O jogo recorrente para aumentar os juros

Para entender o jogo da chamada confraria da Selic.

Desde 1999, quando foi instituído o sistema das “metas inflacionárias”, criou-se a chamada “confraria da Selic”, um conjunto de economistas, incrustrados em consultorias e departamentos econômicos de instituições financeiras, elaborando análises recorrentes sobre os rumos da taxa de juros e apostando permanentemente na sua elevação.

Não se trata do mercado financeiro como um todo, mas de um grupo que gira em torno das tesourarias de bancos e de grandes empresas. O sistema bancário é mais que isso. Existem os grupos que trabalham em área de crédito, do mercado de capitais, das operações estruturadas, que exigem um conhecimento mais sofisticado.

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A introdução do sistema de metas inflacionárias consagrou um tipo de análise que, alguns anos atrás, classifiquei genericamente como de “cabeça de planilha”. Eram planilhas matemáticas, definindo algumas correlações mecânicas – muitas delas jamais comprovadas – entre taxas de juros e inflação, câmbio e preço de commodities, taxa Selic e nível de atividade, mudanças nos ativos internacionais e câmbio.

Enquanto a economia internacional e os mercados bombavam, subindo sempre, parecia que as planilhas funcionavam. Era um mundo sem sobressaltos, embora já inoculado pelo vírus que, a partir de 2008, explodiria em grandes desequilíbrios.

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Nos centros mais sofisticados, a crise de 2008 sepultou esse tipo da análise-padrão. Mesmo no Brasil, os financeiros das empresas passaram a prescindir desse tipo de análise pretensamente sofisticada, por perceber sua vulnerabilidade.

Com isso, gradativamente a análise da Selic tornou-se a peça menos sofisticada e valorizada o mercado brasileiro.

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Hoje em dia, a Selic tem influência sobre uma parcela pequena da estrutura de preços da economia – basicamente sobre o setor de bens de consumo nã-duráveis alimentícios (controlado por gigantes como Gessy Lever, Nestlé e outros). A remarcação aumenta quando há perspectiva de elevação da taxa.

Em todos os demais setores – alimentos in natura, bebidas, bens de consumo durável, aluguel etc – movimentos da Selic são completamente irrelevantes.

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O problema da inflação está nas estratégias mal elaboradas do Ministério da Fazenda.

Quando optou por políticas pro-ativas, a Fazenda teria que obrigatoriamente armar-se dos instrumentos não-monetários de controle de altas pontuais de preços – especialmente estoques reguladores de alimentos e ações de convencimento sobre setores oligopolizados.

Em vez disso, limitou-se aos anúncios recorrentes de desoneração tributária a cada notícia de pressão sobre os preços. Uma tolice! Desonerações ajudam a recompor ou melhorar margens de empresas, jamais induzi-las a reduzir preços.

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Ontem, o Diretor de Política Monetária do BC, Carlos Hamilton de Araújo, insistiu que as taxas de juros são o melhor remédio contra a inflação. E repetiu a imensa tolice de que superávits fiscais – em uma economia que patina – são a melhor receita contra a alta de preços. Isso em uma economia que ainda patina.

Ajudou a jogar gasolina nas expectativas do mercado.

O quadro atual é de inflação cedendo, especialmente com a menor pressão sobre os preços internacionais de commodities. O desafio maior é administrar os discursos desencontrados da área econômica.

Luis Nassif

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