Descentralização política e a Reforma Federativa, por Edú Pessoa

Existem dois tipos de descentralização: a política e a administrativa. Na descentralização política, o governo central  cria outros atores políticos, os quais irão reproduzir fielmente as atribuições do poder central: divisão em poderes, funções, etc… No Brasil, esses atores são a União, os estados, Distrito Federal e os Municípios, de acordo com a Constituição Federal (Art. 1º, caput).

Já na descentralização administrativa, esses atores políticos criam outras pessoas jurídicas basicamente com quatro grandes finalidades: 1) execução de atividade típica do Estado (autarquias/agências reguladoras), atuar em áreas como saúde, educação e assistência social (fundações públicas), prestação de serviço público (Infraero/Correios) e exploração de atividade econômica (Bancos Públicos, Petrobrás…)

E por quê esse assunto?

O tema foi abordado no Programa da presidenta reeleita Dilma Rousseff, que propôs uma Reforma Federativa, a fim de redistribuir melhor as funções entre os entes políticos. De fato, com a onda de escandalização promovida pela velha mídia, a população encontra cada vez mais dificuldade em diferenciar o papel dos entes, cobrando mais de uns e menos de outros, mesmo a CF trazendo um vasto elenco de atribuições de cada um deles.

Há também as questões comuns (que todos devem zelar ao mesmo tempo, como o meio ambiente) e concorrentes entre esses atores políticos, o que pode contribuir ainda mais para confundir o verdadeiro papel de cada um deles.

Os países que adotam o modelo de Estado Federado têm buscado cada vez mais delegar aos estados-membros as funções cotidianas, deixando o governo federal livre para buscar uma especialização maior em determinada área social ou econômica.

Nos Estados Unidos, por exemplo, o Governo Federal tem cada vez se especializado em Segurança Nacional, o que engloba Telecomunicações, Correios, Forças Armadas, Finanças e sistemas de inteligência e contra-inteligência (CIA, FBI, NSA). Os Estados, por sua vez, atuam nas questões de direito civil (capacidade civil, comércio e propriedade) e direito penal (definição ou não de Pena de Morte no Estado).

O Brasil vem se destacando nesse processo de especialização. Prova disso é a modernização constante da Receita Federal, o qual já é possível preencher e enviar a declaração de Imposto de Renda totalmente online, com software desenvolvido pelo próprio órgão.

A rede bancária pública de nosso país já acompanha a evolução tecnológica, o que permite realizar transações bancárias não apenas pelo computador, mas também por smartphones e tablets. Isso sem falar nos mecanismos de acesso à informação, possíveis graças à Lei de Acesso à Informação e ao Portal da Transparência, disponíveis a qualquer cidadão em poucos cliques.

A Petrobrás, estatal de Petróleo e Gás, ganha prêmios e mais prêmios pela expertise adquirida na extração de Petróleo, pela tecnologia de suas sondas e pela descoberta do Pré-Sal, que pode gerar uma receita de R$ 8 Tri em 30 anos.

A especialização na Defesa e na Segurança Pública também são visíveis. Através das Forças Armadas, o Governo Federal vem investindo em submarinos, tanques, laboratórios de tecnologia e inovação tecnológica no campo militar, colocando o Brasil na rota internacional de produtos e serviços bélicos, com tecnologia 100% nacional.

No caso da Segurança, a Polícia Federal hoje possui autonomia para investigar crimes diversos e punir autoridades políticas, antes intocáveis em nosso país e busca um aprimoramento em suas operações e procedimentos.

Na diplomacia, o sucesso nas negociações na Organização Mundial do Comércio (OMC) e no fortalecimento da soberania nacional são referências mundiais e exemplos da especialização nas Relações Internacionais. Isso mostra que estamos caminhando para um processo de especialização do Governo Federal, o que pode ser objeto de discussão de uma Reforma Federativa, proposta de campanha da presidenta Dilma Rousseff.

Com a crise hídrica em alguns Estados, também está em pauta a reestatização dessas estatais, muitas delas privatizadas ou semiprivatizadas durante a gestão de tucanos, seja nos governos estaduais, seja no governo federal. Em várias cidades do mundo, essas empresas hídricas são públicas e sob administração dos municípios.

Com a descentralização política, através da Reforma Federativa, os Estados também ganham, mas principalmente os municípios, que podem administrar todos os assuntos que afetam o cotidiano das pessoas: Saúde, Educação, Transporte Coletivo, Cultura, Recursos Ambientais e Hídricos, Esportes, Trânsito, Polícia, etc…

Diante dessa discussão, alguns caminhos podem ser desenhados, a fim de nortear a discussão sobre uma proposta de modelo federativo para o país, cuja urgência pela eficiência estatal é aclamada em todas as esferas:

Governo Federal (União)

Um governo popular, tal qual é o governo Dilma, não pode se furtar de continuar reduzindo gradativamente a desigualdade econômica e social. Para isso é importante a especialização da Administração Pública busque a eficiência, utilizando tecnologia, informação e a coordenação entre órgãos políticos. 

Segurança Nacional – Articulação entre as Forças Armadas, responsáveis por proteger a fronteira e também as atividades referentes ao Pré-Sal, Polícias Rodoviárias e Federal, além de revisitar o papel da Força Nacional de Segurança Pública, cujo papel deve ser o de atuar em grandes eventos culturais, políticos e esportivos, evitando a utilização das FA. Tudo em parceria com a Abin e o Itamaraty, responsáveis por monitorarem constantemente o governo na conquistas de oportunidades estratégicas e mapeamento de ameaças.

Tributação e Finanças – Melhorar cada vez mais o papel da Receita Federal na obtenção do Imposto de Renda (e do Imposto sobre Grande Fortunas), bem como fiscalizar os desvios de tributos, em parceria com o Tesouro Nacional e também o Banco Central, formando o tripé da política fiscal e econômica, junto com outros órgãos, como o CADE do Ministério da Justiça.

Ciência, Tecnologia e Inovação – Pauta extremamente importante para o país, o Estado tem que aprimorar a função do Ministério da Ciência e Tecnologia, juntamente com o Ministério do Desenvolvimento e Indústria, além da recém-criada Secretaria das Micro e Pequenas Empresas. A construção das estratégias de inovação ficam a cargo da Secretaria de Avaliação Estratégica (SAE).

Telecomunicações – Em conjunto com a Segurança Nacional, as telecomunicações ajudam não apenas a melhorar o fluxo de informação do Governo Federal, mas também ser um celeiro para novas tecnologias, novos negócios, contribuindo para o fortalecimento do nosso comércio, agregando valor aos produtos e serviços prestados. Para isso é fundamental o papel desempenhado pela Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), dos Correios, além dos órgãos de Segurança Nacional e Ciência e Tecnologia.

Diretrizes Gerais sobre Serviço Público – Um dos grandes entraves jurídicos e políticos é o excesso ou a ausência de benefícios dos servidores públicos. O Governo Federal, sem prejuízo da autonomia dos estados e municípios, pode editar Lei Geral, traçando diretrizes e princípios da Administração Pública, abrindo caminho para outros tipos de Reforma. Além disso, revisar o Código Tributário Nacional, definindo critérios e faixar para a construção de aliquotas nos impostos federais, estaduais e municipais.

 

Governo Estadual (estados-membros)

Dentro dessa proposta de configuração, o papel dos estados-membros deve ser de extrema importância, pois eles farão a gestão diária dos serviços que desencadeam a cadeia de valor dos serviços públicos.

Para isso é fundamental que os estados possuam centros universitários de excelência (como USP, UERJ, UEG), fortes institutos técnicos, construídos com o apoio do Governo Federal, além de sistemas eficientes de fornecimento de energia elétrica, que alimentará indústria, serviços e instituições.

Isso sem falar na ajuda, pelo Governo Federal, na consolidação de um forte aparato industrial, privilegiando a indústria de transformação, que agrega valor a produtos e serviços.

Esses entes poderão instituir impostos estaduais, dentro das diretrizes estabelecidas pelo governo federal.

No que diz respeito aos serviços públicos, os estados-membros auxiliarão todos os municípios no repasse de recursos e podem administrar as forças policiais e corpo de bombeiros nos municípios de até 300 mil habitantes, divididos pelo critério de microrregião, estabelecido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Os estados podem optar pela delegação de competência das forças policiais e dos bombeiros para os municípios de 301 até 700 mil habitantes no Estado. Em caso de intervenção, calamidade pública ou outras hipóteses, os estados podem avocar essa competência.

Nos grandes municípios, os Estados farão apenas o repasse dos recursos, uma vez que a gestão será das prefeituras dessas cidades.

 

Governo municipal (municípios)

Por sua vez, os municípios devem ter tratamento de acordo com suas particularidades.

Os municípios pequenos – de até 300 mil habitantes – devem receber maior aporte de repasses do governo federal e estadual, para que os serviços públicos sejam prestados de forma básica para a população, com acompanhamento e fiscalização dos Tribunais de Contas e das Câmaras/Assembléias e conselhos populares.

No que diz respeito às forças de segurança pública, essas devem ser plenamente administradas pelo estado-membro, divididas segundo o critério de microrregião.

Os municípios médios – de 301 mil até 700 mil habitantes – também devem receber um grande volume de recursos públicos, a fim de manter de forma satisfatória os serviços de saúde, educação (creche, ensino fundamental e médio) e transporte coletivo. Nesses municípios, as forças de segurança públicas podem ser administradas pela prefeitura local, mediante delegação do estado, podendo ser avocadas em situações peculiares.

Já os municípios grandes, com mais de 701 mil habitantes (Campinas, João Pessoa, Aracajú, Rio, São Paulo, Belo Horizonte, Salvador e Fortaleza, para citar alguns) devem ter plena autonomia na gestão dos serviços de saúde pública, educação (creche, ensino fundamental e médio), transporte coletivo (ônibus, metrô, bonde, teleféricos, etc…), recursos hídricos (as estatais de água) e ambientais, além do prefeito ser o chefe das forças de segurança pública na jurisdição do município (polícias (preferencialmente unificadas) e corpo de bombeiros).

Esse é um caminho possível para que a Reforma Federativa, promessa de campanha, seja discutida, esboçada e transformada em política de Estado.

 

Redação

4 Comentários

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  1. Ou bem você é uma federalizao

    Ou bem você é uma federalizao de estados independentes como os EUA citados como exemplo, ou você é um país dividido em estados para fins de governança como sei la eu, a maior parte dos países sul americanos. 

    Temos uma constituição altamente detalhista e os Estados se orientam pela cf central e por códigos penais, trabalhistas e civis igualmente centralizados. Isso nos coloca bem longe do modelo americano que funciona justamente ao contrário. Lá os estados possuem uma jurisprudência própria que abarca o penal, o civil e mesmo o trabalhista, e a constituição federal é  concisa. Os estados possuem sua estrutura judiciária completa até o supremo estadual e o supre tribunal federal é acionado quando decisões ou leis estaduais colidem com a constituição federal. Veja-se o exemplo do casamento gay, no qual alguns estados permitem e outros não, a pena de morte, etc.

    O texto flerta com o municipalismo. Que também depende do governo central no legislativo para ser criado.

    o texto erra quando fala em empresas de água. Elas, as empresas de água eram particulares ou municipais e o governo militar as estadualizou  (oos governadores eram na verdade interventores escolhidos pelo executivo ), dizendo ser assunto de segurança nacional e estratégica o controle da água. Hoje temos empresas estaduais criadas nessa época como a sabesp em SP,  empresas municipais como em campinas e particulares via concessão como ocorre em cidades do Rio de janeiro. 

    O texto por  fim defende o que está ai,  mais ou menos, dando uma ressaltada em apoio aos municípios mas sem explicar como é de onde viria o dinheiro.

    fala se em grandes fortunas, mas ninguém até hoje explicou o que é uma grande fortuna. Afinal todos com exceção das camadas mais humildes pagam imposto de renda e fazem suas declarações e sobre elas pagam o ir.  Alguém que possua por exemplo 2 ou 3 apartamentos em uma cidade é 1 cobertura na praia é uma grande fortuna?  Porque comparado a mim que pago aluguel o  sujeito é rico.

    o único imposto estadual, o icms é um inferno para quem trabalha ou transporta bens e serviços por vários estados. Ninguém conseguiu organizar esse único imposto de forma a tornar bens e serviços menos onerosos. Resolver essa questão no Brasil de hoje já seria um bom início.

  2. Verbas

    Quem comanda o dinheiro público?

    Distribuir encargos é fácil, mudar as mãos que controlam as verbas é que são elas.

    Sem corações e mentes do povo e dos lideres unidos em um projeto vantajoso, crível e factível, não vejo como prosperar a reforma administrativa.

     

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