Economia de baixo carbono III, por Luiz Alberto Melchert

Imaginar que se possa controlar a degradação ambiental via modelos puramente baseados no neoliberalismo não tem futuro.

Economia de baixo carbono III

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Os créditos de carbono estão longe de contribuir positivamente para o desenvolvimento de uma economia de baixo carbono. Ao contrário, na medida em que haja grupos vivendo da sua venda, haverá o interesse em que a emissão de CO2 na atmosfera não caia, pois isso traria para baixo o valor da tonelada sequestrada. Assim, em essência, imaginar que se possa controlar a degradação ambiental via modelos puramente baseados no neoliberalismo não tem futuro. É que o próprio mercado, ser vivo que é, defende-se e anula as medidas.

Da mesma forma, a redução da emissão de resíduos faz com que a transformação em coproduto deixe de ser interessante por falta de escala. Há mesmo casos em que o que antes era aproveitamento de resíduo, graças ao aumento de demanda, passe a ser produto industrial, lançando novos resíduos na Natureza, o que ocasiona a criação de novos coprodutos. O papel é o melhor exemplo desse mecanismo. Até o primeiro quartel do século XIX, era feito de trapos. Quanto mais usados, quanto mais sujos e ensebados, melhores eram porque as impurezas serviam como emulsificante, tornando o produto final  mais coeso e resistente. Na medida em que mais gente aprendeu a ler, a demanda por papel intensificou-se a ponto de não haver mais matéria-prima à disposição, o que ensejou o desenvolvimento de processos de depuração da celulose diretamente da madeira. Graças ao consumo de soda cáustica para diluir a lignina, criou-se um resíduo conhecido como lixívia verde que, ao ser despejado nos rios, matava tudo o que pudesse estar vivo. A solução foi engarrafar e vender como produto de limpeza que, no Brasil, recebeu o nome de diabo Verde. Enquanto não havia métodos para esterilização do soro do leite, ele era jogado aos porcos. Hoje, ele é engarrafado e vendido como bebida láctea, mas somente os laticínios que tem porte grande o suficiente podem fazer isso. A necessidade de escala também limita a eficácia do Modelo da sobrevivência.

Anos atrás, em outro espaço, publicou-se uma matéria chamada “O Carro, o Avião e as Latinhas de Cerveja“. Ela visava a mostrar que não há mais espaço para as pessoas terem coisas, mas para as pessoas usarem coisas, que importante é criar bem-estar via serviços prestados. Isso significa que, em vez de ter um carro, pode-se alugar um usufruindo de sua utilidade sem a desutilidade das obrigações inerentes a ter um próprio. Isso contribui para que o uso seja maximizado, consequentemente, a quantidade produzida caia sem que o usufruto seja condenado, ou seja, mantendo o bem-estar da sociedade. A própria internet colabora com esse fenômeno, visto que a necessidade de deslocamento reduziu-se substancialmente, seja a trabalho, seja por lazer. O espaço cibernético substitui o físico e o alcance tornou-se virtual, portanto, muito maior que o proporcionado por nossos braços e pernas. A servicificação parece contribuir significativamente para a redução da emissão de carbono no ambiente por dois motivos. O primeiro diz respeito a racionalização do uso dos bens alugados em vez de vendidos, pois a rotatividade do uso, assim como o índice de ocupação são variáveis geralmente não consideradas pelo adquirente. O segundo diz respeito a que, em alugando o bem, haverá limites muito mais rígidos à sua manutenção e segurança, coisa que, em sendo o produto próprio, torna-se improvável respeitar. Some-se a isso a logística reversa que, por sua vez, racionaliza o consumo de recursos naturais.

Em suma não haverá um modelo capaz de limitar a emissão de gases estufa, mas a soma de todos eles pode trazer algum efeito. Uma economia de baixo carbono precisará contar com instrumentos financeiros capazes de acelerar ou frear tendências, tal que se mantenha o equilíbrio.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

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Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

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