A reforma política cabe ao Judiciário?

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Jornal GGN – De todas as retrospectivas para as decisões do Congresso neste ano, a que mais fez falta foi a não votação da reforma política. A matéria é discutida pelos parlamentares há 15 anos, sem nunca gerar um consenso, com interesses diversos em todas as bancadas.

A última vez que o assunto chegou próximo de um resultado foi após o pronunciamento da presidente Dilma Rousseff, em junho deste ano, no qual sugeria a criação de um plebiscito para que a população participasse na decisão de aspectos da reforma política. A inviabilidade da proposta, analisada e criticada por juristas, levou o tema novamente para o escuro.

No ano passado, em 2012, outra novela havia se desenhado com a reforma política. Era a proposta do deputado Henrique Fontana (PT-RS). Chegando à porta do plenário, a matéria não foi apreciada por falta de acordos políticos. No texto, Fontana previa a coincidência das eleições para todos os cargos em 2022 (de vereadores até presidente do país); adiamento dos mandatos de prefeitos eleitos em 2016; fim das coligações em eleições proporcionais; criação de uma lista flexível de candidatos para os eleitores votarem; maior participação popular no Legislativo via internet e, o polêmico item, a exclusividade de financiamento público das campanhas.

Proposta simples

Para facilitar o consenso, uma comissão mista do Congresso Nacional criou, paralelamente, uma proposta com menos mudanças. O projeto do deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP) propunha eleições em caso de cassação de mandato de prefeito, redução de burocracia na Justiça Eleitoral e a possibilidade de pré-campanha, permitindo aos candidatos divulgarem ações ou propostas em redes sociais e sites.

Entretanto, como se pôde ver, nem mesmo a declaração de Dilma fez o tema progredir e, efetivamente, mudar o sistema eleitoral do Brasil. Essa foi a brecha para que um dos mais polêmicos temas chegasse ao STF (Supremo Tribunal Federal) no último mês do ano: o veto a doações de empresas para campanhas eleitorais.

O que não se podia esperar é que o assunto – que diz respeito aos eleitores, que, por sua vez, votam e escolhem aqueles que irão representá-los na Câmara – chegou às mãos de uma esfera que não têm representantes da população, mas indicações da Presidência da República e, por isso, tem papel de árbitros e zeladores da Constituição Federal.

Para a população, a deliberação do Supremo de tomar a frente dessa decisão pode não parecer tão prejudicial. Ainda mais quando 78% dos entrevistados – de uma pesquisa realizada pelo Ibope, encomendada pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) – afirmam ser contrários à doação de dinheiro por empresas para campanha eleitoral. A apuração entrevistou 1.500 pessoas entre 27 e 30 de julho deste ano. Confira a pesquisa completa abaixo.

Entretanto, a complicação não está no resultado dessa tomada pelo STF, se vetará ou não as doações, mas no ato de trazer para a esfera do Judiciário algo que deveria ser decidido pelo Legislativo e, assim, indiretamente, pelo povo. Uma vez que se permita a transferência de poder em órgãos distintos, que não se hierarquizam, nem disputam domínio entre si, qual será o limite para o próximo julgamento?

Choque de poderes

E o conflito gerado entre ambas as esferas já mostra seus sinais. O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), afirmou, na segunda-feira (16), que o Supremo está extrapolando suas atribuições e tomando o lugar do Congresso ao votar a legalidade do financiamento de campanhas.

Entretanto, o STF discorda. De acordo com o ministro Luís Roberto Barroso, o papel do Supremo é de estar à frente, ainda que reconheça a necessidade de diálogo com o Congresso. “Às vezes é preciso uma vanguarda iluminista que empurre a história, mas que não se embriague desta possibilidade, pois as vanguardas também são perigosas quando se tornam pretensiosas.”

Como ocorre em muitos casos, a nossa Constituição, entretanto, ao mesmo tempo que oferece ao Congresso o poder sobre essas decisões, também permite que o Supremo julgue “a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal” (Art. 102, inciso 1.a).

Portanto, cabe às duas esferas a iniciativa de acordo e consenso. A mesma Constituição, no artigo 2º, apresenta que “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Os poderes objetivam se completar – não substituir, muito menos se confrontar.

 

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Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

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