O “ceteris paribus” e o “professor de Deus”

A Lógica da Conveniência

ALEXANDRE SCHWARTSMAN

AO PUXAR uma corda eu deveria trazer para perto o que estivesse amarrado à outra ponta. Poderia não conseguir, se as forças opostas fossem maiores do que a minha, mas ninguém me acusaria de ter empurrado o objeto. Óbvio, é claro, mas se o assunto tratar de câmbio e juros, não falta quem prefira ignorar essa lógica simples.

A imagem da corda que puxa e da corda que empurra foi abundantemente utilizada por Mário Henrique Simonsen para explicar a facilidade com que se joga um país na recessão, e a dificuldade de tirá-lo daí.

Caso eu perguntasse o que ocorreria se a Selic fosse reduzida, qualquer um responderia (corretamente) que a taxa de câmbio deveria se depreciar. Por simetria, um aumento do juro levaria à apreciação cambial. Curiosamente, porém, ainda que todos concordem com essas conclusões, quando se buscam as causas da apreciação cambial observada no período mais recente ainda são muitos os que apontam a taxa de juros, o que está em flagrante contradição com a crença anterior.

De fato, nos últimos 18 meses a diferença entre as taxas de juros no Brasil e nos Estados Unidos caiu de 15% ao ano para cerca de 7% ao ano.

Ninguém duvida de que uma nova redução dessa diferença daqui para a frente depreciaria o real (pelo contrário, muitos clamam por isso), mas, por motivos que me escapam, não admitem que a queda de oito pontos percentuais no diferencial de juros desde outubro de 2005 poderia ser responsável por muitas coisas, menos pela apreciação da moeda. Por que, então, o real se fortaleceu?

Obviamente, como no exemplo da corda, deve haver outras forças atuando no sentido contrário e prevalecendo sobre os efeitos da queda da taxa de juros. Se fosse possível a experimentação em laboratório na ciência econômica, poderíamos testar essa afirmação alterando apenas a taxa de juros e mantendo as demais variáveis constantes, de modo a isolar o seu efeito do juro sobre o câmbio.

Tal experimento controlado não é factível, mas há técnicas estatísticas que, sujeitas às restrições de praxe, nos permitem reproduzir, na medida do possível, as condições do laboratório. Basta estimar um modelo que explique a taxa de câmbio em função de algumas variáveis (risco-país e expectativas do câmbio 12 meses à frente, além do diferencial de juros) e pedir a esse modelo que simule a trajetória de câmbio, supondo que a trajetória da taxa de juros seja exatamente a observada, fixando, porém, as demais variáveis.

Feita a simulação, o resultado não é distinto do que eu afirmava acima: o efeito “puro” da taxa de juros teria feito a moeda se depreciar pouco mais de 6,5% entre outubro de 2005 e março de 2007, efeito, porém, mais que compensado pela queda do risco-país (apreciação de 1%), e, principalmente, pela forte queda da expectativa de câmbio 12 meses à frente (apreciação de 15%). A resultante dessas forças seria uma apreciação do real em torno de 9% no período, bastante próxima ao percentual observado (7,5%), sugerindo um modelo razoavelmente preciso.

Tem um fator (a expectativa cambial) que depende fundamentalmente do diferencial de juros externos e internos, mais risco Brasil e risco global. Se reduzo esse diferencial, obviamente teria que reduzir as expectativas de apreciação cambial. O “professor de Deus” reduz os juros, mas mantém as expectativas de apreciação cambial intocadas. Isso depois de admitir as expectativas de apreciação cambial chegaram a 15% no ano (muito mais do que a queda da taxa Selic e que a própria taxa Selic). Como é que pode ignorar uma variável crucial assim? O exemplo mostra mais uma vez sua dificuldade em correlacionar variáveis de maneira dinâmica. O negócio para ele é mexer em uma e se valer do “ceteris paribus” (todas as demais, constantes).

Falta, é claro, explicar a razão da queda do câmbio esperado, mas há evidências indicando que preços de commodities (e conseqüentemente o desempenho futuro da balança comercial) mantêm forte relação inversa com essa variável, isto é, preços mais altos melhoram as perspectivas da balança comercial e, portanto, sugerem apreciação da moeda à frente.

O “professor” começa a falar em “evidências”, em lugar das certezas pétreas depois que os economistas mais ilustres ouvidos pelo mercado constataram que o preço da moeda se dá no mercado financeiro.

Assim fica patente que, no balanço das forças, tem prevalecido o desempenho estupendo da balança comercial, fortalecido pela alta das commodities. Quem ignorar esse fenômeno pode espernear à vontade, mas jamais entenderá o que tem acontecido com a moeda.

Como “assim fica patente”? Ele fala de uma simulação que fez, não detalha as premissas, o que apresenta mostra uma fragilidade óbvia, e diz para ele mesmo “parabéns, professor, graças a seus estudos ocultos, tudo ficou patente”.

ALEXANDRE SCHWARTSMAN , 44, economista-chefe para América Latina do Banco Real, é doutor pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.

Luis Nassif

23 Comentários

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  1. Pela lógica dele reduzir os
    Pela lógica dele reduzir os juros não causa nenhum impacto, nem no câmbio, (o dolar que segura a inflação), nem no risco, nem em nada, assim como a corda que não empurra. Fico me perguntando então porque os juros ainda estão altos?!?
    Me parece estratégia dele sair pela tangente para desviar nossa atenção do principal, algo que ele defendia e, pelo jeito, desistiu.
    Finalmente, Nassif, Ele deu o braço a torcer, de uma forma bem indireta, claro.

  2. Um asno aprendendo a ser
    Um asno aprendendo a ser menos asno…
    Concordo com o ALEXANDRE SCHWARTSMAN…
    Ah…Já Sei !!!!!!!
    Queres que paremos de vender e passemos apenas a comprar…ou seja…
    QUE NOS ENDIVIDEMOS?
    Assim o dólar iria subir mesmo !

  3. Entender o que está
    Entender o que está acontecendo com a moeda, todo mundo entende. Senão, vejamos:
    Dólares médios, segundo Banco Central do Brasil:
    2003 – R$ 3,072
    2004 – R$ 2,925
    2005 – R$ 2,434
    2006 – R$ 2,177
    2007 – R$ 2,020
    O que ninguém quer explicar, ou aceitar, são os impactos desta apreciação da moeda sobre a economia, não aquela que cabe no modelo, mas a outra.

  4. ah……..!!
    Ja sei !!
    É
    ah……..!!
    Ja sei !!
    É assim ô !!!
    Você pega o dólar, não.. quero dizer o Real. (Ou sera o Iene ?)
    Enfim…
    Pega a grana e coloca no bolso.
    E vai de ferias passear com o custo financiado pela Martaxa !
    Quanto ao valor do dólar x real…quem se importa ?
    O que eu quero é rosetar !
    Certo ?
    E VIVA LA FRANCE !!!
    (E seus Euros!)

  5. “Se reduzo esse diferencial,
    “Se reduzo esse diferencial, obviamente teria que reduzir as expectativas de apreciação cambial”

    Ora Nassif, mas é exatamente contra essa relação de causa e efeito que o artigo de Schwartzman está aludindo.

    Aliás Nassif, quero saber de você o seguinte: se a expectativa cambial vai mudar significativamente caso a Selic:
    1) Caia meio ponto
    2) Caia três pontos

  6. Andei lendo o ranking das
    Andei lendo o ranking das instituições que mais acertaram as projeções, divulgado pela Broadcast. Não vi nada do nosso amigo.

  7. O -Professor- Schwartzman
    O -Professor- Schwartzman escreveu:

    “Caso eu perguntasse o que ocorreria se a Selic fosse reduzida, qualquer um responderia (corretamente) que a taxa de câmbio deveria se depreciar. Por simetria, um aumento do juro levaria à apreciação cambial. Curiosamente, porém, ainda que todos concordem com essas conclusões, quando se buscam as causas da apreciação cambial observada no período mais recente ainda são muitos os que apontam a taxa de juros, o que está em flagrante contradição com a crença anterior.”

    Não existe contradição alguma. A taxa de juros (SELIC) vai exercer pressão para o real apreciar enquanto ela estiver acima de seu valor de equilíbrio. Se um sujeito pula da ponte com uma televisão amarrada no pescoço, tanto faz se a televisão é de 18 ou de 32 polegadas, ele vai afundar do mesmo jeito.

    E quando o -Professor- disse:

    “De fato, nos últimos 18 meses a diferença entre as taxas de juros no Brasil e nos Estados Unidos caiu de 15% ao ano para cerca de 7% ao ano. ”

    O Economista responde: Um diferencial de juros de 7 por cento é ainda bem alto, e todos no mercado sabemos que esta é uma das melhores apostas de mão única existentes hoje em dia.

    E quando o -Professor- exibe sua retorica, digamos, academica:

    “Obviamente, como no exemplo da corda, deve haver outras forças atuando no sentido contrário e prevalecendo sobre os efeitos da queda da taxa de juros. Se fosse possível a experimentação em laboratório na ciência econômica, poderíamos testar essa afirmação alterando apenas a taxa de juros e mantendo as demais variáveis constantes, de modo a isolar o seu efeito do juro sobre o câmbio.

    Tal experimento controlado não é factível, mas há técnicas estatísticas que, sujeitas às restrições de praxe, nos permitem reproduzir, na medida do possível, as condições do laboratório. Basta estimar um modelo que explique a taxa de câmbio em função de algumas variáveis (risco-país e expectativas do câmbio 12 meses à frente, além do diferencial de juros) e pedir a esse modelo que simule a trajetória de câmbio, supondo que a trajetória da taxa de juros seja exatamente a observada, fixando, porém, as demais variáveis.”

    Os dois últimos parágrafos que o Porfessor escreveu são sandice pura (palavra de Economista!). Risco-país e expectativas do câmbio são variáveis que são determinadas simultaneamente à taxa de câmbio. Portanto, um modelo que explique a taxa de câmbio mantendo estas variáveis constantes não tem valor explicativo nenhum.

  8. “Por motivos que me escapam,
    “Por motivos que me escapam, [os defensores de uma queda mais rápida da SELIC] não admitem que a queda de oito pontos percentuais no diferencial de juros desde outubro de 2005 poderia ser responsável por muitas coisas, menos pela apreciação da moeda”.

    Que definição você daria a esse argumento, Nassif?

  9. Eu acho que as duas
    Eu acho que as duas explicações são complementares e não opostas. Tanto os juros quanto as exportações são explicações plausíveis para a apreciação do câmbio pois ambas influenciam a entrada de divisas. A questão de saber qual fator influencia mais é difícil de medir, por isso essa discussão a meu ver é inútil. A grande questão é: visto que as exportações não param de crescer (fator China) e a taxa de juros está perto do limite (pelo menos para o BACEN), o que fazer ?

  10. Sobre
    abre aspas AO PUXAR
    Sobre
    abre aspas AO PUXAR uma corda eu deveria trazer para perto o que estivesse amarrado à outra ponta. Poderia não conseguir, se as forças opostas fossem maiores do que a minha, mas ninguém me acusaria de ter empurrado o objeto. Óbvio, é claro, mas se o assunto tratar de câmbio e juros, não falta quem prefira ignorar essa lógica simples.fecha aspas

    Eu digo que ele esta empurrando a corda na medida em propositalmente estiver usando uma força menor que as forças contrárias.

    Ou seja ao cortar menos que o necessário o juros da Selic o COPOM esta deixando abre aspas as forças contrárias fecha aspas apreciar o Real.

    É só usar a força adequada para trazer o objeto para perto dele, a menos que ele já esteja usando toda a sua força , o que não é o caso.

  11. Respondeu o quê? Que há
    Respondeu o quê? Que há “evidências” de que a influência nas expectativas é o preço das commodities? Como você explica o fato de, um dia após o Copom ter reduzido o ritmo de redução dos juros, o real ter voltado a se apreciar? É uma “evidência” também? E, por acaso, uma ou outra evidências foram contempladas no modelo estatístico dele? Faça um comentarinho para pertinente para a minha criticazinha, Mello.

  12. Mello, sabe para quê existem
    Mello, sabe para quê existem links na Internet? Para o sujeito que não tem medo de se expor oferecer o trabalho à apreciação pública. Aliás, sabe porque você insiste tanto na palavra humildade? Porque é um ativo escasso no Departamento de Economia do ABN, onde você e seu chefe trabalham.

  13. É “procure”… E a maneira
    É “procure”… E a maneira mais adequada de mostrar o trabalho é linkando no artigo onde aparecem as conclusões. Aliás, em vez de trazer recado, você poderia ter trazido o link.

  14. Se formos entrar no campo das
    Se formos entrar no campo das teorias econômicas a questão, é qual deveria ser a taxa de juros da Selic para um Brasil:
    com Superávit na Balança Comercial de mais de 40 Bilhões de dolares anuais;
    inflação de 4% anuais;
    superávit primário de 3,8% do PIB;
    relação dívida pública/PIB de 45%;
    crecimento do PIB acima dos 4% anuais;
    nível do crédito em 35% do PIB;
    nível da capacidade instalada da indústria abaixo dos 82%;
    taxa de desemprego acima dos 10%;
    cambio a 2 reais por dolar;
    safra agrícola com previsão de recorde;
    superávit na conta petróleo e combustíveis;
    investimento estrangeiro direto acima dos 19 bilhões de dolares anuais;
    taxa de investimento do PIB acima dos 17% do PIB.

    Com quase toda certeza muto longe dos atuais 12,5% dos juros da Selic.

  15. As forças que valorizavam o
    As forças que valorizavam o dolar, era a insegurança jurídica representada por uma oposição com mais de 30% do eleitorado que pregava a renegociação da dívida pública interna e externa, o déficit na conta corrente, o déficit na conta petroleo, o nível da relação dívida pública/PIB, o ritmo de crescimento do PIB, o nível das reservas cambiais, o nível da inflação sempre fora da meta, e para contrabalancear tudo isso o Banco central usava os altos juros da Selic.

    O fato é que os juros não estão acampanhando adequadamente as melhorias macroeconômicas, e ainda esta pagando um premio pela insegurança jurídica que já não existe mais, e diria ainda mais que com atual nível de crescimento do PIB e do superávit primário o atual nível da relação dívida pública/PIB já não representa mais um risco para o pagamento dos títulos, e portanto até esse premio já não é mais necessário.

    E se basearmos apenas no atual nível de crescimento do PIB, nas expectativas de infflação, e nos componente de oferta e demanda os juros da Selic não deveriam estar acima dos 6%, e nessa direção que o COPOM precisa apontar, e não nos atuais 11% de juros médio.

  16. EH AQUILO QUE EU SEMPRE
    EH AQUILO QUE EU SEMPRE DIGO!!!
    o cara pulou da ponte com a tv amarrada no pescoco !!!
    O CARA GOSTA DAS NOVELAS DA GLOBO !!! OBVIO !!!!!!
    o cara eh peagadado nas universidades yankes e ainda por cima em economia !!!!
    COMECOU A PENSAR !!!!
    >>>

  17. (Ai meu Deus! Caí aqui de
    (Ai meu Deus! Caí aqui de “gaiata”), li esse texto do Professor Alexandre na Folha, e desde então surgiram os “problemas”.

    Debatendo com um amigo, ele me disse: “Se aumentarmos os Juros, haverá mais dólares no Brasil por causa do retorno financeiro, logo, o Real se valoriza”.

    Até ai entendi, mas nao me conformava de ter lido o contrário na FOLHA!, aliás na mesma matéria duas coisas contraditórias.

    Não sou Economista (comecei este ano Administração, daí o Sr. pode ter uma idéia do meu conhecimento, quase nulo), mas acima de tudo como cidadã é importante enterdermos esse cenário, então é bom entender Economia.

    Resultado da salada: já vi que perdi a aposta que fiz com meu amigo, pois vejo que a MAIORIA fala :
    SELIC ALTA = REAL APRECIADO, mas eu entendi o contrário: SELIC ALTA=REAL DEPRECIADO (por que a SELIC foi reduzida e o REAL não acompanhou a queda).

    [Fazendo de tudo para não perder a aposta], tenho buscado informações a respeito (santo Google!) e achei uma matéria interessante, um estudo de 2006
    http://cidadebiz.oi.com.br/paginas/34001_35000/34075-1.html
    também achei este blog (rs).

    O que o Sr. tem a dizer referente a esse estudo?

    Obrigada 🙂

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