O relatório do BC contribuindo para a discussão de juros

Relatório de Estabilidade Financeira (Publicação semestral do Banco Central do Brasil)
Brasília v. 11 no 2 set. 2012 p. 1-63(pdf)
….2.3 Crédito
…….O saldo total da carteira PF aumentou 7,9% no semestre e 18,7% em doze meses, alcançando R$1,01 trilhão em junho e passando a corresponder a 23,7% do PIB, razão considerada ainda baixa no comparativo internacional (gráfico 2.3.5). Mais uma vez, o financiamento habitacional foi o principal responsável pelo crescimento, acumulando alta de 17,7% no semestre e de 41,0% em doze meses (tabela 2.3.1). Essa modalidade alcançou 5,5% do PIB, ante 4,2% um ano antes, consolidando-se como a mais representativa na carteira PF.

Apesar de ser a modalidade com o maior ritmo de expansão, observou-se redução na velocidade de crescimento do crédito imobiliário nos últimos doze meses, assim como movimento de desaceleração semelhante no índice de preços dos imóveis residenciais.(30) A relação entre o valor do financiamento e o valor do bem financiado, o loan-to-value (LTV), permaneceu em patamar sustentável, atingindo 71,5% em junho, praticamente sem alteração em relação a dezembro de 2011.

Por sua vez, o financiamento de veículos (incluindo o arrendamento mercantil) apresentou crescimento praticamente nulo no semestre, de apenas 0,5%. O arrefecimento nas contratações dessa modalidade evidenciou uma postura mais conservadora por parte das instituições financeiras, justificada pela manutenção da inadimplência em nível historicamente elevado para essa carteira. Com o objetivo de estimular o crescimento do setor automobilístico, o governo implementou algumas medidas visando aquecer a demanda por veículos e equilibrar a oferta de crédito(31) sem prejuízo à maior seletividade do crédito. Dentre essas medidas, destacam-se a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), e a edição, pelo BCB, da Circular no 3.569, de 2011, posteriormente alterada pela Circular no 3.594,(32) de 2012.

Como essas medidas foram tomadas ao final de maio, os impactos no semestre não foram plenamente sentidos, esperando-se que os efeitos sejam percebidos durante o segundo semestre.

O crédito consignado cresceu 10,1% no semestre e foi uma das modalidades mais impactadas pela redução de taxas de juros, especialmente nos bancos públicos, que aumentaram a participação no estoque da modalidade de 51% em dezembro de 2011 para 53% em junho de 2012 (gráfico 2.3.6). A modalidade apresenta reduzido risco de crédito, em virtude de a maior parte das operações ser contratada pelos funcionários públicos (61,7%), aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) (30,2%), restando menos de 10% da carteira concedida para funcionários de empresas privadas, que possuem menor estabilidade no emprego.

Os empréstimos vinculados ao cartão de crédito apresentaram crescimento de apenas 2,4%, totalizando R$112,9 bilhões em junho, o que representa 11,4% da carteira PF. As duas submodalidades sobre as quais não incidem juros – compras a vista e compras parceladas pelo lojista, que correspondem a cerca de 70% da modalidade – cresceram pouco no semestre (0,8%). As compras parceladas pela IF representam cerca de 10% da carteira e, da mesma forma, cresceram pouco no semestre, 1,7%.
Diferentemente, o empréstimo rotativo, que representa 20% da modalidade e 2,2% da carteira PF,cresceu 7,9% no semestre, demandando maior monitoramento, haja vista as elevadas taxas de juros cobradas e a concentração de tomadores com maior risco, ratificada pelo elevado nível de inadimplência.

Não obstante a elevação de 1,2 p.p. no endividamento das famílias(33) no semestre, alcançando 43,4% da renda disponível em junho, o comprometimento de renda manteve-se praticamente constante no período, estabilidade que se relaciona à redução nas taxas de juros(34) e ao alongamento de prazos.(35) Ressalte-se a baixa participação do crédito imobiliário – modalidade que representa 23,2% da carteira PF – na composição do comprometimento de renda, representando apenas 6% do total, em razão das suas taxas mais baixas e de
seus prazos mais longos (gráfico 2.3.7). Os empréstimos rotativos, por sua vez, são mais relevantes na formação do comprometimento, respondendo por 27% do total, e são sensibilizados mais rapidamente pela diminuição dos juros em razão de seu curto prazo.

Tais características, em adição à gradual substituição do crédito ao consumo pelo financiamento habitacional na estrutura de endividamento das famílias, tendem a favorecer a convergência do comprometimento de renda das famílias brasileiras para padrões internacionais no longo prazo.
Na carteira PF, continua em curso a tendência de expansão da base de clientes. O número de indivíduos com crédito acima de R$5 mil(36) cresceu 3,4% no semestre, ante 4,8% e 6,3% nos semestres anteriores. Tudo isso reforça a percepção de que as instituições devem prosseguir no aperfeiçoamento dos seus critérios de concessão e dos seus modelos de gestão de risco.
Adicionalmente, observou-se significativa ampliação da quantidade de clientes identificados no SCR, de 36 milhões em dezembro de 2011 para 64 milhões em junho de 2012, consequência da alteração do limite mínimo para informações individualizadas, de R$5 mil para R$1 mil.(37)
A representatividade dos clientes identificados em relação ao crédito total também cresceu, de 93,7% para 99%, na mesma base de comparação. Tudo isso representa maior capacidade de análise, permitindo às instituições uma gestão mais eficiente de risco de crédito e, sobretudo,
maior transparência para o BCB no desempenho da atividade de monitoramento e de fiscalização. O aumento do prazo médio(38) das concessões para PF tem sido determinado, em grande parte, pelo financiamento habitacional, tanto pelo prazo mais longo da modalidade quanto pela sua crescente participação relativa na dívida das famílias. No último semestre, o prazo médio de concessão para a carteira PF subiu de 92 para 97 meses (tabela 2.3.2). O prazo das demais modalidades PF, excluindo o crédito habitacional, manteve-se praticamente estável em quarenta meses. No mesmo período, as leves reduções de prazo nas modalidades empréstimos consignados e sem consignação podem ser explicadas pela Circular n° 3.563,(39) de 2011, que aumentou a exigência de capital para operações com prazo contratual superior a sessenta meses. No caso dos financiamentos de veículos, a redução de prazos relaciona-se com a adoção de critérios mais rigorosos por parte das IF em função da elevação do nível de atrasos da modalidade.

A inadimplência da carteira PF manteve a tendência de alta iniciada em março de 2011, atingindo 5,4% em junho contra 5,1%(40) em dezembro de 2011. Analisando a inadimplência por modalidade, destaca-se a carteira de financiamento de veículos, que apresentou nível crescente de atraso entre o início de 2011 e maio de 2012 (gráfico 2.3.8). O ritmo mais acelerado das concessões durante 2010, o alongamento dos prazos e o LTV elevado contribuíram para essa tendência de alta. As safras mais recentes, todavia, sugerem maior rigor e seletividade nas concessões a partir do segundo semestre de 2011 (gráfico 2.3.9).Além disso, os prazos de concessão foram reduzidos, em média, para 43 meses em junho, contra 47 meses um ano antes;(41) o mesmo aconteceu com o LTV, que registrou 72% em junho, ante 79% doze meses antes.
Todos esses fatos apontam para a queda na inadimplência da modalidade nos próximos meses…..

Sumário executivo
O cenário econômico mundial permaneceu incerto no
primeiro semestre de 2012. No primeiro trimestre, houve
melhora nas perspectivas, refletindo tanto a consolidação
da percepção positiva em relação à atividade econômica
nos Estados Unidos (EUA) quanto a maior confiança na
superação das dificuldades na Área do Euro.

No segundo trimestre, contudo, o recrudescimento
da crise europeia, decorrente do impasse político na
Grécia e dos sinais de fragilidade do sistema bancário
espanhol, provocou novo aumento da volatilidade
nos mercados financeiros internacionais. Ademais, as
evidências de desaquecimento nos EUA, na China e nas
economias emergentes agravaram as expectativas sobre
a sustentabilidade fiscal e bancária da Área do Euro.

No âmbito doméstico, o crescimento da carteira de crédito
manteve a tendência de desaceleração observada desde o
primeiro semestre de 2011 e continua convergindo para
um ritmo sustentável no longo prazo. Merece destaque a
atuação dos bancos públicos em favor da redução das taxas
de juros, com reflexos no ritmo de concessões e no ganho
de participação desse segmento no mercado.
A inadimplência apresentou elevação no semestre,
influenciada pelos financiamentos de veículos contraídos
por pessoas físicas e pelas operações com recursos livres
para pessoas jurídicas. Em face do aumento nos atrasos
dos pagamentos, houve maiores despesas de provisão
e redução no lucro líquido. O menor atraso observado
nas safras mais recentes da carteira de financiamento de
veículos, no entanto, indicam a redução da inadimplência
dessa modalidade no curto prazo, com possível impacto
na carteira total.

No médio prazo, o crescimento da massa salarial, a
recuperação da atividade econômica e a transmissão da
redução da taxa básica de juros para as taxas cobradas
pelos bancos tendem a melhorar a capacidade de
pagamento das famílias e das empresas e a reduzir a
inadimplência, contribuindo para o desenvolvimento
sustentável do mercado de crédito brasileiro.
A capacidade de solvência do sistema bancário
permanece robusta, tendo em vista que o aumento da
base de capital foi proporcionalmente superior à evolução
da exposição aos riscos inerentes à atividade bancária.
Sendo assim, elevou-se o Índice de Basileia, tanto sob
a estrutura regulatória atual quanto sob as regras de
Basileia III, a serem gradualmente implementadas. A
resilência do sistema é corroborada pelos resultados dos
testes de estresse, os quais demonstram que, em todos
os cenários analisados, inclusive naqueles que envolvem
choques abruptos ou extrema deterioração da situação
macroeconômica, o capital regulamentar do sistema
bancário permaneceria acima do exigido pelo Banco
Central do Brasil (BCB).

As incertezas no mercado externo não comprometeram
a liquidez disponível no mercado doméstico, o que
permitiu tanto a expansão da carteira de crédito quanto
o crescimento dos ativos líquidos no Sistema Financeiro
Nacional (SFN). Dessa forma, manteve-se elevado o
índice de liquidez do sistema, demonstrando capacidade
para fazer frente a eventuais restrições de recursos,
mesmo em situações de estresse….
Prefácio
O Relatório de Estabilidade Financeira (REF) é uma
publicação semestral do Banco Central do Brasil (BCB)
destinada a apresentar, com foco no risco sistêmico,
os principais resultados das análises sobre o Sistema
Financeiro Nacional (SFN), especialmente com respeito
à sua dinâmica recente, às perspectivas para os próximos
anos e ao grau de resiliência a eventuais choques na
economia brasileira ou no próprio sistema. Esta edição
concentra-se nos eventos ocorridos no primeiro semestre
de 2012.(1)
Este relatório é constituído por cinco capítulos. No
primeiro capítulo, Ambiente macroeconômico e
financeiro, é realizada a análise dos principais mercados
internacionais e o seu reflexo no mercado financeiro
nacional. O segundo capítulo, Sistema bancário, apresenta
um panorama da exposição a riscos, da rentabilidade e
da solvência das instituições e dos conglomerados que
compõem o sistema bancário brasileiro. Os testes de
estresse de risco de mercado e de crédito e seus reflexos
sobre a situação de solvência das instituições estão
incluídos nesse capítulo. No terceiro capítulo, Sistema
de Pagamentos Brasileiro, é descrito o resultado da
avaliação acerca do funcionamento do Sistema de
Pagamentos Brasileiro (SPB) e do desempenho dos
sistemas de liquidação, as principais atividades e avanços
ocorridos no período, o comportamento da liquidez
intradia e o resultado dos testes de estresse dos sistemas
de compensação e de liquidação de títulos e valores
mobiliários, de derivativos e de câmbio interbancário.
O quarto capítulo, Organização do Sistema Financeiro
Nacional, analisa as principais alterações ocorridas no
controle acionário de instituições financeiras. O quinto
capítulo, Regulação do Sistema Financeiro Nacional,
trata das principais normas aprovadas pelo Conselho
Monetário Nacional (CMN) e pelo BCB para regular o
funcionamento do Sistema Financeiro Nacional (SFN).
Ademais, nesta edição são apresentados três boxes. O
primeiro, sobre o Financial Sector Assesment Program
(FSAP) conduzido pelo Banco Mundial e pelo Fundo
Monetário Internacional (FMI). O segundo, sobre
princípios para infraestruturas do mercado financeiro.
O terceiro, sobre os dez anos da reestruturação do SPB.
O relatório em PDF bem como a base de dados utilizada
para a elaboração dos gráficos e tabelas estão disponíveis
no endereço eletrônico <www.bcb.gov.br>.

(1)/ Neste relatório, foi utilizada a data-base de 30 de junho de 2012 para
os documentos contábeis. Eventuais divergências em relação à edição
anterior e a outras publicações do BCB são decorrentes de substituições
de documentos pelas instituições financeiras.
(26)/ Circular n° 3.515, de 3 de dezembro de 2010.
(27)/ Circular n° 3.563, de 11 de novembro de 2011.
(28)/ O Banco do Brasil (BB) adquiriu 49,9% do capital votante do Banco
Votorantim em setembro de 2009. Para efeito da segmentação por controle
acionário, o Votorantim continua sendo integralmente considerado banco
privado nacional, conforme orientações da Carta-Circular n° 2.345, de 25
de janeiro de 1993; o mesmo critério é adotado pela nota para imprensa
de política monetária e operações de crédito do SFN.

(29)/ As análises desta seção, assim como nas duas versões anteriores,
compreendem dados de todo o SFN, diferentemente de edições mais
antigas, que contemplavam somente o sistema bancário, excluídos os
bancos de desenvolvimento. Os trechos que não tratarem do SFN serão
devidamente explicitados.
(30)/ A partir dos dados do Índice Fipezap de Preços de Imóveis Anunciados
(Fipezap), o índice combinado para as cidades do Rio de Janeiro e de São
Paulo apresentou variação média anual de 20,7% em junho de 2012, ante
30,5% em dezembro e 35,2% em junho de 2011.
(31)/ De acordo com a Associação Nacional das Empresas Financeiras das
Montadoras (ANEF), existe relação direta entre a oferta de crédito e a
venda de veículos novos, já que cerca de 50% dos novos automóveis
comercializados durante 2011 e o primeiro trimestre de 2012 utilizaram
o financiamento bancário como modalidade de pagamento.
(32)/ A Circular no 3.569, de 2011, buscou redistribuir a liquidez dentro do
SFN, direcionando recursos para as instituições de pequeno e médio porte.
Posteriormente, a Circular n° 3.594, de 2012, autoriza as Instituições
Financeiras (IFs) a deduzir, do valor a ser recolhido como depósito
compulsório, o saldo das carteiras de financiamento e de arrendamento
mercantil de veículos contratadas a partir de 22 de maio de 2012.
(33)/ Para mais detalhes sobre a metodologia de cálculo do comprometimento
de renda e do endividamento das famílias, vide boxe “Endividamento e
Comprometimento de Renda das Famílias com Dívidas Bancárias: revisão
metodológica”, publicado no Relatório de Estabilidade Financeira (REF)
de setembro de 2011..
(34)/ A taxa média de juros prefixada do crédito referencial para PF caiu de
63% a.a. em janeiro de 2005 para 36,5% a.a. em junho de 2012, conforme
série temporal no 3.953, disponível em <http://www.bcb.gov.br>.
(35)/ Ver tabela 2.3.2.
(36)/ Para permitir a comparação com a quantidade de clientes em dezembro
de 2011, foi mantido o critério anterior de identificação de clientes, ou
seja, nessa análise são contados uma única vez os clientes que possuem
responsabilidade total (carteira de crédito ativa + coobrigação + prejuízo)
igual ou superior a R$5 mil no SFN.
(37)/ Para que não ocorra quebra na série histórica de quantidade de clientes
identificados, os critérios anteriores foram mantidos, de forma que o
percentual de 3,4% de crescimento no semestre não tenha qualquer
impacto dessa mudança no limite de identificação dos clientes.
(38)/ Na nota para imprensa de política monetária e operações de crédito do
SFN, o prazo médio corresponde à média dos prazos a decorrer das
parcelas vincendas, ponderada pelos seus respectivos valores. Por sua vez,
a carteira de crédito referencial para taxa de juros refere-se às operações de
crédito com recursos livres, com exceção das concedidas por cooperativas
e por sociedades de arrendamento mercantil.
(39)/ Para mais detalhes sobre a Circular no 3.563, de 2011, vide boxe de
regulação do SFN publicado no último REF, de março de 2012.
(40)/ Os dados de inadimplência PF deste relatório foram extraídos do SCR.
Eventuais divergências em relação aos números publicados em versões
anteriores explicam-se pela redução do limite de identificação de clientes,
de R$5 mil para R$1 mil, o que tornou o cálculo mais preciso.
(41)/ Essa análise considera somente a modalidade financiamento de veículos,
não levando em conta os arrendamentos financeiros.

Luis Nassif

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