Rede de Universidades dos BRICS: um diálogo para além dos circuitos tradicionais

 
Bruno de Conti | Do Brasil Debate 
 

A internacionalização das universidades é hoje almejada em praticamente todo o mundo. Essa busca cai no vazio quando distorce os objetivos originais da construção de um projeto comum e torna-se um fim em si mesmo, ou um mero artifício para ganhar pontos nos inúmeros rankings internacionais.

No entanto, para além desse propósito mais imediato e limitado, pode emergir um processo absolutamente necessário, alinhado com a própria etimologia da palavra universidade, no sentido de efetivamente contribuir à integração linguística, dos conhecimentos e das culturas do mundo todo. Os benefícios potenciais são o contato e o aprendizado com o diferente e, a partir disso, a construção conjunta de novos conhecimentos.

Por motivos econômicos, políticos e, em decorrência, também culturais, a sociedade brasileira sempre esteve voltada para a Europa Ocidental e os Estados Unidos. Como reflexo, a universidade brasileira espelhou-se e buscou integrar-se com aquelas desse mesmo eixo, EUA-Inglaterra-França em um primeiro plano e Alemanha-Itália-Espanha-Portugal-Canadá em um segundo plano.

Mais do que um balanço entre os benefícios e prejuízos dessa internacionalização parcial, gostaria só de chamar a atenção para os limites dessa “escolha”por um grupo bastante restrito de referências teórico-culturais.

Esse diálogo seletivo da universidade brasileira resulta na ignorância quase absoluta em relação àquilo que vem sendo pensado e desenvolvido em nossa própria região, a América Latina. Mais do que isso, nos deixa cegos com relação às reflexões e debates da África, Europa Oriental, Oriente Médio, Ásia, Oceania, ou seja, a maior parte do globo.

Será que as universidades desses países não têm nada a nos dizer? Não podem contribuir à formação de nossos alunos? Não podem ser parceiras em pesquisas, sobretudo aquelas que buscam justamente estudar o mundo que existe fora do eixo EUA-Europa Ocidental?

Na quinta e sexta-feira da semana passada, foi realizada em Moscou (Rússia) uma reunião do Grupo de Trabalho dos BRICS para Educação. Dentre outros objetivos, o encontro visava à constituição de uma Rede de Universidades dos BRICS para fomentar a integração entre as academias brasileira, russa, indiana, chinesa e sul-africana. Uma iniciativa a ser colocada em prática para estimular o intercâmbio de alunos, professores e pesquisadores das universidades desses países; a realização de pesquisas coletivas; e o desenho de programas conjuntos de formação, sobretudo no âmbito da pós-graduação.

Trata-se, mais uma vez, da inevitável escolha por um grupo limitado de países, mas que ao menos foge do circuito tradicional, permitindo um olhar mais atento sobre espaços geralmente ignorados pela academia brasileira, com a participação de países e culturas bastante heterogêneas. Nesse sentido, vejo a construção dessa rede com entusiasmo, já que ela lança luz sobre regiões do globo até agora escuras para muitos de nós.

Inúmeros analistas internacionais têm criticado a construção dos BRICS pela falta de uma identidade entre os países participantes. De fato, trata-se de um grupo que surgiu de certa forma pela negativa, dizendo não ao status quo e à cristalização do atual desenho geopolítico e geoeconômico internacional.

Ora, a melhor maneira de caminhar para o encontro de identidades é indubitavelmente pelo intercâmbio de jovens alunos e pelas pesquisas comuns. Nesse sentido, entendo que a consolidação desse bloco pode ganhar um pilar importantíssimo com a construção da Rede de Universidades dos BRICS.

Em Seminário recente para discussões sobre a rede, sugeri, inclusive, que ela conte com o apoio financeiro de outro dos órgãos que também está em gestação, o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês). Criado para ser o Banco de Desenvolvimento dos BRICS, o NDB financiará a construção de infraestrutura e poderá catapultar imensamente seus efeitos sobre os países em questão se colaborar também com o financiamento a educação, pesquisa e desenvolvimento. São tarefas complementares e inescapáveis para o propósito de contribuir ao desenvolvimento desses países.

Minha sugestão é que o NDB destine para a Rede de Universidade dos BRICS um percentual dos superávits que obtiver com as operações financiadas. Dados os volumes das operações previstas, mesmo um percentual bastante reduzido desses superávits poderá ser importante como fonte de recursos para as atividades de ensino e pesquisa da rede.

E a operação proposta não tocaria em sequer um centavo das reservas do NDB, mas seria apenas uma forma de redistribuir seus lucros, destinando uma pequena fração para a educação. Desnecessário dizer que o retorno para os países em questão – mesmo do ponto de vista estritamente econômico – será certo.

Como o NDB ainda está sendo criado, creio ser o momento adequado para que este assunto entre em pauta, pois tal apoio seria significativo para a Rede de Universidades dos BRICS. Ademais, em um momento em que as economias de alguns dos países integrantes estão em recessão, a institucionalização dessa proposta seria fundamental para estabelecer uma fonte perene de recursos para a referida rede.

Por uma universidade realmente universal, devemos ampliar nosso norte, voltando-o para os quatro pontos cardeais. O resultado previsível é socrático: quanto mais dialogarmos com as universidades que estão fora do circuito tradicional, mais nos daremos conta de nossa ignorância e mais caminharemos para amenizá-la. Somente lidando de fato com essa ignorância, ensinaremos, aprenderemos e construiremos conhecimentos.

 
* – Bruno de Conti é É professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (CECON/Unicamp)
Redação

2 Comentários

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  1. Muito boa proposta Bruno de

    Muito boa proposta Bruno de Conti! Tomara que prospere! Vamos falar de universidade em tempos em só se ouve falar de faculdade…

  2. FAUBAI

     Na ultima conferencia da FAUBAI ( Assoc. Bras. de Educação Internacional ), realizada em abril/2015, em Cuiabá, a preponderancia de participantes “ocidentais” claramente foi maior ( http://www.faubai.org.br/conf/2015/list-of-participants/ ), mas os participes russos estavam em posição bastante interessante, e com muitas vagas demandadas, e a Russia demonstrou bastante interesse em sua participação ( // pt.russia.edu.ru/news/180/ ), pois cursos de engenharias em escolas russas, são disponibilizados em mais de 13 delas, no ambito do “Ciência sem Fronteiras”, que apesar do “choque inicial ” sobre a lingua, o russo, foi dirimido, pois em ciências exatas a linguagem é universal, e grande parte das aulas em instituições russas, as quais possuem desde muitas décadas, grande afluxo de estrangeiros, é em inglês.

       Não sou da area de educação, mas percebi – posso estar pedagogicamente errado – que ao unirem-se em equipes de trabalho e/ou P & D , técnicos com experiências academicas ” multi-paises”, mesmo em areas tecnológicas correlatas, com estudos realizados em: Israel, Russia, Estados Unidos, França, em um primeiro momento possuem discordancias, mas no decorrer do processo, se bem conduzido, se complementam, e evoluem mais rapidamente.

        P.S.: China – Universidades e Centros de Pesquisa chineses, são extremamente seletivos em “vagas para estrangeiros”, a concorrencia interna é muito grande ( brutal ) e muito voltada para oriundos do Leste Europeu, Africa e Asia , locais de interesse geopolitico chinês, mas existe interesse em determinadas areas para brasileiros, tais como: agricultura, genética e aeroespacial, e não precisa ter “medo” de não ser fluente em mandarim, só o básico é suficiente, pois assim como na Russia, as aulas e trabalhos exigidos, utilizam o inglês, aliás o “vestibular chinês” é extremamente exigente, para os chineses, neste tópico.

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