O American Dream continua vivo?, por Bruno Alcebino da Silva

As eleições nos EUA são muito mais do que escolher um novo líder; elas encapsulam as esperanças, os medos e aspirações de uma nação inteira.

O American Dream continua vivo?

por Bruno Fabricio Alcebino da Silva

Na atmosfera vibrante de Nova York, onde os arranha-céus se erguem majestosos e as luzes da cidade dançam ao ritmo incessante da vida urbana, é fácil se deixar envolver pela energia contagiante desta metrópole global. Ao passear pelas ruas movimentadas, não é incomum sentir-se transportado para as páginas imortais de “O Grande Gatsby” de F. Scott Fitzgerald, onde a magia e o movimento da cidade ecoam os extravagantes festins e festas da era do jazz retratados na obra. Em meio a essa paisagem de sonho e realidade, surge uma questão premente: será que o American Dream ainda persiste, e de que maneira ele pode moldar o cenário das próximas eleições norte-americanas?

As eleições nos Estados Unidos são muito mais do que simplesmente escolher um novo líder; elas encapsulam as esperanças, os medos e as aspirações de uma nação inteira. Assim como Jay Gatsby, o protagonista ambicioso e enigmático de Fitzgerald, perseguia incansavelmente sua visão de sucesso e felicidade através da riqueza e do amor, os candidatos políticos americanos muitas vezes encarnam essa mesma busca pela glória e poder. A rivalidade entre o democrata Joe Biden e o republicano Donald Trump personifica essa luta pelo poder, com cada um representando visões distintas do que significa alcançar o American Dream.

Biden, atual presidente, personifica uma narrativa mais tradicional do American Dream, baseada na meritocracia, na igualdade de oportunidades e na prosperidade compartilhada. Seu apelo às classes trabalhadoras e sua promessa de unir uma nação dividida refletem uma tentativa de resgatar os valores fundamentais que, para muitos, definem o sonho americano.

Por outro lado, Trump, com sua retórica populista e sua imagem de magnata autoconstruído, personifica uma interpretação mais individualista e materialista do American Dream. Sua campanha apela para a nostalgia por uma era de grandeza passada e promete restaurar uma suposta ordem perdida, ressoando com aqueles que veem o sucesso pessoal como a medida suprema do sonho americano.

Da mesma forma que Gatsby buscava a riqueza e a posição social para conquistar o coração de sua amada Daisy, os candidatos políticos modernos frequentemente perseguem seus próprios símbolos de sucesso – seja na forma de votos, influência política ou na concretização de uma agenda específica.

O que é o American Dream?

O American Dream é um conceito intrinsecamente ligado à identidade nacional dos Estados Unidos e tem sido objeto de estudo e debate em diversas disciplinas acadêmicas. Originado no século XIX, o sonho americano (em tradução literal) é frequentemente definido como a crença na possibilidade de prosperidade e sucesso alcançado através do trabalho árduo e da determinação, independentemente de origem social, raça ou credo. Essa ideia fundamental tem sido explorada em áreas como sociologia, história, literatura e economia, revelando suas complexidades e contradições ao longo do tempo.

O ideário tem suas raízes na Declaração da Independência dos Estados Unidos, que proclamou que “todos os homens são criados iguais” com direito à vida, liberdade, propriedade e a busca pela felicidade.

De acordo com Adams (1931, p. 404), o American Dream é “a crença de que qualquer um, independentemente de onde ele ou ela nasceu ou de onde ele ou ela veio, pode alcançar seu próprio conceito de sucesso na sociedade onde a mobilidade social é possível para todos”. Essa definição destaca a centralidade da mobilidade social e da igualdade de oportunidades na concepção, ressaltando sua importância como um ideal aspiracional na sociedade americana.

Ao longo da história dos Estados Unidos, o sonho americano tem sido frequentemente retratado como uma narrativa de progresso e sucesso individual, como evidenciado nas obras literárias de autores como F. Scott Fitzgerald em “O Grande Gatsby” [1925]. Fitzgerald, ao descrever a busca implacável de Jay Gatsby pela ascensão social e pelo amor de Daisy Buchanan, oferece uma reflexão crítica sobre os limites e as ilusões desse ideal americano, sugerindo que o sucesso material nem sempre leva à felicidade ou realização pessoal.

No entanto, as interpretações do American Dream também evoluíram ao longo do tempo, refletindo mudanças sociais, políticas e econômicas na sociedade americana. Autores contemporâneos como Richard Reeves (2017) argumentam que o ideário está cada vez mais fora do alcance para muitos americanos devido à crescente desigualdade econômica e à falta de oportunidades para ascender socialmente. Esta perspectiva ressalta as disparidades de acesso à educação, emprego e riqueza que desafiam a realização plena doideal americano para todos os cidadãos.

Além disso, o ideário tem sido criticado por sua dimensão individualista e materialista, que muitas vezes ignora questões estruturais de injustiça e discriminação. Segundo Loewen (1995), o sonho americano tem sido historicamente marcado por exclusões e limitações, particularmente para grupos marginalizados como afro-americanos, povos indígenas e imigrantes.

Próximas eleições

No cenário político conturbado dos Estados Unidos, onde a polarização atinge seu ápice e a incerteza paira sobre o futuro da nação, é inevitável que se questione o papel do American Dream nesse contexto de mudança e desafio. As eleições iminentes de novembro de 2024, com a perspectiva de uma revanche entre Joe Biden e Donald Trump, oferecem um palco para refletir sobre a essência e a viabilidade desse sonho que há muito tempo tem sido o pilar da identidade nacional americana.

O American Dream, com suas promessas de oportunidade igualitária, mobilidade social e sucesso alcançado pelo trabalho árduo, está intrinsecamente ligado à ideia de democracia e prosperidade para todos. No entanto, enquanto a competição política se torna cada vez mais polarizada e o processo eleitoral parece ser mais um ritual do que uma verdadeira escolha entre visões alternativas de futuro, surge a dúvida sobre se esse sonho ainda é acessível para todos os americanos.

A falta de competição substancial nas prévias eleitorais, onde Biden e Trump emergem como os candidatos dominantes de seus respectivos partidos, levanta questões sobre a vitalidade da democracia americana. Onde estão as vozes discordantes, os líderes visionários e os defensores de novas ideias? Será que o sonho americano está sendo sufocado pela predominância do personalismo político e pela ausência de alternativas viáveis?

Além disso, o contexto geopolítico em que os Estados Unidos se encontram, com o declínio relativo de sua influência em relação ao ascenso da China, lança uma sombra sobre a narrativa do American Dream como um farol de esperança e oportunidade. Enquanto os EUA enfrentam desafios internos e externos, sua capacidade de manter seu status como superpotência global está sendo questionada, colocando em xeque a própria viabilidade desse sonho americano.

A luta pela hegemonia mundial, marcada por confrontos com a Rússia e desafios econômicos e políticos colocados pela ascensão da China, destaca a fragilidade do ideário em face das realidades geopolíticas e econômicas do século XXI. Enquanto os Estados Unidos tentam manter sua posição dominante, a coerência de suas ações no cenário internacional e a qualidade de sua liderança interna são postas em dúvida, minando a credibilidade do país como um modelo de democracia e liberdade.

No entanto, a verdadeira essência do sonho americano, como retratada por Fitzgerald, muitas vezes se perde na busca por riqueza e status. Gatsby, apesar de todas as suas conquistas materiais, descobre que seu sonho é ilusório e vazio, incapaz de trazer-lhe verdadeira felicidade ou realização. Da mesma forma, a busca implacável pelo poder político pode obscurecer as verdadeiras necessidades e aspirações do povo americano.

À medida que as eleições se aproximam, os eleitores enfrentam uma escolha crucial sobre qual visão do American Dream desejam perseguir. A narrativa que prevalecerá – a de solidariedade, justiça e oportunidade para todos, ou a de ganância, exclusão e divisão – moldará não apenas os próximos quatro anos, mas o destino da nação como um todo.

Da mesma forma que Gatsby fixou seu olhar no verde resplandecente do farol distante, os americanos encaram um futuro incerto, buscando desesperadamente a promessa de um país onde os sonhos não são apenas perseguidos, mas alcançados por todos. No entanto, a realidade muitas vezes diverge dessa narrativa idealizada, e as eleições de novembro não são exceção. Enquanto os candidatos políticos disputam o poder e prometem mudanças significativas, a verdadeira medida do legado dessas eleições será determinada não apenas pelos resultados nas urnas, mas pela capacidade do país de confrontar suas falhas e desigualdades subjacentes.

A promessa do American Dream, uma vez glorificada como o farol de esperança para milhões de americanos, agora é questionada por muitos como uma ilusão inalcançável para aqueles que lutam contra a desigualdade econômica, racial e social. A ascensão de Donald Trump ao poder em 2016 e sua subsequente presidência expôs as fissuras na narrativa do sonho americano, evidenciando divisões profundas na sociedade americana e levantando questões sobre quem realmente se beneficia desse ideal.

À medida que o país enfrenta desafios crescentes, desde a pandemia global até a agitação social e política interna, a fé no ideário como um farol de esperança e inspiração para as gerações futuras é testada como nunca antes. A retórica política pode oferecer promessas vazias de prosperidade e sucesso para todos, mas a realidade muitas vezes revela um panorama mais sombrio de desigualdade, injustiça e alienação.

Portanto, enquanto os americanos contemplam o futuro incerto que se estende diante deles, é imperativo que confrontem as falhas fundamentais em seu sistema e reafirmem seu compromisso com a realização plena do American Dream para todos os cidadãos. Somente assim as eleições de novembro e o legado que delas decorre poderão verdadeiramente representar um passo em direção a um país onde os sonhos não são apenas perseguidos, mas alcançados por todos, independentemente de sua origem, raça ou circunstâncias.

Referências bibliográficas:

ADAMS, J. T. (1931). The Epic of America. New York: Blue Ribbon Books.

FITZGERALD, F. S. (1925). The Great Gatsby. Nova York: Scribner.

LOEWEN, J. W. (1995). Lies My Teacher Told Me: Everything Your American History Textbook Got Wrong. Nova York: The New Press.

REEVES, R. V. (2017). Dream Hoarders: How the American Upper Middle Class Is Leaving Everyone Else in the Dust, Why That Is a Problem, and What to Do About It. Washington, D.C.: Brookings Institution Press.


Bruno Fabricio Alcebino da Silva – Bacharel em Ciências e Humanidades e graduando em Relações Internacionais e Ciências Econômicas pela Universidade Federal do ABC. Pesquisador do Observatório de Política Externa e Inserção Internacional do Brasil (OPEB).

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