Os grandes desafios de 2009

No valor de hoje, Affonso Celso Pastore dá sua receita: em qualquer circunstância juros altos. Ou, como utilizar seletivamente argumentos em favor da tese única.

Os grandes desafios de 2009

Por Affonso Celso Pastore e Maria Cristina Pinotti

As convicções do governo Lula estão sendo testadas diante da atual crise internacional. Desde o início do primeiro mandato o governo manteve um elevado grau de disciplina macroeconômica (…) Mas seu governo nunca foi submetido a um teste que colocasse à prova aquele pragmatismo. Afinal, ao contar com a contribuição de uma conjuntura internacional favorável ao crescimento econômico, podia jogar livremente e com custo baixo o jogo da “ortodoxia” na política econômica, conseguindo ao mesmo tempo agradar os mercados e as agências de risco; elevar a sua popularidade; e acalmar os setores mais à esquerda de seu partido, porque a eles entregava um crescimento acelerado e um aumento da probabilidade de permanecer no poder por muitos anos.

(…)  O mundo impõe ao Brasil uma desaceleração no crescimento, mas o custo político da desaceleração parece ser insuportável para o presidente, que tenta contrariar as forças da natureza. Por que não seguir as mesmas políticas monetária e fiscal expansionistas dos Estados Unidos e da Europa? Ocorre que a reação destes países não serve de exemplo para o Brasil. No mundo industrializado há uma crise de insolvência bancária, e quedas assustadoras de produção industrial e do PIB. Nos próximos dois trimestres os Estados Unidos terão contrações do PIB a taxas anualizadas superiores a 4%, e as perspectivas são de taxas de desemprego superiores a 8%, enquanto que na Europa as quedas de produção industrial, em muitos países, superam 8% ao ano. Taxas de juros convergindo para zero e fortes expansões no déficit público são os remédios contra a deflação e a depressão. O caso brasileiro é totalmente diferente. Fazer “o que todo mundo está fazendo” não é uma boa diretriz a ser imprimida à política econômica no Brasil.

A cada semana vêm sendo anunciadas medidas contra-cíclicas, quer expandindo os gastos públicos e reduzindo impostos, quer expandindo o crédito através dos bancos oficiais. O governo nega que ocorrerá uma desaceleração no crescimento, mas esta é inevitável e reduzirá a receita tributária.

Na Europa e EUA valem políticas anti-cíclicas porque o baque é grande. No Brasil não vale porque o baque é grande (embora não tanto) e vai afetar as receitas tributárias.

Por isso, mesmo antes de novas medidas reduzindo impostos e elevando gastos já há uma importante redução do superávit primário. Crescem também as pressões para que o Banco Central reduza a taxa de juros olhando somente para a atividade econômica e não para a inflação.

Ou seja, reduzindo o déficit público. E, segundo Pastore no parágrafo acima, a atividade econômica irá cair junto com as receitas tributárias. Ou seja, a queda da atividade é tal que impede estímulos fiscais; mas não é tal, que obrigue a reduzir os juros.

Estímulos são necessários, mas não em excesso.

Para não haver excesso, juros altos.

O governo está cada vez mais preocupado com o custo político de uma recessão, que teria efeitos negativos na popularidade de Lula e na sua capacidade de eleger seu sucessor, pondo em risco a qualidade das políticas macroeconômicas e, conseqüentemente, a capacidade de o país crescer quando a crise tiver se dissipado.

Além da contração derivada da disfunção do crédito, que a curto prazo vem sendo habilmente minimizada, porém não integralmente evitada pelo Banco Central, há os efeitos da queda nos ingressos de capitais, que impõe um encolhimento no déficit nas contas correntes que, por sua vez, requer uma queda na demanda doméstica, levando a uma queda no crescimento do PIB.

O governo tem que manter a economia desaquecida por causa do déficit em transações correntes provocado pelo câmbio apreciado – problema que, segundo Pastore, era inexistente, mesmo com todos os sinais de crise externa no ar desde o ano passado.

Se esta desaceleração no crescimento do PIB continuar a ocorrer ao lado de uma queda na inflação, como vem ocorrendo até o presente momento, a vida do Banco Central será mais fácil. Mas isto não está garantido, e crescerão as pressões para políticas monetárias mais frouxas, ignorando os riscos da inflação.

Fantástico! Troféu Jurista (de Juros) de Ouro. Se a inflação cair o BC será obrigado a reduzir os juros e a inflação pode voltar.

Por outro lado, na medida em que preocupado com o custo político desta desaceleração, o governo exagerar em políticas contra-cíclicas, elevando os gastos públicos, estimulando o consumo das famílias através de reduções de impostos e aumento do crédito oferecido por bancos oficiais, jogará um maior peso do ajuste na absorção sobre a contração dos investimentos, o que piora as perspectivas de crescimento.

Pastore pretende que haja investimento sem demanda.

Na medida em que persista a escassez de fluxos de capitais, o déficit nas contas correntes terá que se reduzir através de maior depreciação cambial, o que eleva a inflação, acentuando conflitos, em vez de reduzi-los.

A mesma frase poderia ser elaborada assim: o déficit (…) terá que se reduzir através da contração aguda da demanda, com impactos nos investimentos e na arrecadação tributária, acentuando conflitos em vez de reduzi-los. A sua lógica é monofásica: sempre apresenta a contra-indicação da medida, sem apresentar as contra-indicações das medidas alternativas.

Para evitar o dissabor de ver depreciações cambiais e inflações maiores, acentuando o dilema do Banco Central, o governo deveria evitar o crescimento de duas componentes da demanda total doméstica: o seu próprio consumo e o consumo das famílias.

Não tem como combater diretamente o encolhimento nos ingressos de capitais, que lhe é imposto exogenamente. Pode e deve utilizar as reservas para evitar quedas maiores no consumo e na formação bruta de capital fixo, porém essa utilização tem que ser prudente. Se utilizasse exageradamente as reservas para impedir uma depreciação cambial mais forte estaria se expondo ao crescimento dos prêmios de risco e ao encolhimento ainda mais forte dos ingressos de capitais. Somente resta ao governo a opção de reduzir o déficit nas contas correntes, tornando-a mais compatível com a nova realidade dos ingressos de capitais. Mas isto impõe que caia a absorção, e não é este o caminho que tem a preferência do governo, que prefere elevar os seus gastos e estimular o consumo das famílias, o que piora as condições para o equilíbrio macroeconômico, mas no curto prazo eleva o apoio popular ao governo.

No caminho escolhido, o ajuste se dá via câmbio, como se deu em 1999 e 2003 sem que a economia se desorganizasse, como preconizava Pastore.

Decisões tomadas por estadistas, com horizontes mais longos, diferem de decisões tomadas por governos que somente olham para a sua popularidade.

E diferem de decisões tomadas por economistas que só sabem raciocinar em termos imediatos sobre as metas de inflação. Se tivessem visão de longo prazo, teriam percebido já no ano passado que o aumento do déficit em transações correntes era uma ameaça.

No caso brasileiro o horizonte do governo é determinado pelo horizonte da eleição presidencial, que ocorrerá em 2010, e é muito curto em relação à provável duração da atual crise. Opções de política econômica que criem condições para uma recuperação mais sólida quando o mundo superar a presente crise e iniciar a sua recuperação não são as que maximizam a popularidade do governo no horizonte de uma campanha eleitoral.

A lógica do Pastore é: tudo o que é impopular para o contribuinte e popular para o mercado é virtuoso.

As preferências deverão concentrar-se em medidas de expansão de gastos públicos e de estímulo ao consumo, ou que forcem o Banco Central a uma redução mais intensa e mais veloz da taxa de juros, ampliando o risco da inflação. O crescimento econômico não será beneficiado, e talvez nem a própria popularidade do governo.

Luis Nassif

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