A dominância política nas decisões econômicas, por Laura Carvalho

Jornal GGN – Laura Carvalho, professora de economia da USP, diz que é possível atribuir a atual “irracionalidade da política econômica” a um cenário de dominânica política. Para ela, recurso às projeções de crescimento do FMI, publicado em nota por Tombini,  desnuda o caráter político de uma decisão que poderia ter sido técnica. Laura diz que uma política econômica construída com base somente em apoios políticos não será bem-sucedida, já que pretende atender a objetivos diversos e relega para o seu segundo planoseu impacto sobre o crescimento econômico e o bem-estar da população. Leia mais abaixo:

Da Folha

Dominância política

Laura Carvalho

Alguns economistas atribuíram a não elevação da taxa Selic na mais recente reunião do Copom a um cenário de dominância fiscal, no qual os sucessivos deficit orçamentários do governo estariam forçando o Banco Central a manter a taxa de juros em um patamar abaixo da que controlaria a inflação, para impedir uma explosão da dívida pública.

Apesar de a manutenção da Selic ter elevado um pouco as expectativas inflacionárias, a taxa de câmbio apreciou na última semana e já atingiu um patamar mais baixo do que o que vigorava antes da reunião, e o cenário recessivo continuará freando a expansão dos salários e a inflação de serviços.

A decisão do Banco Central, portanto, se justificaria plenamente a partir da utilização de seus próprios modelos econômicos por seu corpo técnico altamente qualificado. O recurso às projeções de crescimento do FMI na nota publicada por Tombini às vésperas da reunião do Copom apenas serviu para desnudar o caráter político de uma decisão que, nesse caso, poderia ter sido técnica.
 
O mesmo não vale, por exemplo, para sua atuação no primeiro semestre de 2015, quando, diante do reajuste brusco nos preços administrados, o BC elevou sucessivas vezes os juros e prejudicou o controle da dívida pública, sem nem sequer obter sucesso no controle da inflação. Não é difícil vislumbrar a que interesses estava atendendo naquele período.
 
Talvez seja melhor atribuir a atual irracionalidade da política econômica –fiscal e monetária– ao que ousaria chamar de um cenário de dominância política. É claro que não há política econômica eficaz sem um pacto político que a sustente, mas uma política econômica construída apenas com base em apoios políticos também não é chave para o sucesso.
 
Na dominância política, a fragilidade das bases de sustentação do governo é tão exacerbada que a necessidade de costurar acordos traz o atendimento às pressões dos setores com alta representação para o centro da formulação da política econômica. A avaliação do seu impacto sobre o crescimento econômico, a inflação e o bem-estar da população fica relegado ao segundo plano.
 
Nesse quadro, não surpreende que as políticas desenhadas apresentem inconsistências, pois buscam atender a grupos de pressão diversos, que por sua vez têm peso político maior ou menor ao longo do tempo. O problema é que políticas equivocadas do ponto de vista econômico acabam por aprofundar a dominância política, na medida em que a falta de crescimento e a inflação mais alta acirram os conflitos distributivos e fragilizam ainda mais uma eventual base de sustentação.
 
O debate econômico, por sua vez, fica enfraquecido. Por um lado, restringi-lo ao que é viável politicamente significaria abrir mão de apresentar as soluções mais eficazes. Por outro lado, ignorar as restrições políticas nos condena ao plano mais abstrato da disputa entre teorias e diagnósticos, que servem sobretudo para dar base técnica aos diferentes grupos de pressão.
 
Nos resta comemorar as raras ocasiões em que a correlação de forças coincide com uma atuação da política econômica que se justifica do ponto de vista de seu impacto sobre a economia como um todo. Foi esse o caso da mais recente reunião do Copom. Bom Carnaval! 
Redação

2 Comentários

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  1. Estrategia

    Quase a metade dos deputados são herdeiros de familiares cujo poder político, em alguns casos, remonta ao período colonial. A discussão ilustra um mecanismo muito antigo da política nacional e especialmente significativo na atual legislatura na Câmara. De teor fortemente conservador, ela é também a que possui maior porcentual de deputados com familiares políticos desde as eleições de 2002.

    Coordenador do levantamento que analisou as três primeiras eleições deste século, o professor de ciência política da UnB Luis Felipe Miguel observa que em diversas áreas é comum que os filhos sigam a carreira dos pais. O problema no caso da política é que ela não deveria ser considerada uma profissão. “Na política, isso é mais sério, pois ela deveria ser uma atividade aberta a todos os cidadãos”, diz. Diferentemente de outras áreas, continua o professor, nem sempre há isso de os filhos se aproximarem pela familiaridade com as profissões dos pais. “Há, sim, estratégias das próprias famílias para manter os espaços de poder, com filhos ou parentes que são muitas vezes empurrados para ocupar essas posições, quem sabe até contra as próprias inclinações. Isso é sim ruim pra democracia.”

    Para Miguel, as estratégias de manutenção dos clãs no poder acabam por torná-los uma espécie de empreendimento – uma vez que a política também é vista em muitos casos como forma de enriquecimento pessoal –, com projetos bem definidos para a ocupação até mesmo de espaços que credenciam para a disputa eleitoral.

    Mais que isso, o sistema eleitoral e político é estruturado de tal forma que muitos partidos novos acabam se moldando ao modo de funcionamento das velhas oligarquias. “O perfil de representação parlamentar petista, por exemplo, mudou muito. As primeiras bancadas eram compostas em grande parte por lideranças vindas diretamente dos sindicatos. Depois, chegou o padrão de carreira eleitoral mais gradativa – com eleições sucessivas de um candidato a vereador, depois deputado estadual e federal. E já começam a surgir famílias políticas no PT.”

    Na dominância política, a fragilidade das bases de sustentação do governo é tão exacerbada que a necessidade de costurar acordos traz o atendimento às pressões dos setores com alta representação para o centro da formulação da política econômica. A avaliação do seu impacto sobre o crescimento econômico, a inflação e o bem-estar da população fica relegado ao segundo plano.

    A situação politica brasileira chegou num ponto que não interessa mais nem mesmo aos que se beneficiaram dela este tempo todo. A reforma politica que realmente permita representatividade popular esta se tornando cada vez mais premente. Não realiza-la é levar o barco de encontro aos rochedos.

    O negócio é… Quem da o primeiro chute. O governo de plantão que conseguir realizar a façanha, entra pra historia.

  2. é um dilema – .com ou sem  a

    é um dilema – .com ou sem  a interferencia política.

    pelo jeito conviveremos com isso para sempre….

    talvez,, no fundo,seja melhor, porque com a hegemonia desses economistas

    neoliberias tipo os financerizadores da banca, aí é que estaremos perdidos mesmo…

     

     

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