Aldo Fornazieri
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.
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As eleições e a fraqueza da democracia brasileira, por Aldo Fornazieri

A campanha eleitoral de 2014 está sendo marcada pelo mais baixo nível de mobilização e de participação popular do período da redemocratização. Não ocorreram grandes comícios, grandes carreatas e grandes caminhadas como em eleições passadas. As mobilizações foram de medianas para fracas. Embora a disputa tenha sido tripolarizada, as campanhas e as candidaturas não empolgaram o eleitor. O modelo de campanha hoje está centrado nos programas de rádio e TV, fator que contribui sobremaneira para afastar o cidadão da participação eleitoral. O TSE, o Congresso e os partidos políticos vêm desenvolvendo um esforço ao longo dos anos para reduzir a cidadania política brasileira a uma cidadania de sofá – passiva e prostrada na frente da TV para assistir os insípidos programas eleitorais. É verdade que houve um aumento do ativismo na internet. Mas este, paradoxalmente, é um ativismo passivo e de duvidosa qualidade pelo que se viu. A internet não confere à participação o calor e a força que as multidões adquirem nas ruas e nas praças. Pode contribuir na formação de opiniões e de vontades, mas a virtualidade não retira os indivíduos da submersão solitária em que vivem na frente de um computador.

A desmobilização crescente da participação política dos cidadãos vai conferindo à democracia brasileira uma fisionomia cada vez mais liberal e minimalista. A democracia liberal se caracteriza pelo seu caráter procedimental, definido pelas eleições periódicas, pela existência de partidos competitivos, pelo sufrágio universal e pela efetividade dos resultados eleitorais. O caráter liberal das democracias modernas esvaziou quase que por completo o conteúdo republicano, identificado com o ativismo cívico como fundamento constitutivo da personalidade política livre. O enfraquecimento do ativismo cívico e a hipertrofia do caráter apenas representativo da democracia favoreceram o insulamento do sistema político e dos partidos, sua autonomização na relação com os eleitores, reduzindo os mecanismos de controle dos cidadãos sobre os políticos e os representantes.

Associativismo Apolítico e Institucionalização da Participação

Desde a década de 1990 o Brasil vem experimentando um enorme crescimento do associativismo, como mostram indicadores do IBGE e do IPEA. Houve uma verdadeira explosão de criação de associações civis variadas e plurais, de caráter cultural, profissional, religioso, assistencial, científico, patronal, ambientais, de defesa de direitos, comunitárias etc. Mesmo assim, o grau de associativismo e de participação dos brasileiros é considerado baixo. De modo geral, essas associações se caracterizam pelo seu caráter apolítico e se estruturam em torno de temas e interesses específicos. Se algumas delas desenvolvem um ativismo mais acentuado na luta por direitos das minorias, no conjunto, essas associações civis exercem apenas uma influência difusa sobre o poder político.

Note-se também que nos últimos anos vem sendo desenvolvido um esforço importante de participação social no processo de formação de políticas públicas através de um sistema de conferências e de conselhos. A implantação de mecanismos institucionais de participação, a rigor, emana de comandos estabelecidos na Constituição de 1988. Várias lutas sociais deságuam nesses espaços de participação onde são disputadas e negociadas políticas públicas. Não resta a menor dúvida de que muitos avanços nas áreas da saúde, educação, assistência, direitos do consumidor, direitos variados e outras conquistas foram alcançadas através desses mecanismos participativos.

Mas a institucionalização dos espaços de participação da sociedade civil na formação de políticas públicas também constitui um paradoxo. A participação da sociedade civil não consegue contrabalançar a centralização crescente no processo de tomada das decisões cruciais nas três esferas da Federação. Essas decisões cruciais, que dizem respeito tanto a quem financia as políticas públicas através de impostos, quanto à destinação dos recursos orçamentários, vêm determinadas pela marca da captura do poder decisório pelos interesses do grande capital. Basta dizer que cruzamentos de dados do IBGE mostram que os 10% mais pobres da população comprometem 32% de sua renda em impostos, enquanto os 10% mais ricos comprometem apenas 21%. Em síntese, o aumento da participação popular não consegue remover os mecanismos da iniqüidade e da injustiça que consagram a desigualdade histórica no Brasil.

Controle e Decisões do Poder

O paradoxo descrito acima em parte se explica pelo fato de que participação institucionalizada tem apenas um caráter consultivo e propositivo. No Congresso, nos ministérios mais dotados de recursos orçamentários e nas agências de fomento e de regulação prevalecem os mecanismos de captura dos grandes interesses econômicos, dos bancos, das empreiteiras e do capital transnacional. Para compreender melhor a fraqueza da democracia brasileira – entendida como consagração da desigualdade, como baixa participação política, como ausência de mecanismos de controle político sobre o poder e como exclusão dos cidadãos nas decisões do poder – é necessário distinguir três conceitos, pois sua identidade se presta a confusões e enganos.

Antes de tudo é preciso perceber que o poder político se define por uma natureza específica que diz respeito à sua verticalidade descendente e ao controle dos mecanismos que garantem o monopólio do uso legal da força em última instância. O poder político é diferente do poder e da participação social e do poder e da participação econômica. Assim, o que é preciso distinguir é a posse do poder político, da posse de recursos de poder e da influência sobre o poder. A participação em conselhos e conferências ou a participação em associações civis definem a posse de recursos de poder e influência sobre o poder, mas não expressam a posse do poder político e não necessariamente a existência de mecanismos de controle sobre o poder político. Para que a democracia brasileira possa mudar de qualidade é preciso combinar o crescimento do associativismo civil e a institucionalização de mecanismos participativos consultivos da sociedade com a criação e ampliação de mecanismos de controle dos cidadãos sobre os eleitos, com a ampliação da participação especificamente política resgatando o ativismo cívico republicano e com a criação de mecanismos de decisão política dos cidadãos, buscando moderar e temperar a democracia participativa com formas de democracia direta.

Aldo Fornazieri – Cientista Político e Professor da Escola de Sociologia e Política.

Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

8 Comentários

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  1. fraqueza da democracia brasileira

    Não se pode esquecer as conseqëncias de 21 anos de ditadura , onde toda participação popular era desencorajada e podia levar á prisão, perda de emprego e às vezes até á morte. Toda uma geração de formou distanciada das decisões e da política, ao mesmo tempo a mídia e os formadores de opinião demonizaram e desmoralizaram a atividade política e a imagem do político e o ativismo cívico. Não se reverte um quadro deste em poucos anos.

    O povo está reaprendendo a viver com democracia ,  a conviver com as diferenças e com o debate de idéias. Surgem formas inusitadas de participação, as redes sociais passaram a ser um importante meio. Não podemos analisar o momento atual e o futuro com a ótica e com parâmetros do passado. Percebe-se uma grande desejo de participação mas sem ainda ter encontrado o canal e a forma definitiva. 

    Nestas eleições não houve grandes comìcios  ou passiatas mas sem dúvida presenciamos intensos debates e análises ( superficiais ou não) dos candidatos e suas propostas O o povo buscava decidir qual, o  que e quem  mais o beneficiava, esta postura se  sobrepôs á intensa campanha de desinformação e de influênciação da mídia que tentava impor um modelo e candidatos sem lograr o êxito que esperava e que obteve em anos anteriores. Penso que a democracia brasileira está se consolidando o povo vota com mais cautela e desconfiança e analisa com cuidado as propostas apresentadas e a verossimilhança e confiabilidade dos candidatos, ainda faz isto de forma individualizada e o espaço de debates passou a ser a blogosfera. Mas sem dúvida nenhuma a democracia se fortalece.

    São novos tempos, novos meios e novas formas de aparticipação sendo gestadas, quem viver verá. 

     

  2. Entrevista com A.F. ontem, pouco vista (ou pouco visitada):

    https://jornalggn.com.br/noticia/aldo-fornazieri-nenhum-partido-traduziu-as-manifestacoes-de-2013

    “(…) Para Fornazieri, o PT precisa passar por uma profunda reforma, pois se tornou um partido de gabinete, de palácio, e adotou uma “postura arrogante, anti-povo”. “Se continuar assim, o PT vai andar pra trás” (…)”

    Obs: Parece que não se viu ou não foi visitada tão importante entrevista. Não imagino por que o Blog não a deixou na página principal.Parabéns ao Blog e Blogueiro pela entrevista. É de se reler e reler, até o final, o seu “Porque Apóio Dilma”.

  3. A democracia somente será

    A democracia somente será consolidada no Brasil se o federalismo existir de fato e não somente no papel.

    Governar estados e municipios sem rtecursos não anima ninguém , as demandas do cidadão não são atendidas e não existe motivo para fazer parte do circo.

    Quando o eleitorsaber em quem votou ai a democracia existirá de fato e não o show de horrores de hoje.

  4. A vitória da “nova política”
    O resultado das eleições foi desalentador. O PT perdeu quase um quinto da sua bancada no Congresso e o PCdoB quase um terço da sua. O PSB que, se não fossem as veleidades pessoais de alguns aventureiros e o oportunismo de algumas raposas pragmáticas, poderia ser visto com um tímido repositório de progressismo, parece ter tomado o caminho do PPS. Felizmente, foi quem mais perdeu governos estaduais.

    O que começa a se desenhar é um Congresso cada vez mais controlado por lobbies conservadores ligados a igrejas, agronegócio, educação privada e coisas do mesmo naipe.

    O PMDB saiu praticamente incólume no seu controle dos grotões. A exceção que confirma a regra é a vitória quase quixotesca do PCdoB sobre o clã Sarney, afinal, alguma coisa tem que mudar para que tudo continue igual. Mas o sarneysmo apenas caiu de decrépito. No plano geral do desenho político, as velhas estruturas seguem intocadas. Fica sumamente improvável que alguma reforma política tenha um mínimo sucesso, por simplesmente não ter leito institucional que a acolha. Ideologicamente, o grande vencedor dessas eleições foi o velho peemedebismo.

    Pontualmente, parece que foi, de fato, a vitória da “nova política”, tal qual pregada pelos marinistas, redistas, póstudos e bichos afins: simplismente a “apolítica”, onde manda quem tem o poder em última instância. Se a Dilma vencer, será uma vitória de Pirro. Mas, desde já, a derrota política (não necessariamente eleitoral) pode ser diretamente tributada a ela, ou seja, ao que ela representou no esvaziamento da política, em nome da gestão. A Dilma é o PT pintado de Alckmin, mas sem a blindagem da mídia.

    1. Maranhão: A posição do PT

      Amplíssima aliança é posta em dúvida (ver um post-título de hoje).

      No Maranhão, veja-se a posição  do PT. Distanciou-se das bases anti-oligarquicas ( tanto não-petistas, quanto petistas).

  5. Na sua amada pátria (os EUA),

    Na sua amada pátria (os EUA), o cãodidato do PSDB seria preso por PERJÚRIO. O canalha MENTIU sobre o aeroporto.

     

    Muda mais Brasil, mude a Lei Dilma Rousseff. Perjúrio deve ser crime para que os presídios possam virar gaiolas públicas para tucanos. Ha, ha, ha…

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