Copa do Mundo 2023: O campo é delas e que os machistas sejam expulsos, por Gianluca Florenzano

Ao longo dos anos, o futebol feminino como um todo vem mostrando a sua força para resistir e superar as barreiras erguidas pelo machismo.

Reprodução vídeo

Copa do Mundo 2023: O campo é delas e que os machistas sejam expulsos

por Gianluca Florenzano

            O futebol é muito mais que um jogo. Sim, claro, o espetáculo que acontece dentro das quatro linhas nos encanta. Entretanto, se olharmos para fora de campo, podemos perceber realmente o quão grandioso é esse esporte.

            Um bom exemplo para ilustrarmos este argumento é a Copa do Mundo Feminina de 2023. Graças à garra, tática e os dribles das atletas somado com as emocionantes disputas de pênaltis, o torneio já bateu recordes de audiência e, ao que tudo indica, irá bater mais recordes na data de sua final.

            De todas as seleções da Copa, contudo, gostaria de destacar uma em especial: a Inglaterra. Não pela sua alta performance dentro de campo em si – as inglesas venceram as anfitriãs australianas e estão na final – mas sim, pela maneira como conseguiram superar barreiras discriminatórias apenas com os seus talentos.

            Em 2020, no auge da pandemia da COVID-19 que assolava o mundo, em uma Comissão Parlamentar de Esportes do Reino Unido, o então presidente da Football Association (Federação Inglesa de Futebol), Gregory Allison Clarke, cometeu um verdadeiro show de horrores.

            Naquela época, importante lembrarmos, o Reino Unido, assim como boa parte do resto do planeta, a revolução social estava nas ruas. Muitas pessoas, impulsionadas pelas manifestações que aconteciam nos Estados Unidos após a morte do afro-estadunidense George Floyd, saíram de suas casas, enfrentaram de peito aberto o risco do contágio do coronavírus e marcharam pedindo o fim do racismo e da violência policial.

            Apesar dessa comoção toda nas ruas, Clarke, ao ser perguntado na Comissão Parlamentar sobre a diversidade no futebol, não teve o menor pudor em se referir aos jogadores afro-descendentes como colored people (“pessoas de cor”) – um termo há muito tempo considerado pejorativo pela comunidade negra da Grã-Bretanha e em outras regiões do mundo.

            Antes mesmo de encerrar sua participação na reunião parlamentar, o comentário de Clarke já havia se espalhado pelas redes sociais provocando raiva e indignação em boa parte da população. A pressão sobre ele ficou tão grande que, horas depois de usar o termo pejorativo, o dirigente perdeu o seu cargo.

            Essa, contudo, não seria a única “gafe” cometida por Clarke. Ao contrário, o então presidente da Federação Inglesa de Futebol havia reservado mais um ato no seu show de horrores.

            Ainda falando sobre diversidade no futebol, Clarke exibiu todo o seu machismo ao afirmar que havia um baixo número de goleiras na liga feminina inglesa porque, na visão dele, as mulheres “não gostam que chutem a bola tão forte nelas”.

            Desde o comentário infeliz – para dizer o mínimo – do então dirigente, a seleção feminina inglesa de futebol só deu alegria para os seus torcedores. Venceram a Eurocopa de 2022 jogando em casa na eletrizante partida contra a Alemanha pelo placar de 2×1. Nas estatísticas do site ogol.com.br as inglesas tiveram o melhor ataque com 22 gols marcados em 6 jogos e – vejam como as coisas são – a melhor defesa da competição, sofrendo apenas 2 gols – nada mal para quem não gosta de receber chutes fortes.

            Já em 2023, o ano parece ser ainda mais promissor para a Inglaterra. No tradicional e lotado estádio de Wembley, elas venceram o Brasil na disputa da Finalíssima (torneio que reúne a campeã da Eurocopa com a campeã da Copa América), por 4×2 nos pênaltis – o jogo no tempo normal terminou em 1×1.

            Agora, na Copa do Mundo Feminina, elas chegam à final. Encarando a pressão do estádio lotado de Accor Stadium, em Sydney, com a torcida da casa gritando “Matildas, Matildas” (como carinhosamente a seleção australiana feminina foi apelidada pela sua torcida), as inglesas não se intimidaram e venceram as anfitriãs pelo placar de 3×1.

            De fato, os pensamentos machistas personalizados na fala de Clarke ainda ecoam pela sociedade. Na CazéTV, por exemplo, na disputa entre Nova Zelândia e Noruega (jogo de estreia da competição), houve uma chuva de comentários deste tipo. Não à toa, a equipe da transmissão se viu obrigada a desativar o chat.

            Apesar disso, no entanto, ao longo dos anos, o futebol feminino como um todo vem mostrando a sua força para resistir e superar as barreiras erguidas pelo machismo. Na final da Copa do Mundo Feminina de 2019, vencida pelos Estados Unidos por 2×0 contra a Holanda, as torcidas de ambos os países cantaram juntas o grito “equal pay” (“salário igual”).

Mais tarde, no Fifa The Best, a melhor jogadora do mundo de 2019, Megan Rapinoe, no seu discurso de premiação falou a respeito da discriminação de gênero no futebol.

            Os Estados Unidos de Rapinoe já ficaram pelo caminho na Copa de 2023, mas o grito de “equal pay” deve durar para sempre. Tomara que na final de domingo (20) o grito volte a ecoar e que a partida seja emocionante nos mesmos moldes que foi a final da Copa do Mundo Masculina de 2022.

            Mas, acima de tudo, que as mulheres continuem a brilhar dentro de campo e que os machistas como Clarke continuem sendo expulsos do futebol.

Gianluca Florenzano, formado em Jornalismo na PUC-SP e Mestre em Ciências Sociais também na PUC-SP.

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