Sobre o reconhecimento da delação no processo penal

Por frederico – rio de janeiro

Comentário do post “O “toma-lá-dá-cá” da delação premiada e da denúncia anônima”

Só para citar dois pequenos problemas da lógica da delação, casos não exatamente iguais, no que talvez seja o que você chama de mundo desenvolvido:

Nos EUA, principalmente na “guerra contra as drogas”, essa política criminal maluca, é comum a polícia negociar com pequenos usuários, geralmente jovens, negros ou latinos, para que escapem de um processo penal ou da prisão, desde que ajudem a desmontar alguns bandos de distribuição de entorpecentes. É um negócio legal, mas sempre obscuro, como faz parte da lógica do procedimento. Os delatores devem ser produtivos, assim como a polícia, que tem suas próprias metas. É uma jogada incerta, muitas vezes os policiais não se dão por satisfeitos e querem mais. E mais. De repente alguém que foi pego com uma pequena quantidade de maconha se vê no meio de um complicado esquema de venda de armas, sem nenhum traquejo, nervoso, é descorberto e… já foi, não tem mais como negociar. Há vários relatos de acidentes assim e a polícia nunca é responsabilizada. O link de uma reportagem da New Yorker:

http://www.newyorker.com/reporting/2012/09/03/120903fa_fact_stillman

A Alemanha adota há muito tempo a cooptação de simpatizantes de movimentos de extrema-direita, para manter o Estado informado sobre suas estratégias e ações. O problema é: como confiar em quem não mostra fidelidade ao seu próprio grupo? Dinheiro é suficiente? Garantia de impunidade? Dinheiro mais impunidade na mão de quem já demonstrou simpatia com grupos de extrema-direita não é financiar e incentivar a própria extrema-direita? O fato é que hoje há um esquema milionário que mantém esses grupos em funcionamente; se não fosse o Estado, suas chances de ação seriam muito menores. Num dos casos mais recentes, do NSU de Thüringen, que cometeu uma série de assassinatos, inclusive de uma policial, comprovou-se que os jovens contaram, em algum momento, com ajuda efetiva de agentes infiltrados pelo Estado.

X-9, cachorro etc. a linguagem popular é mais confiável que a lógica utilitária, mesmo travestida de política criminal. O Estado não pode ser tão amoral a esse ponto. Há uma interessante monografia, de Poundstone, sobre o chamado dilema do prisioneiro, muito importante para a teoria dos jogos, e que está por trás do modelo do equilíbrio de Nash na matemática. Ao fim e ao cabo, Nash defende que delatar o companheiro naquele caso seria a estratégia mais racional. É matemática, mas também era tempo de Guerra Fria e muita preocupação com interrogatórios eficientes. Se o investigador faz o suspeito ou condenado agir como uma pessoa mais racional, seja por que meio for, será que ele pode ser considerado um monstro? Toda ideologia tem a pretensão de ser racional. E tome choque, manuais e escolas de tortura.

O neoliberalismo é mais refinado. Pelo menos aparenta ser. Mas, da mesma maneira que a regulação do mercado financeiro não impede nem quer impedir o insider trading, só o torna ainda mais caro, o reconhecimento da delação no processo penal não acaba com a sujeira e a corrupção. Nem com a tortura. Marcos Valério que o diga, pelos relatos, já sofreu o diabo na prisão. O Estado ainda o considera um jogador. Mas legítimo?

Luis Nassif

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