A história do candidato que foi proibido de concorrer, mas venceu a eleição, por Maurício Cardoso

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por Maurício Cardoso
 
No Conjur
 
Há 46 anos um candidato, ex-presidente, favoritíssimo à vitória, também foi impedido de disputar uma eleição presidencial. Aconteceu na Argentina, com Juan Domingo Perón, em 1972. Deposto da presidência por um golpe militar em 1955, Perón vivia havia 17 anos no exílio na Espanha, quando os militares golpistas do momento, na pessoa do então presidente, o general Alejandro Lanusse, resolveram convocar eleições para devolver o poder aos civis.
 
As eleições seriam livres e gerais com uma única restrição: só podia se candidatar quem tivesse residência no país. Regra tão genérica tinha um objetivo bem específico: evitar a candidatura de Perón. Diante do veto, Perón inventou o poste mais obscuro e mais bem sucedido da história.
 
Hector Cámpora, “el Tío”, como era conhecido, um modesto dentista que se destacara na política apenas por sua incondicional lealdade a Perón, foi o escolhido para ocupar seu lugar e comandar uma campanha que tinha como lema “Cámpora no governo, Perón no poder”.
 
Liderando a Frejuli, Frente Justicialista de Libertação Nacional, um ampla coalizão que misturava conservadores e guerrilheiros e juntava todas as oposições ao governo militar, Cámpora venceu as eleições com 49,6% dos votos, contra 21,3% do segundo colocado, Ricardo Balbín, da União Cívica Radical.
 
Os militares haviam introduzido a eleição em dois turnos no sistema eleitoral argentino como forma derradeira de impedir uma vitória de Perón ou dos peronistas. Não conseguiram. Diante da vitória avassaladora dos peronistas no primeiro turno, Balbín desistiu de disputar a segunda volta e Cámpora assumiu a presidência. Nas eleições regionais, os peronistas elegeram os governadores de 20 das 22 províncias então existentes.
 
“Eu serei presidente, a despeito dos meus 76 anos de idade”, ameaçou Perón, quando os militares proibiram que ele se candidatasse. Esta realidade começou a se desenhar quando Cámpora tomou posse e Perón assumiu o poder.
 
Perón voltou definitivamente à Argentina menos de um mês depois de Cámpora começar a despachar na Casa Rosada. Ou melhor, na casa de Perón, para onde o presidente eleito se dirigia todos os dias para despachar com o chefe. Conta-se que Perón jamais botou os pés na sede do governo enquanto Cámpora lá manteve seu gabinete.
 
O lema da campanha se tornaria realidade apenas 49 dias depois da posse de Cámpora. No dia 13 de julho, Hector Cámpora e o vice-presidente Solano apresentaram suas renúncias ao Congresso da Nação. Raul Lastiri foi indicado pelo Congresso para assumir a presidência e foram convocadas as eleições para eleger um novo presidente. Ou melhor, para eleger Perón.
 
No dia 23 de setembro de 1973, Juan Domingo Perón foi eleito presidente da Argentina pela terceira vez. Por causa de sua saúde debilitada, não fez campanha. Recebeu 62% dos votos, a maior votação que um presidente argentino recebeu em toda a história. Não chegou a completar nove meses do mandato. Morreu no 1º de julho de 1974. Foi substituído por Isabelita Perón, sua mulher, que ficou 20 meses no cargo. Em março de 1976, foi deposta por um golpe militar que mergulhou a Argentina na mais tenebrosa ditadura de sua história. Cámpora acabou expulso do peronismo e foi para o exílio no México, onde morreu em 1980.   
 
Maurício Cardoso é diretor de redação da revista Consultor Jurídico
Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

8 Comentários

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  1. Ótimo artigo, mas tenho

    Ótimo artigo, mas tenho minhas observações. Cámpora não era tão obscuro assim. Foi presidente da Câmara dos Deputados, além de figura importante na fundação do PJ; no período de clandestinidade, assumiu a liderança da ala esquerda do partido. De lealdade incontestável a Peron, havia muitas intrigas entre Cámpora (um peronista de esquerda e socialdemocrata convicto com ótimo trânsito entre políticos argentinos e estrangeiros mais à esquerda) e os grupos mais próximos a Perón no exílio, todos muitíssimo mais a direita do que Cámora. O próprio Perón sempre quis se colocar acima da disputa direita-esquerda dentro e fora do peronismo e quis pontificar fazendo concessões aos diferentes grupos peronistas. Quando o peronismo estava ganhando uma feição mais conservadora e à direita, a escolha de Perón por Cámpora para ser seu porta-voz na Argentina acabou por equilibrar as coisas entre os peronistas. Cámpora se revelou um excelente negociador. Ele foi o grande responsável pelo restabelecimento pleno da democracia na Argentina. De toda maneira, infelizmente, foi um erro enorme do peronismo a renúncia de Cámpora. Até hoje, em certa medida, a Argentina paga por isso. Cámpora tinha todas as condições de ser um excelente presidente; Perón poderia ter esperado o fim do mandato de Cámpora. Conhecemos bem a história: o quadro de saúde de Perón degenerou durante seus poucos meses na presidência e, uma vez morto, foi sucedido por sua vice-presidente e viúva completamente inepta para a política e com gostos duvidosos pelo franquismo espanhol recém-falecido e tomada por um anticomunismo patológico. Para a nossa sorte, Lula não é Perón, por mais que Perón, assim como Lula, tenha sido um excelente presidente, extremamente popular e nacionalista, e uma referência no trabalhismo latino-americano. Lula não jogaria fora um Cámpora da vida. Lula está muito mais preocupado com o Brasil do que saber quem vai despachar no Planalto.

      1. #

        Direita petista??? Tá louco?

        Pô cara, só porque o cara é paulista?

        Esse preconceito com SP já deu no saco faz tempo!

        Esses “esquerdistas” bairristas me enojam.

        Se dizem progressistas mas agem como Hitler…

        Fizeram o mesmo com  José Eduardo Cardozo. Os bairristas da esquerda só sabem vomitar Injustiça e preconceito. 

         

      2. #

        Direita petista??? Só porque o cara é de SP…

        É por causa de pessoas preconceituosas e bairristas como você que corremos o risco de entregar o país à extrema direita de Bolsonazi.

         

  2. Terrível esta comparação!

    Terrível esta comparação! Campora era de centro-esquerda, mas o seu gesto resultou num desastre para a Argentina sem igual, na talvez mais feroz ditadura do continente.

    Logo no dia do retorno de Perón do exílio, o massacre de Ezeiza, quando a direita peronista assassinou vários miliantes da esquerda peronista bem em frente ao palanque da festa de retorno, já estava claro o desastre iminente. A escolha de Isabelita para vice, absurda do ponto de vista político, foi mais um indicador do desastre. E, finalmente, a ascenção ao poder de “El Brujo” Lopez Rega, um fascista com inclinações exotéricas, consolidou um dos piores governos da história da humanidade. É importante lembrar que as torturas e o terrorismo de extrema-direita começaram antes do golpe militar, sob o comando de Lopez Rega, o homem forte do Governo Isabelita.

    Para quem se interessar pelo assunto, recomendo “Historia del Peronismo” de Hugo Gambini, em 3 volumes; especialmente, o 3o volume, “La Violencia (1956-1983)”.

    Perón era muito esperto, mas extremamente contraditório, oportunista e sem caráter. O Peronismo é um fenômeno sem igual, porque mobilizou fanáticos da extrema-direita à extrema esquerda. E por mais estúpidos que fossem os militares e a elite argentina que combateu Perón, não há justificativa para tanta estupidez, violência e picaretagem. É impressionante a admiração da esquerda argentina por um confesso admirador de Mussolini, que foi se exilar, não por acaso, na Espanha Franquista, onde se vivia um fascismo tardio e anacrônico.

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