Economia de baixo carbono I, por Luiz Alberto Melchert

Quando queimamos petróleo, estamos queimando, a um só tempo, carbono e hidrogênio presentes nos hidrocarbonetos

Acervo CNI

Economia de baixo carbono I

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Não há como  falar em economia de baixo carbono sem visitar a química. Queimar é pôr oxigênio onde não havia. A própria água é resultado da queima do hidrogênio, que se transforma em H2O. Uma reação redutora é aquela em que os elementos químicos reagem entre si liberando oxigênio, ou algum composto dele. Tomemos como exemplo a redução do ferro nas siderúrgicas. O minério de ferro, que é basicamente um conjunto de óxidos, sendo o de ferro predominante (FE2O3, também conhecido como ferrita), é misturado ao carvão, que pode ser vegetal ou mineral, e levado ao forno. Em alta temperatura, o oxigênio se liberta do ferro e une-se ao carvão e o resultado é o ferro gusa e dióxido de carbono, que é solto na atmosfera. Se o carvão for mineral, foram milhões de anos para ser reduzido. Se for vegetal, serão entre oito e doze anos para a madeira crescer e a transformação em carvão é mais rápida, levando horas, até dias, em um forno redutor, velho conhecido de quem viaja pelo interior do Brasil. Seja vegetal, seja mineral, o processo de obtenção do carvão leva anos, enquanto a redução do ferro leva minutos, ou seja, retirar oxigênio de algum composto químico é sempre muito mais custoso do que introduzir oxigênio num composto qualquer.

Quando queimamos petróleo, estamos queimando, a um só tempo, carbono e hidrogênio presentes nos hidrocarbonetos, sendo o resultado o dióxido de carbono e a água. Assim, quando se fala em carros movidos a hidrogênio, demonstra-se desconhecer que os combustíveis baseados no petróleo são riquíssimos em hidrogênio e é isso que lhes garante alto poder calorífico. Ou seja, ao queimarmos seja lá o que for, estamos retirando oxigênio da atmosfera, sem a perspectiva de obtê-lo de volta em curto prazo. Uma forma barata e de pouca energia para liberar oxigênio na atmosfera são as plantas. Quando elas fazem fotossíntese, tomam o dióxido de carbono do ar e a água do solo e transforma em hidrato de carbono, que pode assumir inúmeras formas, desde o açúcar à madeira, passando pelo amido. A partir do hidróxido de carbono, podem-se obter vários Álcoois, os mais comuns sendo o etanol e o metanol, largamente usados como combustível. Também no caso da cana, o que leva mais de um ano para obter queima-se num segundo e o processo tem que começar todo outra vez. O benefício proporcionado pelo uso de um combustível renovável é questionável em essência, visto que continua sendo uma queima e não nos vai fazer voltar a uma situação ambientalmente mais confortável.

Lá pelos idos de 1979, proibiu-se o financiamento de casas de madeira pelo SFH (Sistema Financeiro da Habitação). Tudo indica ter sido um lobby das empresas de cimento que pretendiam que imóveis usassem blocos de concreto. Ocorre que a obtenção de cimento depende fortemente de energia térmica, queimando-se o que houver por perto, bem como o que vem de longe também. É que fornos podem queimar madeira em cavacos, carvão mineral, carvão vegetal e hidrocarbonetos que vão desde o BPF (baixo ponto de fluidez) até o gás natural. É claro que a substituição de um pelo outro depende de adaptação do parque industrial e isso não se dá em horas ou dias, chegando a anos para se concretizar. O fato é que sem queima, sem cimento; sem cimento, sem blocos de concreto; sem blocos de concreto, a solução são os tijolos cerâmicos que também dependem de queima. Aí, voltamos ao início da conversa. Basicamente, só existe um meio prático de construir sem queimar alguma coisa, fazendo casas de madeira. Elas são leves, podem ser pré-fabricadas, ficam prontas em dias e não requerem mão de obra especializada. Como se não bastasse, mantêm o carbono sequestrado por até cinquenta anos. Além disso, o resíduo das serrarias pode ser usado para peças muito duráveis, quando agregadas a resinas plásticas como poliuretano ou PVC. Na pior das hipóteses, serve como fonte de calor em caldeiras das mais variadas espécies.

Os créditos de carbono, para serem efetivos não poderão considerar somente a massa de carbono sequestrado, porém, o período pelo qual ele estará fora da nossa atmosfera e isso é o tema do próximo capítulo.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

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Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

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