Como nasce uma escola: rede curricular lida com conhecimentos de maneira orgânica

Por Ana Luiza Basílio do, Centro de Referências em Educação Integral

“Aqui a grade curricular, que dá a perspectiva de contenção, deu lugar à rede curricular, que, simbolicamente, remete à maleabilidade: estica ou retrai de acordo com a demanda”. É assim que a sócia fundadora e também professora do Instituto Casa Viva, em Belo Horizonte (BH), Andrea Aparecida de Araujo Zica define o currículo adotado pela instituição que vive em 2015 seu primeiro ano de existência.

 

Parte da inspiração para essa construção foi vivenciada no Instituto Libertas que, como conta a educadora, “tinha uma proposta curricular diversificada”. No entanto, Andrea entende que de lá para cá o caminho foi de evolução, como explica. “O currículo é o coração da escola e foi a nossa primeira questão quando decidimos fundá-la”, coloca. Isso porque há um entendimento coletivo dos envolvidos de que nele se refletem as relações, desde as humanas até as pedagógicas, e que ainda imprime características ao ambiente e, na mesma medida, é impactado por ele. “Por isso, sua construção se deu de maneira simultânea à escolha do nome da escola, e de seu próprio espaço”,  coloca.

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O cuidado era para que a diretriz fosse orgânica em consonância até com o nome do “Casa Viva” e que efetivasse o diálogo com todas as etapas escolares, desde a educação infantil até o ensino médio. “É uma tecitura única que tem trama, cor e forma definidos pelos indivíduos que o vivenciam”, esclarece Andrea.

Abrangência curricular

Na escola, sobressai a ideia de que todos aprendem, diretriz que não permite a sobreposição pelos conhecimentos prévios. Para tanto, a organização não se dá por disciplinas, mas por núcleos. Há o de Ciências Humanas, Ciências da Natureza e Matemática e Linguagens.

Dentro de cada um deles atuam professores de áreas distintas, como exemplifica a professora. “Sou de literatura e componho o núcleo de linguagens ao lado de outras como teatro, música, artes plásticas, língua inglesa. Todos nos alimentamos desses conhecimentos”, explica. Essa dinâmica se repete no restante da escola e os conteúdos configuram como iluminadores de um processo de construção de conhecimento.

O percurso é avaliado semanalmente pelos educadores e só então ganha sequência pedagógica; quinzenalmente, os educadores dos três núcleos se reúnem também para trocarem essas práticas e, juntos, construírem seus desdobramentos. “Eles são remunerados pelo número de horas em sala de aula, mas também por uma hora a mais na semana por estarem envolvidos nesses encontros”, atesta Andrea.

Comunidade aprendente

O currículo não deixa de ter um compromisso com as habilidades e competênciasmínimas para cada etapa escolar. “Mesmo em nome de uma formação humana mais integral, isso não pode ser negligenciado”, reforça a gestora. O que acontece é que essa aprendizagem é articulada com outras discussões temáticas, garantindo o diálogo entre esses conhecimentos.

Nessa perspectiva, os alunos podem cursar as eletivas que trazem temas acordados entre eles e os professores, e pactuados em um conselho escolar. Aos docentes, fica a missão de assumir uma determinada temática, mesmo que ela não esteja relacionada à sua área de atuação. “Eu leciono literatura, e estou mediando uma eletiva de cultura oriental. Aprende aluno e professor, e vamos construindo isso juntos, buscando na comunidade, nos museus, nas universidades. Isso, para nós, é uma comunidade aprendente”, entende.

Para Andrea é motivo de orgulho dizer que não é possível entrar em sala de aula sem um estudo prévio. “Não temos material pronto para dar aula o ano todo. Queremos construir isso, a partir de uma demanda viva, dinâmica”, desafia. Amplitude não parece faltar, já que as eletivas, que somam aos núcleos orientados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais têm seus temas definidos semestralmente, “e abordam de gastronomia à astronomia”, como ela mesma define.

Um olhar para além da escola

Algumas questões levantadas em salas de aula que, porventura, não encontrem espaço para aprofundamento são levadas para seminários mensais, estrutura também garantida no percurso de aprendizagem. Nesses momentos transitam temas como mobilidade urbana, política e organização partidária, e outros que fogem à expertise dos professores. “Isso nos dá a liberdade de buscar por esses especialistas para que eles venham até a escola dialogar com os alunos”, coloca Andrea.

O movimento parte de um reconhecimento de que a escola é parte de uma comunidade maior, corresponsável pela educação de crianças e jovens. E isso se deu já na escolha da localidade em que a unidade se encontra. “Fizemos um mapeamento do entorno antes de escolher nosso endereço”, coloca a gestora enumerando os principais vizinhos. “Temos bem próximo uma tradicional escola de dança, um museu, uma praça, um convento, a avenida que determina o limite central de Belo Horizonte”. A educadora garante que essa percepção permite uma parceria de mão dupla: “A gente pensa sobre o quão importante é ter um museu como vizinho. Mas também queremos que eles pensem o que representa ter uma escola tão próxima”, aponta demonstrando o interesse da instituição de se relacionar com a cidade em uma perspectiva educadora.

Redação

1 Comentário

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  1. Parabéns pelas intenções demonstradas

    tomara consigam manter suas referências vivas como o nome da Casa que escolheram.

    Muitas vezes os ideais se perdem em função do mercado etc. etc.

    Parabenizo muito mais ainda os professores que estão nesse grupo se comprometendo a educar para a sociedade, isto é, de portas abertas a ela e suas demandas sociais mais emergentes, podendo alterá-las conforme necessário.

    Do muito que estudei e vivi em salas de aula nos mais diversos níveis de ensino no sistema público e privado, regozijo-me, nos meus mais de 60 anos, de sabê-los fazendo nascer literalmente uma escola, dessa forma, aqui nas Minas Gerais.

    Abraços companheiros a todos vocês. 

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