Livre Para Morrer

 

OP-ED colunista

The New York Times

 Publicado em: 16 de Setembro de 2011
 Em 1980, tão logo a América começou a fazer sua virada política para a direita, Milton Friedman emprestou sua voz para a mudança com a famosa série da TV “Free to Choose”. Em episódio após episódio, o genial economista identificava a economia laissez-faire (
expressão-símbolo do liberalismo econômico) como sendo escolha pessoal  e aquisição de poder, uma visão otimista que seria ecoada e ampliada por Ronald Reagan. 

Mas isso foi então. Hoje, “livre para escolher” tornou-se “livre para morrer”.

Estou me referindo, como você pode imaginar, ao que aconteceu durante o debate presidencial do GOP de segunda-feira. Wolf Blitzer, da CNN, perguntou ao deputado Ron Paul, o que deveríamos fazer, se um homem de 30 anos, que optou por não comprar o seguro de saúde, de repente se visse na necessidade de seis meses de cuidados intensivos. Mr. Paul respondeu: “Isso é o que a liberdade significa -. Correr o seu próprio risco”. Mr Blitzer pressionou-o novamente, perguntando se a “Sociedade deveria deixá-lo morrer”.
E a multidão irrompeu em aplausos e gritos de “Sim!”

O incidente destacou algo que eu penso que a maioria dos comentaristas políticos, não tenha absorvido totalmente: nesse ponto, as políticas americanas estão fundamentadas sobre diferentes visões morais.

Agora, há duas coisas que você deve saber sobre a troca de palavras entre Blitzer-Paul. A primeira é a seguinte: depois que a multidão entrou no debate, Mr Paul basicamente tentou fugir da questão, afirmando que médicos de bom coração e indivíduos da caridade sempre se certificam de que as pessoas recebam os cuidados necessários – ou pelo menos eles deveriam fazer se ainda não foram corrompidos pelo bem estar estatal. Desculpe, mas isso é uma fantasia. Pessoas que não podem pagar os cuidados médicos essenciais muitas vezes não conseguem, obter essa ajuda – e às vezes morrem por causa disso.

A segunda é que muito pouco daqueles que morrem por falta de cuidados médicos se parecem ao hipotético indivíduo de Blitzer, que poderia e deveria ter comprado o seguro. Na realidade, a maioria dos americanos não segurados tem baixa renda e não pode pagar um seguro, ou foram rejeitados pelas seguradoras, por portarem problemas crônicos.
Pois então, deveriam as pessoas do lado direito estar dispostas a deixarem aqueles que, por motivos alheios, não tenha seguro, morrerem por falta de cuidados? A resposta, com base na história recente, é um retumbante “Sim!”
Pense, em particular, nas crianças.

No dia seguinte ao debate, o Census Bureau lançou sua mais recente estimativa sobre a renda, pobreza e seguro de saúde. O quadro geral era terrível: a fraca economia continua a causar estrago na vida dos  americanos. Um ponto relativamente brilhante, no entanto, foi a assistência de saúde para as crianças: o percentual de crianças sem cobertura de saúde foi menor em 2010 do que antes da recessão, em grande parte graças à expansão em 2009 do Programa de Seguro de Saúde Estatal para a Criança, ou S-chip.

E a razão do S-chip ter sido ampliado em 2009, mas não antes, com certeza, foi que o ex-presidente George W. Bush bloqueou as tentativas anteriores de aumentar a cobertura das crianças – para a alegria de muitos da direita. Eu mencionei que uma em cada seis crianças no Texas não tem seguro de saúde, é a segunda maior taxa do país?

Portanto, a liberdade para morrer se estende, na prática, para as crianças e aos azarados, e também aos não precavidos. E o abraço que a direita dá a essa noção assinala uma importante mudança na natureza da política americana.

No passado, os conservadores aceitavam a necessidade de uma rede de assistência sustentada pelo governo por razões humanitárias. Não tome isso como sendo meu, mas de Friedrich Hayek, o herói intelectual conservador, que especificamente declarou em “O Caminho para a Servidão” seu apoio a “um sistema abrangente de segurança social” para proteger os cidadãos contra “os perigos comuns da vida“, e destacou a saúde, em particular.

Pela concordância citada, do desejo de proteger os cidadãos contra o pior, a questão que fica então é a dos custos e benefícios – e assistência médica foi uma daquelas áreas onde até mesmo os conservadores acostumavam estar dispostos a aceitar a intervenção do governo em nome da compaixão, dado à clara evidência que cobrir o não segurado não custaria muito dinheiro, de fato. Como muitos observadores têm apontado, o plano de saúde de Obama foi, em grande parte, baseado em planos antigos dos republicanos, e é praticamente idêntica à reforma da saúde de Mitt Romney em Massachusetts.

Agora, é claro, a compaixão está fora de moda – na verdade, falta de compaixão tornou-se uma questão de princípio, pelo menos entre aqueles na base do Partido Republicano.

E o que isto significa é que o conservadorismo moderno é na verdade um movimento profundamente radical, hostil ao tipo de sociedade que nós tivemos nas últimas três gerações – isto é, uma sociedade que, por intermédio do governo, tenta mitigar alguns dos “perigos comuns da vida” através de programas como a Segurança Social, seguro-desemprego, o Medicare e o Medicaid.

Estão os eleitores preparados para abraçarem essa rejeição radical à maneira com que nós, os americanos, fomos criados? Acho que só saberemos no próximo ano.

Veja o original no link: http://www.nytimes.com/2011/09/16/opinion/krugman-free-to-die.html?_r=1&hp

 

 

Luis Nassif

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