Economia de baixo carbono II, por Luiz Alberto Melchert

O valor pago por tonelada de carbono sequestrado via créditos de carbono não se tornou significativo para inibir atividades poluidoras

Economia de baixo carbono II

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

                O período de permanência do carbono sequestrado passou a ser contemplado, mas de uma forma esdrúxula. Os créditos de carbono, lançados na Eco 92, tinham prazo de validade. Deveriam durar até 2012, quando se pretendia que a economia já tivesse um grau de descarbonização capaz de tornar esse ativo inútil. Interessante é que a ideia partiu de economistas que parecem não ter lido Jean Baptiste Sais. Depois de criado um mercado, este não se pode extinguir por decreto. Pode tornar-se ilegal, como aconteceu com a cocaína, mas não extinto. Assim, passados onze anos do prazo estipulado, os créditos de carbono continuam precificados e comerciados no mundo todo. Em 1992, não se contava com a rapidíssima industrialização da China, da Índia e demais países do extremo oriente. Não se imaginava que a Europa passasse a ser aquecida por gás russo. Em resumo, a emissão de carbono na atmosfera cresceu em vez de diminuir, pondo o planeta em risco real.

                Os fatos demonstram que os créditos de carbono não são a melhor solução. Eles são a expressão monetizada do Modelo da fumaça. Nesse modelo, o mundo está dividido em dois grandes grupos, o dos que poluem e não têm como deixar de fazê-lo e os que podem conservar a Natureza, até repor o estrago que o primeiro grupo provocou. Por esse modelo, o primeiro grupo paga o segundo para manter-se exatamente como está, sem assumir as atividades a que o primeiro grupo se dedicou. É o conhecido “farm here, forest there”. Em termos menos ácidos, também menos realistas, as empresas, cuja atividade não tem como ser menos emanadoras de CO2, pagam para os detentores de florestas para não derrubá-las, também replantá-las, a fim de sequestrar o carbono que o primeiro grupo jogou na atmosfera. A ideia é que, com o passar do tempo, a emanação e o sequestro se igualem, colocando o mundo num estado estacionário, ou seja, em que a quantidade de CO2 mantenha-se constante, sem que a atividade econômica se ressinta. Passados trinta e um anos de seu lançamento, ficou claro que o valor pago por tonelada de carbono sequestrado via créditos de carbono não se tornou significativo a ponto de inibir atividades poluidoras, muito menos para bloquear o desmatamento. Resumindo, foi um estrondoso fracasso.

                O pensamento econômico nos agraciou com uma outra forma de pensar. Os economistas creem que a atividade humana dependa de três fatores, Terra (recursos naturais), capital (trabalho cristalizado sob a forma de maquinário) e mão de obra (esforço humano em produzir). No modelo da sobrevivência, os adeptos reconhecem que o ser humano, como qualquer outro ser vivo, não consegue seguir a diante sem lançar resíduos na Natureza. A diferença é que a dimensão da população, aliada à sua habilidade criadora, lança muito mais resíduos do que qualquer outro ser na face da Terra. Assim, eles introduzem um quarto fator de produção, o resíduo. Para eles, a transformação do resíduo em matéria-prima é que permite que a economia se mantenha com menos impacto na Natureza. Mais ou menos como o bagaço de cana que de lixo virou coproduto nas usinas, seja para virar papel, seja para gerar o calor necessário ao refino da garapa. Assim, além de minimizar o resíduo, cabe à Humanidade encontrar o que fazer com o lixo, tal que deixe de ser lixo. Isso parece interessante porque, na medida em que a matéria-prima torna-se escassa, seu preço sobe, ensejando o uso mais criterioso. Ademais, seu resíduo pode concorrer para a manutenção do preço de bens concorrentes. Esse é o caso do bagaço de cana, que concorre diretamente com os combustíveis fósseis na geração de calor, também de eletricidade. É que o excedente de calor das caldeiras pode girar turbinas capazes de transformar o lixo em eletricidade.

                O decreto 10.828/2020, regulamenta a CPR Verde (CPRV), denotando a clara opção do governo brasileiro pelo Modelo da Fumaça. Ele é um desvio da CPR (Cédula de Produto Rural), pois deixa de ser uma venda antecipada. Poderia ser, se não considerasse as reservas legais para fins de emissão, dedicando-se somente ao acréscimo de áreas a serem recompostas ambientalmente. É que se trata de um papel em que o proprietário rural compromete-se a sequestrar uma dada quantidade de carbono, travando seu preço no momento da emissão, pelo qual o adquirente antecipa o pagamento. Isso induziria o ruralista a recompor florestas de forma financiada por terceiros, pelo valor trazido ao presente, dos créditos de carbono a serem usados no futuro. A distorção é que se podem lançar papéis sobre florestas destinadas às reservas legais, ou seja, pagando para o proprietário rural cumprir a lei. Lançar papéis sobre florestas já existentes fora das reservas legais, não seria ruim em essência, por estar-se pagando para manter o carbono sequestrado, ao contrário do que ocorre com o florestamento destinado à fabricação de carvão a ser usado nas siderúrgicas como visto no capítulo anterior.

                Existe um terceiro modo de os economistas pensarem, a troca do ter pelo usufruir, mas isso será o alvo do próximo capítulo.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

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Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

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