Moedas eletrônicas e a Revolução Monetária (3/3), por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

As moedas eletrônicas surgiram por duas insatisfações, a obsolescência da burocracia e a parcialidade – até leviana -- com que a moeda, tida como internacional, tem sido tratada.

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Moedas eletrônicas e a Revolução Monetária (3/3)

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Smart Contracts, Block Chain e o Admirável Mundo Novo

Escrever sobre futuro sem fazer futurologia é uma empreitada árdua. Ela pode custar a credibilidade do autor. Mesmo assim, dá para indicar tendências, mais ou menos como, ao passar por uma obra em construção, poder-se imaginar como ela ficará quando pronta. Só que sua presença na paisagem nunca será a imaginada, posto que ela própria altera seu entorno. Constrói-se um aeroporto fora da cidade e a possiblidade de emprego urbaniza as cercanias; inaugura-se um novo shopping e o Estado vê-se na obrigação de abrir avenidas ao derredor.

As moedas eletrônicas surgiram por duas insatisfações, a obsolescência da burocracia e a parcialidade – até leviana — com que a moeda, tida como internacional, tem sido tratada. Os negócios internacionais sempre esbarraram nas divergências culturais e jurídicas entre os envolvidos. Antigamente, tudo se resolvia pela violência e o mais forte impunha sua vontade, transformando em públicas as querelas eminentemente particulares. Exemplos desses procedimentos há aos montes. O mais emblemático foi o uso dos fuzileiros navais americanos, no governo Eisenhower, para debelar, em nome do combate ao comunismo, uma greve de trabalhadores guatemaltecos e nicaraguenses, que estavam atrapalhando os negócios de bananas da United Fruit. Hoje, dá-se uma casca de civilidade aos contratos internacionais, pagando um foro arbitral para dirimir quaisquer empasses, atribuindo-se um custo a mais para o comércio mundial. A violência só mudou de forma, como mostra a atuação do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, sob a bandeira do combate à corrupção, levando à falência as empresas que concorrem com as americanas. Pesa muito a burocracia imposta por cada Estado, criando entraves burocráticos, muitas vezes protecionistas, encarecendo substantivamente os negócios.

A manifesta intenção de os Estados Unidos controlarem o mundo, via ameaça de congelamento de reservas, criou uma insatisfação acerca do consenso, nascido em Bretton Woods, de que uma moeda nacional poderia mediar todas as transações internacionais. Some-se a isso a tendência de sucessão de bolhas imposta pelo mercado financeiro. Os países têm, nos últimos quinze anos, tentado diversificar seus ativos intercambiáveis para não serem pegos no contrapé, perante os interesses dos Estados Unidos e seus aliados econômica e militarmente.

Como sempre, os movimentos sociais são lentos e dependem de condições políticas e tecnológicas. As criptomoedas vieram para tirar os Estados do controle da moeda, consequentemente, das transações, desde interpessoais, até internacionais. Ocorre que, como visto no capítulo anterior, o nada, como lastro, não pode ser uma garantia permanente, restando lançar mão somente da contribuição tecnológica. Baseando-se na credibilidade de um conjunto de países, pode-se criar uma moeda fiduciária, cuja intenção não seja sobrepor as nacionais, porém, sirva como base de cálculo para as transações internacionais. Para isso, se poderiam usar os smart contracts, cujas etapas e obrigações sejam públicas e autoajustáveis, deixando os lançamentos num ambiente computacional colaborativo e independente.

Em âmbito administrativo, os sistemas contáveis passam a não mais armazenar lançamento a lançamento, porém, a minerar dados para filtrar somente os de interesse, traduzindo-os para o plano interno de contas. Supõe-se não ser mais preciso arquivar documentos, ou mesmo registrá-los em cartório, bastando deixar acessíveis os que forem públicos por natureza ou necessidade. A redução de custos prometida tende a ser significativa.

Para que vivamos nesse admirável mundo novo, em que nenhum país seja capaz de impor sua moeda, em que não há documentos a guardar, contratos a registrar e fiscalizar, é preciso que a IANA (Internet Adress Number Authority) sistema de endereçamento da internet saia das mãos dos Estados Unidos, como já discutido em outra matéria. Se isso não acontecer, a exemplo da urbanização causada por um novo aeroporto, enquanto um só país conseguir tirar outro da rede de comunicações, portanto, da possibilidade de usar moedas eletrônicas, critpo ou oficiais, a estrutura de poder não será alterada. Na verdade, a concentração vai agravar-se, pois não será o nome da moeda, ou mesmo onde ela se encontra, que será o âmago do poder, será o acesso em si, cujos efeitos tendem a ser infinitamente mais graves. Assim, qualquer sonho passa pela internacionalização da internet, até lá, por mais que se desenvolvam o ambiente e a moeda internacionais, a espada que paira sobre a cabeça da sociedade mundial só se terá afiado ainda mais.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

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1 Comentário

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  1. Toda unanimidade é burra. E o que torna a vida viva não é a inércia. Que de fato inexiste; é o dinamismo, que se constitui no diferencial e sua eternas trocas. na minha opinião os países criarão – se já não já em teste – suas próprias IANA, seja em bloco ou em separado. Como foram os sistemas telefônicos analógicos até pouco tempo atrás. E essa coisa de moeda internacional… a moeda é uma das armas nacionais de qualquer pais. Faz parte de sua defesa e controle. E, controle pelos banqueiros, assumido atualmente a qualquer dia desaparece; mesmo que recomece, mas, sofrerá solução de continuidade.

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