Financeira: Uma Abordagem Pluralista (1999), Economia em 10 Lições (2000), Brasil dos Bancos (2012), Bancos Públicos do Brasil (2017), Métodos de Análise Econômica (2018) –, mais de cem livros digitais, vários capítulos de livros e artigos em revistas especializadas. Escreve semanalmente artigos para GGN, Fórum 21, A Terra é Redonda, RED – Rede Estação Democracia. Seu blog Cidadania & Cultura, desde 22/01/10, recebeu mais de 10 milhões visitas: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/

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