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Política monetária nos EUA: o que vem pela frente?, por Adriano Vilela Sampaio

Desde a deflagração da pandemia, os EUA vêm fazendo uso das chamadas políticas monetárias não convencionais. Um de seus principais instrumentos é o afrouxamento quantitativo

Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

Política monetária nos EUA: o que vem pela frente?

por Adriano Vilela Sampaio

Após uma queda de 3,4% em 2020 por conta da pandemia, os EUA tiveram um crescimento econômico de 5,7% em 2021, maior taxa desde 1984. A rápida recuperação, no entanto, veio acompanhada de uma alta inflação, que chegou a 7%, a maior desde 1981, muito acima da média histórica do país e da meta de 2% do banco central americano, o Fed.

Ao longo de 2021, mesmo com a inflação atingindo altos patamares, o discurso do Fed era que a alta inflação decorria principalmente de fatores transitórios, como o desarranjo das cadeias de fornecimento por conta da pandemia e a diminuição das restrições de circulação. Porém, com a inflação se mostrando mais resiliente que o esperado e o mercado de trabalho em franca recuperação (o Fed tem mandato dual, em que se compromete a manter a inflação e a taxa de desemprego em baixos níveis), o discurso foi mudando e o Fed decidiu que era hora de rever os estímulos monetários.

Desde a deflagração da pandemia, os EUA vêm fazendo uso das chamadas políticas monetárias não convencionais. Um de seus principais instrumentos é o afrouxamento quantitativo (quantitative easing – QE), que consiste na compra líquida de ativos públicos e privados em grandes volumes (nos EUA, desde 2020 para cá foram mais de US$ 4 trilhões) visando manter um nível adequado de liquidez e baixas taxas de juros nos diferentes segmentos dos mercados financeiros. O QE é particularmente útil quando a taxas básica de juros básica (fed funds nos EUA, SELIC no Brasil) já está muito próxima de zero. Enquanto houver compras líquidas (em maior montante que os títulos vincendos), haverá aumento do ativo do banco central e da oferta de moeda (passivo do BC) e a política monetária terá efeito expansionista sobre a economia. 

O tapering, por sua vez, consiste na redução gradual do volume de compras líquidas de ativos, para que a política monetária se torne progressivamente menos estimulativa. Neste caso, o balanço continua crescendo, mas a um ritmo menor. Posteriormente, o BC pode interromper as compras líquidas de ativos, mantendo o estoque de títulos estável, e iniciar a elevação da taxa básica de juros, buscando tornar a política monetária neutra (nem estimulativa nem contracionista). Finalmente, o BC pode optar por reduzir o balanço, entrando em terreno contracionista, por isso o nome “aperto quantitativo” (quantitative tightening – QT).

O tapering americano foi anunciado em novembro de 2021 e se daria com a queda gradual das compras líquidas de ativos  (reduções mensais de US$15 bilhões). Nesse compasso, as aquisições líquidas mensais (que estavam em US$120 bilhões) chegariam a zero em junho de 2022. Em dezembro, o Fed decidiu acelerar a retirada dos estímulos, antecipando para março o fim das compras líquidas. Finalmente, em janeiro último o Fed sinalizou de forma clara que teria início um ciclo de alta de juros na próxima reunião (março) do FOMC (o equivalente deles ao nosso COPOM), quando também seriam encerradas as compras líquidas de ativos.  

Encerrado o tapering, o que vem pela frente? Haverá um QT? Essa pergunta é importante por conta da experiência da década passada, quando o QE também foi utilizado nos EUA, após a crise financeira global de 2008. Naquela ocasião, o tapering começou em outubro de 2014 e a elevação dos juros em dezembro. O início da redução do balanço (ou normalização, como foi chamado à época, dado a “anormalidade” de um balanço tão grande após o período de QE) começou em outubro de 2017, pela não renovação de títulos vincendos. Menos de 2 anos depois (setembro de2019), no entanto, o processo foi interrompido e o balanço voltou a crescer. Um dos motivos é que mesmo tendo sido gradual, a redução do balanço do Fed acabou tornando as condições mais restritivas que o esperado, gerando problemas de liquidez e instabilidades no sistema financeiro dos EUA.

O QT, portanto, é uma estratégia cercada de muito mais incerteza que o QE e o tapering. Não se conhece bem os efeitos de uma contração de balanço mais consistente e duradoura. Além disso, no QT iniciado em 2017, a inflação estava em patamares bem mais confortáveis, próximo ou abaixo da meta de 2%, o que tornava mais fácil a opção pelo fim do QT. No atual contexto, a margem de manobra do Fed é bem menor. Com as altas de juros que virão ao longo de 2022, a política monetária dos EUA ficará em terreno contracionista, mas o Fed tende a ser muito mais cauteloso em um eventual QT e o balanço, que hoje está próximo de US$9 trilhões, dificilmente voltará a níveis próximos dos US$4,3 trilhões de antes da pandemia.  

E quais os possíveis impactos sobre o Brasil? Sendo uma economia periférica, espera-se que uma alta nos juros americanos leve a uma saída recursos do país em busca de ativos mais seguros, em dólar, enfraquecendo o real. Tal efeito tende a ser reforçado pelas recentes decisões do Reino Unido, que elevou os juros e indicou que iniciará um QT assim que as condições permitirem, e do Banco Central Europeu, que encerrará suas compras líquidas de ativos em março de 2022. Em alguma medida isso pode ser contraposto com alta de juros no país. Enquanto os EUA mantêm os juros próximos de zero desde 2020, no Brasil as altas começaram em março de 2021, quando estavam em 2% e chegaram aos atuais 10,75%, sendo que as expectativas são de uma SELIC em torno de 12%. Com tamanho diferencial de juros, não são esperados movimentos agudos de desvalorização do real. Isso, claro, até que as instabilidades políticas e econômicas locais gerem novas turbulências.  

Adriano Vilela Sampaio – professor da UFF e coordenado do @Finde_uff

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