Ha-Joon Chang: Brasil vive maior desindustrialização da história da economia

O heterodoxo Ha-Joon Chang e autor do best-seller Chutando a Escada defende protecionismo nos países emergentes e critica políticas brasileiras 
 
Foto Reprodução
 
Jornal GGN – O sul-coreano e autor do best-seller Chutando a Escada: A Estratégia do Desenvolvimento em Perspectiva Histórica (Editora Unesp) e professor de economia da Universidade de Cambridge (Inglaterra), Ha-Joon Chang criticou a política econômica do Brasil alertando que o país vive a maior desindustrialização não da sua história, mas da histórica de toda a economia. A observação foi feita em entrevista para o El País;
 
“As pessoas têm que entender como é séria a redução da indústria de transformação no Brasil. Nos anos 80 e 90, no ponto mais alto da industrialização, esse setor representou 35% da produção nacional. Hoje não é nem 12% e está caindo. O Brasil está experimentando uma das maiores desindustrializações da história, em um período muito curto. O país tem que se preocupar”, defende. Acompanhe a entrevista à seguir:
 
El País
 
“O Brasil está experimentando uma das maiores desindustrializações da história da economia”
 
Por REGIANE OLIVEIRA
 
Considerado de direita na Coreia do Sul e de esquerda na Inglaterra, o economista heterodoxo Ha-Joon Chang critica o rumo das políticas brasileiras e defende protecionismo nos países emergentes
 
Você se considera de esquerda? Mesmo acostumado a dar entrevistas, essa pergunta ainda faz gaguejar Ha-Joon Chang, professor de economia da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, que se tornou conhecido por expor os problemas do capitalismo. “Bem…eu possivelmente sou”, respondeu um pouco reticente o acadêmico, como quem confessasse um pecado. Para ele, no mundo polarizado de hoje, admitir-se de qualquer tendência ideológica pode significar uma sentença de morte para um potencial diálogo. Além disso, em diferentes países, a percepção de direita e esquerda é diferente. “Na Coreia do Sul e Japão, por exemplo, o tipo de política industrial que defendo é considerada de direita. Já na Inglaterra, onde vivo hoje em dia, é uma política de esquerda”, afirmou o autor sul-coreano do best-seller Chutando a Escada: A Estratégia do Desenvolvimento em Perspectiva Histórica (Editora Unesp), que veio ao Brasil participar do Fórum de Desenvolvimento, em Belo Horizonte. Ha-Joon Chang conversou com o El PAÍS sobre polarização política, história econômica e o futuro do sistema econômico mundial, que, para ele, não é nem capitalista, nem socialista.
 
Pergunta. Como a polarização política afeta o desenvolvimento econômico?
 
Resposta. A polarização é a pior coisa que pode acontecer para a economia. Tudo se torna simbólico. Você começa a se opor a determinada política simplesmente porque ela está associada a um partido de esquerda ou direita. Os debates estão se tornando cada vez mais difíceis. Ambos os lados, ao invés de debater, gritam uns com os outros. Eu gosto de me descrever como um pragmatista. Não importa de onde a vem determinada política para o desenvolvimento econômico, contanto que ela funcione.
 
P. Desde o Consenso de Washington, no final da década de 1980, muitos países pobres abraçaram as recomendações internacionais para propagar o livre comércio como uma das formas de combater a miséria e se desenvolver. Como você avalia o resultado dessa medida?
 
R: Hoje, quando olhamos para os países ricos, em sua maioria, eles praticam o livre comércio. Por isso, é comum pensarmos que foi com esta receita que eles se desenvolveram. Mas, na realidade, eles se tornaram ricos usando o protecionismo e as empresas estatais. Foi só quando eles enriqueceram é que adotaram o livre comércio para si e também como uma imposição a outros Estados. O nome do meu livro, Chutando a escada, faz referência a um livro de um economista alemão do século XIX, Friedrich List, que foi exilado político nos Estados Unidos em 1820. Ele critica a Inglaterra por querer impor aos EUA e à Alemanha o livre comércio. Afinal, quando você olha para a história inglesa, eles usaram todo o tipo de protecionismo para se tornar uma nação rica. A Inglaterra dizendo que países não podem usar o protecionismo é como alguém que após subir no topo de uma escada, chuta a escada para que outros não possam usá-la novamente.
 
P: Como se deu o desenvolvimento dos países ricos na prática?
 
R:Estes países cresceram com base no que Alexander Hamilton [1789-1795], primeiro secretário do Tesouro dos Estados Unidos [que estabeleceu os alicerces do capitalismo norte-americano], defendeu como o argumento da indústria nascente. Do mesmo jeito que mandamos nossas crianças para a escola ao invés do trabalho quando são pequenas, e as protegemos elas crescerem, os Governos de economias emergentes têm que proteger suas indústrias até que elas cresçam e possam competir com as indústrias de países ricos. Praticamente todos os países ricos, começando pela Inglaterra no século XVIII, Estados Unidos e Alemanha, no século XIX, Suécia no começo do século XX, além de Japão, Coreia do Sul e Taiwan…todos estes países se desenvolveram usando protecionismo, subsídios estatais, controle do investimento direto estrangeiro, e em alguns casos, até mesmo empresas estatais.
 
P: Como esse passado dialoga com as medidas atuais de austeridade, que se tornaram fetiche em todo mundo como promessa de crescimento?
 
R: A receita de austeridade usada na Grécia é a mesma tentada na América Latina, na África e em alguns países da Ásia nas décadas de 1980 e 1990, e que criou desastrosos resultados econômicos. Investir em política de austeridade é contraproducente. As pessoas que defendem esse tipo de política entendem que, quando você tem uma grande dívida pública, um jeito de reduzir essa dívida é cortar os gastos do Governo a fim de reduzir o déficit fiscal. Mas um jeito melhor de reduzir o déficit é fazer a economia crescer mais rápido. Depois da Segunda Guerra Mundial, a Grã-Bretanha tinha uma dívida mais de 200% de seu PIB [Produto Interno Bruto], mas sua economia estava crescendo rápido. E depois de algumas décadas, isso deixou de ser um problema. Hoje, a Inglaterra tem tentado uma política de austeridade, mais amena que a da Grécia, é verdade, mas também sem sucesso em reduzir o déficit público proporcionalmente a renda nacional. Isso porque o PIB está crescendo muito lentamente. Se você corta os gastos, seu endividamento pode ficar um pouco menor, mas a renda precisa crescer.
 
P: O país corre o risco de ficar estagnado?
 
R: Exatamente. O que é incrível é que essa política vem sendo usada várias vezes, como no Brasil nas décadas de 1980 e 1990, e nunca funcionou. Albert Einstein falava que a definição de loucura é fazer a mesma coisa várias vezes e esperar resultados diferentes. O problema é que muitos economistas que defendem essas medidas, quando sua teoria não funciona, culpam a realidade. Como se a teoria nunca estivesse errada.
 
P: Você é bastante crítico da desindustrialização dos países emergentes. Por que é tão ruim ser dependente das commodities?
 
R: As pessoas têm que entender como é séria a redução da indústria de transformação no Brasil. Nos anos 80 e 90, no ponto mais alto da industrialização, esse setor representou 35% da produção nacional. Hoje não é nem 12% e está caindo. O Brasil está experimentando uma das maiores desindustrializações da história, em um período muito curto. O país tem que se preocupar. E eu não estou dizendo nada novo. Muitos economistas latino-americanos já levantavam o problema da dependência de commodities primárias na década de 1950 e 1960. Quando você é dependente de commodities primárias há uma tendência de que o preço dos produtos caia no longo prazo em comparação com os produtos manufaturados. Além disso, os países dependentes de commodities não conseguem controlar seu destino.
 
P: Por exemplo?
 
R: Quando alguém inventa uma alternativa para o seu produto, isso pode devastar o valor de sua economia. A indústria brasileira de borracha foi um grande hit até que os americanos e russos inventaram a borracha sintética nos anos 1930 e 1940. Quando os alemães inventaram a chamada síntese de Haber-Bosch para a produção de amônia, a ser usado na fabricação de fertilizantes, Chile e Peru, que costumavam ganhar muito dinheiro exportando o fertilizante natural guano, que foi o mais valioso fertilizante nos século XIX, tiveram anos de estagnação econômica. Isso sem contar o potencial lento de crescimento das commodities e relação a outras indústrias, como a de tecnologia.
 
P: Mas o caso do Brasil não seria diferente, já que o país investe em tecnologia na área agrícola, e não só extração de commodity?
 
R: Para ser justo, eu sei que o Brasil tem tido algum sucesso na área agrícola, como produzir soja no Cerrado, que é uma região muito árida, onde tradicionalmente esta espécie não cresceria. É realmente impressionante. Mas quando você se especializa em soja você não pode aumentar sua produtividade da mesma forma que um país especializado em alta tecnologia, que pode aumentar sua produtividade em 20%, 30% ao ano. Sinceramente, o Brasil é um dos países que parece estar voltando no tempo no seu desenvolvimento econômico.
 
P: Como você avalia o papel do Estado neste cenário?
 
R: Ao contrário de outros países em desenvolvido, o Brasil tem a habilidade de fazer as coisas acontecerem por meio da intervenção governamental. A Embraer, por exemplo, é uma empresa de economia mista. A agricultura no Cerrado é subsidiada com recursos do governo. Em vários setores, o país já mostrou que quando quer fazer uma coisa, ele consegue. Infelizmente, os responsáveis por fazerem as políticas públicas parecem que perderam o rumo. Eles basicamente desistiram do modelo de desenvolvimento econômico por meio de um upgrade na economia, com investimento em indústrias de alta tecnologia.
 
P: Onde você acha que a política pública falhou?
 
R: Eu conheci vários empresários irritados em São Paulo pois as pessoas no Governo não parecem estar preocupadas com o declínio da indústria manufatureira no país. Sei que muitos economistas defendem que não importa se você está exportando soja ou aviões, desde que esteja fazendo dinheiro. E, no curto prazo, isso pode até ser verdade. Mas no longo prazo, é muito ruim para a economia. Além disso, as políticas macroeconômicas têm sido muito ruins para o setor industrial, especialmente a alta taxa de juros, uma das maiores do mundo.
 
P: No Governo Dilma, vários setores receberam subsídio e mesmo assim, os empresários não pareciam estar satisfeitos. O que faltou?
 
R: O Governo de Dilma canalizou vários subsídios em alguns setores em particular. Mas isso só foi necessário por conta da política de alta taxa de juros, uma vez que as companhias brasileiras não conseguem competir no mercado global de outra forma. Não sei todos os detalhes. Mas sei que houve erros, corrupção. As metas governamentais também foram determinadas de forma equivocada…sempre privilegiando a estabilidade macroeconômica. Já o declínio da indústria não foi considerado um problema. Focou em ações como Bolsa Família, mas sem prestar atenção em dar um upgrade na economia.
 
P: A Coreia do Sul pode ser considerada um exemplo de economia que conseguiu dar esse upgrade?
 
R: Depende de qual Coreia do Sul que estamos falando. A Coreia do Sul depois da crise asiática de 1997 abraçou o neoliberalismo, não tanto como os países da América Latina, mas desregulamentou o mercado financeiro e alavancou políticas industriais. O resultado é que uma economia que costumava crescer 6%, 7%, 8% até 1990, agora está sofrendo para crescer 3%. Isso porque as mudanças que criaram líderes globais na área industrial, automotiva e eletrônica, também produziram baixo crescimento, falta de trabalho e não impediram que estas indústrias migrassem para outros países. E mesmo assim, não tivemos o colapso industrial que se vê no Brasil.
 
P: Qual foi o papel da educação no crescimento da Coreia do Sul?
 
R: No começo, a educação teve um papel muito importante. Até os anos 80, era possível alguém de uma família pobre se tornar juiz, governador ou cirurgião. Infelizmente, a partir dos anos 90, tivemos um sobreinvestimento em educação, com o crescimento dos negócios privados. Tínhamos o maior investimento em educação do mundo. Mas hoje, considerando o valor que estamos investindo, e o tempo que os estudantes estão gastando para conseguir suas qualificações…o sistema se tornou bem ineficiente. A mobilidade social caiu muito nos últimos anos, porque as políticas educacionais deixaram de ser coordenadas com políticas industriais.
 
P: Você comenta que estamos entrando no fim da abordagem neoliberal ao desenvolvimento. O Brexit seria um exemplo desse começo do fim?
 
R: Poderia ser. Mas temos que considerar que há três tipos de pessoas que  votaram pelo Brexit. Um deles são os liberais que votaram para se livrar das regulamentações impostas pela União Europeia. Há ainda o grupo anti-estrangeiros e anti-imigração. E um terceiro grupo, os trabalhadores no Norte da Inglaterra, que já foi o centro produtor do país, e que experimentou uma desindustrialização massiva. Estas pessoas perderam seus trabalhos, e agora culpam trabalhadores da Polônia, Romênia e Hungria pela sua sorte. Podemos dizer que é o começo do fim no sentido em que isso aconteceu com a insatisfação que muitas pessoas têm com a globalização e o livre comércio. Continue lendo… 
Redação

5 Comentários

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  1. Acho que antes de iniciar uma entrevista…

    Com alguém de outro país que vai comentar sobre o Brasil, deve-se dar uma aula de história política a esta pessoa.

    Porque assim o entrevistado nem dá a entrevista.

    OBS: Quando alguém te perguntar se vc é de esquerda ou direita: responda que vc defende o capitalisto justo e social.

    Este lance de esquerda ou direita já não importa mais.

  2. Em parte sim, em parte não…

    Ele está correto em relação a perda industrial num mundo onde a tecnologia faz vitimas e empresas se tornam obsoletas!

    Acertou no quesito obsolescência de nossa industria, mas ele não conhece a mídia brasileira e muito menos o caráter de nossos políticos e de certos juízes!

    Eles mentem mesmos que as malas e o dinheiro esteja totalmente gravados e o mais espantoso: são liberados pela justiça!

    Há um exercício diário de destruição do país em seu próprio benefício!

    Não dá para saber tudo!

    Várias industrias se tornarão um museu dentro de nossos municípios!

    Quem me garante isso?

    A PEC 55 e o fim da TJLP.

    Quem vai pegar seu dinheirinho suado e custoso e investir em produção?

    Quantos riscos diários produz o governo e seu Staff?

    Se medir o risco Brasil pelos atos do governo, não há país que supere!

    Trump nos EUA bem que tenta, mas o Temer reina absoluto!

    A única lei certa neste país é a PEC 55 e cada vez mais vai pressionar o governo, que passará a cada ano a produzir um novo rombo – já que o rombo é bom para quem vive de juros!

    Mas isso tem um limite e agora sabemos que o limite é repassar todas as estatais para os credores!

    Ai os juros caem e o mico vai ficar nas mãos de quem acreditou na PEC 55!

    Ai ficarão sem indústria e sem o dinheirinho…

    Esse mercado é o bicho!

    O negócio é saquear!

  3. E no entanto, os anos 80 e 90…

    E no entanto, os anos 80 e 90, época em que a indústria de transformação atingiu o máximo de 35%, foram o pior momento de nossa economia, com inflação e desemprego recordes. No momento atual, com a indústria de transformação em torno de 12%, estamos bem melhor, mesmo com a recessão atual. Vale notar que mesmo antes da recessão, no tempo de Lula, o percentual da indústria na economia já vinha em queda. Isso leva a crer que havia algo de errado em nosso modelo nos anos 80. Alguém sente saudades dos computadores brasileiros da época da reserva de mercado?

    Com certeza, toda indústria, tal como as crianças, necessita de proteção no início. Mas quantas vezes a nossa indústria já foi protegida, e não quis aprender a andar com suas próprias pernas?

    A desindustrialização é um fenômeno global e não necessariamente ruim. Assinala a migração da força de trabalho do setor secundário (indústria) para o setor terciário (serviços). Os EUA são um exemplo de desindustrialização: já tiveram mais de cem fábricas de televisores, e hoje não tem mais nenhuma. E ninguém parece muito preocupado com isso. Hoje em dia, modelo de país industrial é a China, com a utilização de mão-de-obra intensiva e produção em massa de artigos baratos de qualidade inferior. Crescimento de 9% ao ano. Mas permanece um país onde o nível de vida da população é muito baixo, aí considerada a sobre-exploração no trabalho. No Brasil, apesar do encolhimento do setor secundário (indústria), nossa força de trabalho não está recuando ao setor primário (agricultura). Nossa agricultura é que está ficando mais eficiente, e produzindo cada vez mais com cada vez menos trabalhadores.

    O articulista deve achar seus compatriotas sul-coreanos muito burros, pois trocaram um modelo que os fazia crescer a taxas de 7% ou 8%, por outro que pena para crescer 3%. É óbvio que o modelo anterior à crise de 1997 está esgotado, e a própria crise foi o ponto de inflexão. Esse rápido crescimento é característico da fase inicial da industrialização, pela qual o Brasil já passou e a China está passando agora: afinal, quando se tem uma fábrica, e se constrói outra, o crescimento é de 100%, certo? Mas não dá para manter isso indefinidamente.

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