Carga Tributária: o que é e o que deveria ser
por Fernando Nogueira da Costa
Com a Grande Depressão, em que há queda de -7,2% em relação ao máximo do PIB em reais constantes atingido em 2014 (R$ 6,755 trilhões), nos dois anos seguintes, e de -31,2% em relação ao máximo do PIB em dólares correntes, alcançado em 2012 (US$ 2,614 trilhões), todos os indicadores cujo denominador é o PIB, matematicamente, se elevam. Em lugar deles a melhor opção é analisar a evolução real da arrecadação líquida, dos benefícios previdenciários pagos e, daí, da necessidade de financiamento.
Há nítida correlação entre a taxa de crescimento do PIB real e a evolução do superávit primário de modo que, quando a primeira cai para 0,5% no ano de 2014, surge um déficit primário de -0,6%. Porém, é insuficiente avaliar o expansionismo fiscal a partir de um único indicador, como as despesas em proporção do PIB, principalmente quando as condições cíclicas (ou estruturais) da economia se alteram profundamente.
As receitas/PIB apresentam uma evolução em forma de U invertido, crescendo muito aceleradamente entre 1997 e 2002, impulsionada por aumentos de carga tributária na primeira Era Neoliberal. Reduz o crescimento e estabiliza-se entre 2003 e 2008 no governo Lula. Cai a partir de 2009, influenciada pelas diversas políticas de desoneração e subsídios adotadas para enfrentamento da crise mundial. Com a volta da Velha Matriz Neoliberal em 2015, e a consequente Grande Depressão, há queda real na arrecadação das receitas federais mais acentuadas do que no próprio produto. Aquela é pró-cíclica.
Em vez de se adotar uma típica política keynesiana de investimentos públicos em substituição a gastos privados, refreados pelas expectativas negativas face ao desemprego e à capacidade produtiva ociosa, segue-se uma política de desoneração fiscal, que diminuí a arrecadação, e de subsídios creditícios, que eleva despesas fiscais. A carga tributária federal cai. Os gastos tributários se elevam em relação à receita de 16,2% em 2011 para 23,3% em 2015, mesmo porque muitos daqueles componentes são rígidos à baixa nominal, por exemplo, os salários. Os gastos em % do PIB sobem de 3,5% em 2011 para 4,6% em 2015 e, no ano seguinte, caem para 4,3% – mesmo com a queda do denominador PIB.
O Produto Interno Bruto (PIB) atingiu R$ 5,996 trilhões em 2015 e a sua queda, em volume, na comparação com 2014, foi revisada pelo IBGE de 3,8% para 3,5%. Os serviços caíram 2,7%, o primeiro resultado negativo na série com início em 1996. A agropecuária cresceu 3,3% e a indústria caiu 5,8%. O PIB per capita (R$ 29.324) caiu 4,3% em relação a 2014. Foi a maior queda desse indicador na série com início em 1996, sendo que os recuos mais recentes ocorreram em 2014 (-0,4%) 2009 (-1,2%) e 2003 (-0,2%). O consumo das famílias, que representa 62,5% do PIB, caiu 3,2%, a primeira queda desde 2003 (-0,4%). A taxa de investimento retraiu para 17,8%, uma redução de 3,1 pontos percentuais (p.p.) em relação ao pico de 20,9% (2013) da série histórica 2000-2015. O setor externo foi o único a contribuir positivamente para o PIB, com crescimento de 6,8% no volume exportado de bens e serviços, e queda de 14,2% nas importações, a maior baixa desde 1999 (-15,1%).
A carga tributária em termos do PIB fica praticamente estável em torno da média de 32,5% de 2002 a 2015. Da mesma forma, é relativamente constante sua distribuição por entes públicos (União 22,5% do PIB, Estados 8% e Municípios 2%). Apenas as Receitas Previdenciárias Federais se elevam de 5,0% para 6,0% do PIB.
No mesmo período, as participações relativas dos distintos tipos de base de incidência da arrecadação tributária total são também muito estáveis: impostos sobre Bens e Serviços 50%, Folha de Salários 26%, Renda 18%, Propriedade 4%, e Transações Financeiras 2%. Quanto à carga tributária sobre bens e serviços, em 2014, o Brasil com 16,3% do PIB, comparando com todos os países da OCDE, só fica abaixo da Hungria. E fica em último lugar nesse ranking quando se considera sua carga tributária sobre lucro, renda e ganho de capital de 5,9% do PIB. Considerando toda sua carga tributária (32,4% do PIB), ela está na média dos países da OCDE, abaixo da dos Estados de Bem-Estar Social europeus e acima da dos Estados de Livre-Mercado não europeus, como os norte-americanos e latino-americanos. Nas quatro últimas eleições democráticas, a maioria população brasileira escolhe alcançar o modelo europeu – e não ficar no mal-estar social da América.
A estrutura tributária regressiva beneficia a concentração de riqueza. Por exemplo, pelas DIRPF 2016-AC 2015, cada contribuinte entre os 0,1% mais ricos possuem R$ 15,141 milhões ou 6% do total de bens e direitos, assim como 6% da renda bruta (soma da tributável, isenta e tributação exclusiva). A renda tributável bruta per capita desses 27,5 mil contribuintes é R$ 135 mil por mês. Mas têm o maior percentual de tributação exclusiva (13º. Salário 31%; rendimentos financeiros 28%; ganhos de capital, etc.) com 17% da sua renda bruta, o maior percentual de rendimentos isentos (lucros e dividendos 32%, doações e heranças 11%, micro e pequenos empresários 9%, etc.) com 41% da sua renda bruta, e o menor percentual de renda tributável bruta: 42% face à renda bruta total.
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Por causa da isenção de lucro e dividendos, para PF, há diferença da riqueza per capita entre algumas ocupações dos “pejotizados” e as ocupações que aparecem nos rankings de maiores riquezas per capita. Até mesmo a primeira colocada nesse ranking em 2015, a de Titular de Cartório, não supera as das cinco primeiras ocupações dos possuidores de CNPJ, embora sua renda per capita mensal tenha sido insuperável pelas demais ocupações nesse ano: R$ 95 mil. Por exemplo, 340.091 médicos se colocam em sétimo lugar no ranking geral de riqueza per capita com R$ 830 mil, mas, entre eles, os 152.573 “pejotizados” possuem cerca de 50% a mais em riqueza per capita: R$ 1,215 milhão. Fica evidente a vantagem comparativa de possuir um CNPJ para todas as ocupações.
Portanto, quanto ao problema de a estrutura tributária brasileira ser extremamente regressiva, o diagnóstico é fácil: enquanto a OCDE tem a média de 33,5% da carga tributária total na base de incidência sobre renda e lucros, o Brasil tem pouco mais da metade: 17,8%; em tributação regressiva, tem a metade (49,7%) em tributação sobre bens e serviços, quando o ideal seria ter 1/3 como a OCDE (32,9%).
Porém, a terapia é difícil: esta reforma tributária é impedida pelas bancadas estaduais no Congresso Nacional em defesa da participação de suas unidades federativas na arrecadação. Cada deputado ou senador só pensa em seus interesses paroquiais e pessoais, isto é, os de sua casta, dinastia ou clã. Apesar de ser um tema difícil – a redistribuição da carga tributária de maneira a torná-la progressiva, diminuindo a tributação dos Estados por ICMS e elevando o imposto federal sobre renda –, é necessário à Nação o enfrentar.
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Fernando Nogueira da Costa, professor titular do IE-Unicamp. Autor de “Brasil dos Bancos” (Edusp, 2012), ex-vice-presidente da Caixa Econômica Federal (2003-2007)
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