Juros consomem quase um quarto dos impostos pagos por todos contribuintes, por Lauro Veiga Filho

A despesa com juros, numa conta raramente apresentada pelo pensamento hegemônico no País, representou 21,99% de toda a carga tributária

Juros consomem quase um quarto dos impostos pagos por todos contribuintes

por Lauro Veiga Filho

A carga tributária bruta atingiu um recorde no ano passado, com o total de impostos, contribuições e taxas pagos por todos os contribuintes passando a corresponder a qualquer coisa próxima de 33,7% de todas as riquezas produzidos pelo País em um intervalo de 12 meses, medidas pelo Produto Interno Bruto (PIB). No ano anterior, o peso dos impostos havia alcançado algo ligeiramente abaixo de 33,1% do PIB, na estimativa mais recente da Receita Federal do Brasil. Mas o número de fato poderia ser utilizado para aferir apropriadamente o tamanho do Estado no País? Seria essa a medida mais acurada?

Há controvérsias e polêmicas em relação a uma resposta conclusiva a respeito, entre outros motivos porque uma parte importante daquela carga tributária retorna aos contribuintes (e aos não contribuintes) sob a forma de benefícios previdenciários e sociais, subsídios e incentivos fiscais diversos e ainda por meio dos saques ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do PIS/Pasep, gerando o que alguns economistas e especialistas em contas públicas classificam como carga tributária líquida (que não é calculada pelo governo desde 2017).

Outra parcela, que não entra no cálculo dessa carga tributária líquida, está nas despesas explosivas com o pagamento de juros aos donos da dívida pública. Essa despesa, no entanto, não está sujeita a decisões do Congresso Nacional, que em tese representa os eleitores, e depende praticamente com exclusividade de decisões do Banco Central (BC) e de seu Comitê de Política Monetária (Copom), numa posição reforçada pela aprovação recente da autonomia funcional da autoridade monetária.

Para complementar, o gasto com juros restringe a capacidade dos governos (União, Estados e prefeituras) de executar políticas públicas em benefício principalmente dos menos favorecidos e também de executar investimentos, com efeitos deletérios ainda sobre decisões privadas de investimento e sobre a atividade econômica como um todo. São despesas que beneficiam uma parcela mínima da população, estacionada entre os muito ricos, o que resulta em maiores disparidades sociais, concentração de renda e das riquezas disponíveis.

Peso crescente

Os dados da Receita e do BC, referentes a 2022, mostram que os governos em todos os níveis arrecadaram em torno de R$ 3,342 trilhões, em valores nominais (quer dizer, sem atualização com base na inflação). Daquele total, perto de R$ 734,913 bilhões, algo como 7,41% do PIB, foram destinados ao pagamento de juros, num tipo de despesa que não contribuiu para que a economia gerasse um único emprego ou produzisse um mísero parafuso. Ao contrário, o mais provável é que o arrocho monetário em curso (quer dizer, a cobrança de juros estratosféricos) tenha inibido a produção de bens e mercadorias, impedindo a criação de novos empregos ou mesmo gerando perdas de vagas. A despesa com juros, numa conta raramente apresentada pelas correntes de economistas que sustentam o pensamento hegemônico no País, representou precisamente 21,99% de toda a carga tributária, diante de 16,98% em 2021, quando o gasto com juros havia alcançado R$ 499,308 bilhões diante de uma carga tributária bruta de R$ 2,941 trilhões.

Na comparação entre os dois períodos, sempre em valores nominais, enquanto a carga total de impostos avançou 13,63%, os juros saltaram 47,19% na saída de 2021 para 2022. As despesas com juros, além do mais, cresceram a um ritmo mais de quatro vezes superior à variação nominal do PIB no mesmo intervalo. Mantidas nos níveis atuais, as taxas de juros tendem a agravar enormemente o cenário fiscal, ao assumir proporções extravagantes em relação ao tamanho da economia, num “risco fiscal”, para repetir o jargão dos “doidos por ajuste” (entenda-se, corte de despesas), muito mais relevante do que a própria despesa primária (que não inclui o gasto com os juros).

Carga estimada

As informações disponíveis permitem estimar qual teria sido a carga tributária líquida até 2021, já uma parcela dos dados referentes a 2022 será divulgada mais para o final deste ano. Numa simulação do autor, que utiliza sempre dados oficiais, divulgados pela Receita Federal, Secretaria do Tesouro Nacional e BC, a carga líquida teria chegado a 18,37% do PIB em 2021, avançando em relação a uma fatia de 15,66% em 2018, mas ainda sem considerar os números do PIS/Pasep e privilégios tributários concedidos a instituições privadas sem fins lucrativos. Por isso, os números são ligeiramente superiores àqueles calculados pela Receita e pelo Tesouro em 2017, última informação disponível, que estimava a carga tributária líquida em 14,40% do PIB.

O avanço de 2,71 pontos percentuais sobre o PIB entre 2018 e 2021 foi mais intenso do que a variação de 0,57 pontos registrada pela carga tributária bruta, que saiu de 32,48% para 33,05%em igual intervalo. Essa discrepância pode ser explicada pela redução proporcional dos recursos de impostos que foram devolvidos às famílias e às empresas pelos governos em todos os níveis.

Os benefícios da Previdência Social e dos regimes próprios de Previdência, que pagam pensões e aposentadorias a servidores públicos civis e militares, baixaram, respectivamente, de 8,37% para 7,97% do PIB e de 5,01% para 4,04%. No primeiro caso, a redução pode estar associada às reformas sofridas pela Previdência Social nos últimos anos, reduzindo proporcionalmente o pagamento de benefícios a aposentados e pensionistas.

Também entre 2018 e 2021, os saques do FGTS como proporção do PIB baixaram de 1,59% para 1,34%. Houve recuo igualmente para as despesas com a Renda Mensal Vitalícia (RMV) e demais benefícios incluídos na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que recuaram de 0,80% para 0,76% do PIB. O abono salarial pago a famílias vulneráveis e com deficientes físicos em seu meio, da mesma forma, encolheu de 0,25% em 2018 para 0,11% em 2021, resultado das políticas “liberalizantes” adotadas no período. Já como parte do ajuste fiscal intentado no mesmo intervalo, o gasto com subsídios em todas as esferas do setor público baixou de 0,34% para 0,14%.

Arrocho nos benefícios

Na soma de todos os benefícios e subsídios, os governos devolveram em torno de R$ 1,307 trilhão aos brasileiros em 2021, correspondendo a 14,68% do PIB, o que se compara com R$ 1,178 trilhão em 2018 (em valores não atualizados), correspondendo a 16,82% do PIB. A redução, no caso, correspondeu a 2,14 pontos percentuais, dos quais 1,94 pontos (ou 90,7% do “ajuste” total) saíram da redução de pagamentos de benefícios previdenciários e sociais.

No mesmo período, a conta dos juros foi elevada de 9,86% do PIB para 12,76%. Descontada mais essa despesa, os governos tiveram disponíveis para outros gastos e investimentos apenas 12,76% do PIB em 2021, algo como R$ 1,135 trilhão para pagar todas as demais contas. Em 2018, a carga tributária efetiva, num conceito desenvolvido inicialmente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) para aferir o volume de recursos de fato à disposição dos governos, havia sido de 9,86%, mostrando um avanço, até 2021, de 2,90 pontos percentuais. Entre outros fatores, a despesa com juros havia recuado de 5,80% em 2018 para 5,61% (-0,19 pontos), ao mesmo tempo, como visto, em que benefícios previdenciários e sociais e subsídios igualmente registraram baixas.

Lauro Veiga Filho – Jornalista, foi secretário de redação do Diário Comércio & Indústria, editor de economia da Visão, repórter da Folha de S.Paulo em Brasília, chefiou o escritório da Gazeta Mercantil em Goiânia e colabora com o jornal Valor Econômico.

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Redação

1 Comentário

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  1. Quando o presidente do BCB, tenta justificar os juros estratosféricos, ele alega que embora a inflação tenha diminuido nos éultimos meses, ela continua resiliente e no próximo ano ela vai aumentar, daí a razão para não reduzir os juros. Essa desculpa esfarrapada me remete a piada do bébado na lotação, que conto abaixo.
    No século passado, havia um costume de usar carro compartilhado que era apelidado de lotação. Conta a piada, que um bébado pegou um lotação e sentou-se ao lado de uma moça formosa. Como o trajeto era sinuoso, na primeira curva o bébado encostou-se na moça e finda a curva, o bébado continuou encostado na moça que incomodada com o encosto, falou para o bébado: Moço, a curva já terminou e ele de pronto respondeu: Mas ali na frente tem outra. Assim, o nosso Bob Field, não baixa os juros, porque na curva do próximo ano vai ter mais inflação. É muita pretensão para quem não consegue acertar o índice da inflação no próximo mês.

    respondedeu respondeu respondeu

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