Ministro da Justiça diz que parecer da AGU dificulta demarcações

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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do CIMI

“Estamos com dificuldade de trabalhar com o Parecer da AGU”, afirma ministro da Justiça sobre demarcações paralisadas

Questionado por indígenas da Bahia, ministro respondeu que Parecer 001/2017 da AGU generaliza uma “decisão muito específica” e dificulta demarcações

POR GUILHERME CAVALLI E TIAGO MIOTTO, DA ASCOM CIMI

Em reunião na última quinta-feira (07), quando recebeu uma delegação indígena de povos da Bahia, Torquato Jardim, ministro da Justiça, afirmou estar com dificuldades de trabalhar para a demarcação de Terras Indígenas devido o Parecer 001/2017 da Advocacia-Geral da União (AGU). Torquato assumiu os entraves do parecer após lideranças do povo Tupinambá cobrarem explicação do retorno de relatórios circunstanciados do MJ à Fundação Nacional do Índio (Funai).

“Vocês conhecem a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no caso Raposa Serra do Sol. A consequência foi o parecer da Advogada Geral da União aprovado pelo presidente da República, que tornou obrigatório aqueles requisitos para a validação da terra”, iniciou o ministro. “Muitos de nós tivemos muitas dificuldades de trabalhar com aquele parecer. Na minha leitura, e na leitura de muitos outros, é uma decisão muito específica para aquele grupo, para aquela região do país”, assumiu o ministro.

O Parecer 001 da AGU, em vigor desde julho de 2017, determina que toda a administração pública federal adote as condicionantes do caso Raposa Serra do Sol nos processos de demarcação de terras indígenas, o que contraria diversas decisões do próprio STF e, inclusive, os embargos de declaração do próprio caso Raposa.

Um dos principais pontos do parecer é o Marco Temporal, tese ainda em discussão nas instâncias do judiciário e que condiciona o direito à terra tradicional somente para as ocupadas pelos povos indígenas em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição.

Torquato Jardim recuperou ainda a posição do Ministério Público Federal (MPF) que considera inconstitucional o instrumento político conhecido pelos povos indígenas como Parecer Antidemarcação.

“Muitos de nós tivemos muitas dificuldades de trabalhar com aquele parecer.” Foto: Guilherme Cavalli/Cimi

“O próprio MPF já pediu que a Advogada Geral da União reestude a questão para que seja superada a obrigatoriedade do parecer vinculante”, sustentou Jardim. O parecer da AGU expressa, para o MPF, “uma ação deliberada de negativa de direitos consagrados na Constituição da República, no Direito Internacional dos Direitos Humanos e a legislação infraconstitucional”.

Durante a reunião no ministério da Justiça, indígenas do povo Tupinambá questionaram sobre a situação da Terra Indígena (TI) Tupinambá de Olivença. Foram informados pelo novo presidente da Funai, Wallace Moreira Bastos, que o processo retornou ao órgão indigenista do governo para “pronunciamento acerca da aplicabilidade do parecer”.

“Há em curso muitas maldades criadas para ir contra os povos indígenas e a demarcação dos seus territórios. Temos parecer da AGU com o Marco Temporal, o projeto de lei que está correndo, o 490, contra os territórios indígenas e o Estatuto dos Povos Indígenas”, comentou Ramon Tupinambá.   

Em setembro de 2016, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) derrubou o mandado de segurança preventivo que impedia o Ministério da Justiça de publicar o relatório circunstanciado de demarcação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença, no sul da Bahia. O retorno da Portaria Declaratória da Terra Indígena Tupinambá de Olivença, do MJ para a Funai, expõe a fragilidade dos argumentos da ministra. O processo do povo Tupinambá teve início em 2009 e está pronta para ser publicada desde o primeiro mandato de Dilma Rousseff.  

“Na minha leitura, e na leitura de muitos outros, é uma decisão muito específica para aquele grupo, para aquela região do país”, assumiu o ministro. Foto: Guilherme Cavalli/Cimi

Insegurança jurídica

A situação da TI Tupinambá de Olivença e as falas do ministro da Justiça e do presidente da Funai contradizem a posição da Advogada-Geral da União, Grace Mendonça. Em reunião com lideranças indígenas durante o Acampamento Terra Livre (ATL), em abril, a ministra sustentou que “não foi a intenção da AGU, em nenhum momento, inserir um parecer para paralisar as demarcações”.

Enquanto, do lado de fora, cerca de três mil indígenas exigiam a revogação imediata do Parecer, Grace Mendonça respondeu aos questionamentos das lideranças, afirmando que o Parecer 001/2017 teria surgido para dar “segurança jurídica” às demarcações, com uma diretriz baseada na jurisprudência do STF.

O MPF aponta que a aplicação do Parecer 001/2017 implica “paralisia das demarcações de terras indígenas”, gera insegurança jurídica e risco de “revogações de atos já constituídos” e acirra conflitos entre indígenas e não-indígenas.

Na nota técnica em que pede a anulação do Parecer da AGU, entretanto, o MPF aponta que a peça se fundamenta em “precedentes isolados” nos quais votaram apenas três dos onze ministros e “ignora, deliberadamente, farta jurisprudência que conclui em sentido contrário” – ou seja, contra a aplicação do marco temporal e das condicionantes do STF a todas as demarcações.

Adiantado por ruralistas

Uma semana antes de ser publicado, em julho de 2017, o Parecer foi comemorado pelo ruralista Luís Carlos Heinze (PP-RS) num vídeo publicado nas redes sociais da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA). Na gravação, o deputado ressalta que o Parecer foi acertado numa reunião em abril daquele ano, com “o ministro [Osmar] Serraglio, o ministro [Elizeu] Padilha e a ministra Grace [Mendonça]”. Além de Serraglio, então ministro da Justiça, Heinze cita que a bancada ruralista também conversou sobre o Parecer com o atual responsável pela pasta, Torquato Jardim.

Na reunião ocorrida durante o ATL, em abril deste ano, a Advogada-Geral da União afirmou às lideranças indígenas que não teria autonomia para revogar o Parecer 001, indicando que ela depende do aval político do governo.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

1 Comentário

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  1. Excremento

    A tese do marco temporal é uma das maiores excrecências expelidas por nosso diarréíco STF nos últimos anos. Fruto dos delírios hermenéuticos do pavão aposentado, Ayres Brito, quando defecava naquela suprema corte.

    O escândalo só não é maior porque o grosso da cidadania não é afetada e por isso o assunto passa ao largo das aflições cotidianas da enorme maioria das pessoas (não índios).

    Trata-se de um verdadeiro prêmio à violência dos coronéis do sertão et caterva quando estes, antes da consitituição cidadã de 1988, já mantinham os povos indígenas afastados de seus territórios ancestrais na base da espingarda, para assim esbulhar tais territórios, quando estes então não eram reconhecidos de direito.

    Para melhor entendimento de quão escandalosamente esdrúxula é essa cagada deletéria do marco temporal, vejam  o exemplo:

    O artigo 225 da Constituição estabelece que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

    Se fôssemos aplicar aquela infâmia do marco temporal, concebida de acordo com a cabeça de camarão do Ayres Brito e logo encampada pela AGU, sempre em benefício do agropop, seria como se, no caso de um cidadão pobre que morasse ao lado de um esgoto a céu aberto, antes de 1988, o estado se visse desobrigado a reverter tal situação degradante a seu favor, após 1988.

    Se não gostaram do exemplo acima, basta que imaginem outros…

    Mas, quem realmente se importa com o destino dos povos indígenas no Brasil?

    Ponto para o ministro da justiça golpista que reconhece a canalhice em apreço.

    IDENTIFICAÇÃO E DEMARCAÇÃO DE TODOS OS TERRITÓRIOS INDÍGENAS, JÁ!!!

     

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