Thomas Piketty sugere imposto global sobre a riqueza

Sugerido por Demarchi

Do Brasil Econômico

Concentração de renda como norma

Para romper a lógica da acumulação crescente no topo da pirâmide, o economista Thomas Piketty sugere imposto global sobre a riqueza.

Heloísa Villela

Tratamento de superstar para um professor de economia. Não é sempre que isso acontece… Mas também não é todo dia que um livro de 700 páginas, cheio de gráficos, sobre a desigualdade histórica engendrada pelo capitalismo bate todos os recordes de venda pela internet (no momento, está esgotado) e dispara na lista de mais vendidos do jornal The New York Times. O assunto, aparentemente árido para o gosto popular, surpreendeu o mercado editorial e até mesmo o autor. Mas o volume de vendas não deixa dúvidas: ele é o grande expoente de uma onda de publicações voltadas para assuntos correlatos. “Flash Boys”, de Michael Lewis, a respeito das operações de alta frequência em Wall Street mostra como pouquíssimos ganham uma fábula e está em quinto lugar na lista dos mais vendidas do Times. “Todos os banqueiros do presidente”, de Nomi Prins, a respeito da centenária interligação entre a Casa Branca e Wall Street, também anda badalado. São três aspectos de um único problema. Mas vamos ao francês que está na moda esta semana.

Thomas Piketty, professor da Escola de Economia de Paris, está voando de uma cidade à outra dos Estados Unidos para dar entrevistas e participar de seminários e palestras a respeito das ideias expostas no livro “Capital no Século XXI”. Aqui em Nova York, ele dividiu a mesa de debates com dois economistas premiados com o Nobel: Joseph Stiglitz e Paul Krugman. Entre os três, não houve muita discórdia. A gritaria surgiu nos jornais e revistas mais conservadores, como o Wall Street Journal e a Foreign Affairs, onde as ideias de Piketty foram veementemente rechaçadas. 

A edição norte-americana do livro do francês (desbancou sucessos comerciais como “Divergent”, a ficção científica que também ganhou versão cinematográfica) tem capa branca com a palavra Capital em grandes letras vermelhas em uma referência intencional à obra de Karl Marx. Thomas Piketty está longe de ser um marxista. Mas é especialista em distribuição de renda, tema da tese de PhD que defendeu aos 22 anos de idade. Agora, ele traçou o histórico da concentração de renda nos últimos três séculos e concluiu que o processo de concentração de renda aguda pelo qual o primeiro mundo passa hoje não é uma aberração e sim a norma do sistema capitalista (para a esquerda, até aí nenhuma novidade). Uma lógica que foi rompida apenas em momentos de grande calamidade, como as guerras mundiais. Por isso os Estados Unidos viveram uma época áurea nos anos 50 e 60. Agora, para romper novamente a lógica da acumulação cada vez maior no topo da pirâmide, Piketty propõe a adoção de um imposto global sobre a riqueza. 

A expressão “distribuição de renda” é quase um palavrão, hoje, nos Estados Unidos, como destacou Paul Krugman em uma entrevista a respeito do livro do colega francês. “Existe um aparato muito eficiente na TV, na mídia impressa, nos institutos de análise e assim por diante, que martelam contra qualquer menção à redistribuição. Eles conseguiram convencer muita gente de que essa é uma ideia não americana”, disse Krugman. E foi mais longe: “olha, temos que admitir, a raça está sempre escondida sob tudo na vida norte-americana. E redistribuição de renda, na mente de muitas pessoas, significa tirar dinheiro de alguém como eu (branco) e dar para alguém que não se parece comigo”. 

O racismo não explicaria tudo, mas nos Estados Unidos é com certeza um agravante. Segundo as previsões do livro de Piketty, a maior potência mundial caminha, a passos largos, na substituição da democracia por um regime autocrático. De fato, faz tempo que o setor financeiro tomou posse da política e da economia. Desobrigado de prover uma vida melhor para a maioria da população do que o comunismo podia proporcionar, o capitalismo norte-americano soltou todas as amarras e não há governo que lhe devolva os freios já que é justamente o poder econômico quem determina o resultado das eleições, em todos os níveis, com raríssimas exceções. 

A questão é como reverter um processo que deu a um grupo cada vez menor a maior fatia do bolo financeiro e, junto com ele, através dessa concentração, ainda mais poder de barganha política. Daí a proposta do francês, na verdade um eco da grande reivindicação do movimento Occupy Wall Street, que tomou as ruas de várias cidades dos Estados Unidos, por meses, em 2011: instituir impostos altíssimos para o 1% mais rico da população. Cobrar impostos elevados, também, sobre heranças para impedir que a casta endinheirada se perpetue passando a acumulação de uma geração para a outra. Faltou incluir na lista uma cobrança salgada para os lucros financeiros que não produzem, mas sugam o setor produtivo. 

Piketty destaca que Estados Unidos e Europa trocaram de lugar. Os Estados Unidos, diz ele, foram concebidos como a antítese da sociedade patrimonial. “Alexis de Tocqueville, o historiador do século XIX, viu nos Estados Unidos um lugar onde a terra era tão abundante que todo mundo podia ter uma propriedade e a democracia de cidadãos iguais poderia florescer. Até a Primeira Guerra Mundial, a concentração de renda nas mãos dos ricos era bem menos extrema nos Estados Unidos do que na Europa. No século XX, entretanto, a situação se inverteu”. 

O economista francês também lembra que a ideia de cobrar mais impostos dos mais ricos foi uma invenção norte-americana do período entre as duas grandes guerras justamente para evitar que o país repetisse o modelo de desigualdade europeu. Paul Krugman destacou o essencialmente óbvio, que muita gente faz questão de esquecer. O ex-presidente Franklin Delano Roosevelt salvou o capitalismo norte-americano com a adoção de uma rede social e de redistribuição de renda. Mas se chegou lá, não foi por convicção. Antes de Roosevelt desembarcar na Casa Branca, lembra Krugman, já existia um movimento progressista estruturado pressionando por mudanças. O movimento Occupy foi um começo. Mas dobrar a aliança capital-política cristalizada, hoje, nos Estados Unidos, vai exigir uma organização bem mais ampla e coesa.

Redação

7 Comentários

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  1. Pode ser o fim, não de um império. De uma civilização

    Nunca se aumentou tanto a concentração de riqueza nas mãos de poucos (o vírus que extermina culturas, sociedades e povos). O grave problema é que mesmo o planeta dando sinais de esgotamento, o vício da ganância também nunca esteve tão potente. Vemos o exemplo das empresas que já são grandes conglomerados tem o interesse de engolir outras. As pessoas também mostram sinais de esgotamento com a altíssima intolerância, elevado individualismo. E o que sobra deste caminho? MEDOS e MEDOS que provoca o senso de escassez e só faz aumentar a intolerância, o individualismo e a concorrência “ganha-perde”. Nesta rota, em muito breve, mesmo a fortuna dos hoje ricos, nada valerão num ambiente ácido e de luta. A guerra advinda desta crise será muito mais rígida que os apocalipses de escrituras ou dos estudiosos de hoje.

  2. Imposto impossível

    Demarchi,

    Neste momento, a idéia do imposto sobre os ricos não passa de um delírio, emais à frente nada mudará, ou melhor, a ingrata situação de agora só poderá piorar.

    Através do Bilderberg, o setor financeiro que já governa os USA não voltará atrás, seu Poder de persuassão é $$$ enorme e sua competência idem, pois vem conseguindo sustentar uma situação insustentável, assim como manter a sociedade americana anestesiada pelo amplo noticiário fake nestes últimos dois anos.Hoje, um novo Nouriel Roubini não teria nenhum espaço na grande mídia americana.   

  3. Nassif
    A democracia é escrava

    Nassif

    A democracia é escrava do capital, quando deveria ocorrer o inverso….

    Thomas Piketty é para poucos…….

  4. Uns palpites:

    a) há tempos, os social-democratas alemães, numa eleição, propuseram “remunerar igualmente o capital e o trabalho”. Claro, não é tão fácil implantar isso, mas, quem sabe, no mundo todo, implantando-se uma certa “contribuição social de equalização capital-trabalho” resolveria o problema? 

    Exemplos: os tais negócios-flash, onde um computador compra e vende ações em milésimos de segundo, ganhos de renda financeira, etc. deveriam ser tributados de modo que não valesse tanto a pena investir/desinvestir neles, ou então a cada troca de mãos em prazos curtos haveria uma tributação tanto sobre os ganhos como sobre as perdas. Essa tributação diminuiria à medida que o prazo de aplicação individual se estendesse. 

    Sei que as pessoas que trabalham neste setor financeiro tratarão de inventar uma saída para evitar essa tributação,  mas, se bem implantada, pelo menos o último da cadeia desse troca-troca pagaria o tributo.

    b) Como se diz por aí, que existem trilhões de dólares “estacionados” nos tais paraísos fiscais, e que “mofam” nos cofres locais, que tal isolar estes bancos do sistema financeiro mundial, mas deixando uma portinhola aberta, pela qual só transfere bufunfa quem paga essa contribuição? Essa contribuição deveria ser be maior do que os demais impostos devidos.

    Geralmente esses paraísos fiscais são umas ilhas com poucos habitantes e poucas atrações de investimento. Logo, a bufunfa mofante não vai fazer tanta falta assim nestes países.

    c) Finalmente, seria interessante a ONU obrigar todos os países do mundo a estabelecerem com os seus vizinhos tratados definitivos de fronteiras, e castigos para tiranos, como o atual protótipo, chamado Tribunal Penal Internacional. 

    Com o estabelecimento de fronteiras, provavelmente nenhum país mais necessitaria de Forças Armadas, o que também economizaria um bocado de dinheiro. E com tiranos sabendo que vão ser punidos, cedo ou tarde, essa raça tambám acabaria. 

    Sei que tudo isso é utopia, e quem anda ganhando com o atual estado de coisas, certamente não vai gostar dessas mudanças. 

    Mas o mundo avançou assim, muitas vezes destruindo o estabelecido: a revolução francesa, a abolição da escravatura, etc. acabaram com privilégios seculares de uma hora para outra.  Quem os perdeu, antes de isto acontecer gostava de mostrar a sua força.

     

     

  5. Não pude deixar de rir, de

    Não pude deixar de rir, de tão previsivel.

    “A gritaria surgiu nos jornais e revistas mais conservadores, como o Wall Street Journal e a Foreign Affairs, onde as ideias de Piketty foram veementemente rechaçadas.  A edição norte-americana do livro do francês (desbancou sucessos comerciais como “Divergent”, a ficção científica que também ganhou versão cinematográfica) tem capa branca com a palavra Capital em grandes letras vermelhas em uma referência intencional à obra de Karl Marx. Thomas Piketty está longe de ser um marxista. Mas é especialista em distribuição de renda, tema da tese de PhD que defendeu aos 22 anos de idade.”

    Mais risos quando for inevitável comentar por aqui. Afinal, estão falando de desigualldade no atlântico norte. Como os imitadores vão ficar agora? Censurando simploriamente o assunto?

     

  6.  Não se iludam qualquer

     Não se iludam qualquer imposto recai no fim das contas em cima dos mais pobres.

    Os governos se tivessem real  interesse em “redistribuir renda” antes deveriam reduzir o gasto estatal que é destruidor de riqueza.

     No minimo gastar apenas o que arrecada já seria “revolucionário”.

    1. Interessante, mas por que os
      Interessante, mas por que os países com melhor qualidade de vida são os que cobram impostos mais altos?
      Países como a Dinamarca arrecadam quase 50% em impostos, enquanto países como o Brasil arrecadam menos de 35%.
      Mas como vc disse deve ser miragem. Claro, pois países como a Dinamarca, Áustria etc cobram muito imposto logo deve ser horrível de se morar por lá. Deve ser melhor morar na China que não cobra tanto né.

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