Gilmar Mendes pode falar, os generais devem calar

Há algum tempo, aqui mesmo no GGN, disse que:

“A politização da justiça, a judicialização da política e a pretensão da imprensa de se transformar numa instância judiciária são tão evidentes que os brasileiros já não conseguem mais ver a diferença que existe entre campos jurídico, político e jornalístico. Pior, muitos já começaram a desconfiar da honestidade, isenção e seriedade de todos procuradores, juízes, Ministros do STF, com evidente prejuízo para o Estado.”
https://jornalggn.com.br/noticia/justica-politica-e-imprensa-juntos-misturados-para-falir-o-estado-brasileiro/

A eleição de Jair Bolsonaro foi uma consequência da confusão entre os campos jornalístico, jurídico e político provocada pela Lava Jato. Essa conclusão se torna inevitável se levarmos em conta que Sérgio Moro foi promovido de juiz político e galã de telenovela processual a Ministro da Justiça com poder de perdoar os corruptos ligados ao novo presidente da república https://jornalggn.com.br/ditadura/sergio-moro-o-juiz-que-perdoava/.

Todavia, neste momento não quero falar do herói lavajateiro e sim dos desdobramentos que ele provocou. Um deles foi a militarização da saúde pública.

O Exército é uma instituição permanente do Estado, cuja finalidade precípua é defender nosso país de qualquer agressão externa. Ele é organizado de maneira hierárquica, mas está submetido ao poder civil. Isso significa que, apesar de ser o guardião das armas da república, o Exército não pode usar seu poder para ameaçar a sociedade ou os cidadãos e autoridades brasileiras.

Dentro dos limites estabelecidos pela legislação, os comandantes militares têm poder administrativo sobre seus subordinados. Exceto em caso de conflito militar, nenhum civil é obrigado a cumprir ordens proferidas por um oficial militar. Quando é nomeado para ocupar um cargo civil (caso do atual Ministro da Saúde), o oficial militar deixa de exercer uma função com características hierárquicas. Ele não presta contas ao comando do Exército. Os comandantes militares não podem defendê-lo como se ele fosse um subordinado deles.

Mais de 72 mil brasileiros morreram em decorrência da pandemia. O fracasso de Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde é uma realidade consumada agravada pelo fato dele não ser médico ou especialista em saúde pública. Portanto, a crítica feita por Gilmar Mendes é totalmente pertinente. Há um genocídio em andamento e o Exército ficará inevitavelmente maculado em virtude de um militar estar no comando do combate à pandemia.

A reação dos generais às palavras de Gilmar Mendes foi vergonhosa e inadequada. Eles defenderam Eduardo Pazuello como se ele fosse um deles e estivesse em missão militar. Todavia, o Ministro deixou de ser militar submetido à hierarquia do Exército assim que assumiu um cargo civil cuja principal característica é estar sujeito às críticas tanto da imprensa quanto das outras autoridades civis.

Essa disputa entre os generais e Gilmar Mendes evidencia que a confusão entre os campos jornalístico, jurídico e político provocou uma mistura explosiva entre os campos civil e militar. Pazuello pode ser um general eficiente e respeitável, mas ele não tinha e não tem qualificação para ocupar o Ministério da Saúde. Se tivesse rejeitado o posto o problema não existiria.

Apesar da linguagem pomposa utilizada na Constituição Cidadã, a especialidade do Exército é matar e mutilar os inimigos da república. As batalhas da Guerra do Paraguai e da Guerra de Canudos são provas históricas do potencial genocida do Exército brasileiro. Se não tivesse cometido genocídios, ele seria uma corporação militar ineficaz, inútil e incapaz de inspirar respeito e terror nas potências estrangeiras que cobiçam nosso território ou parte dele.

Mas isso não significa que o Exército tem o poder de matar brasileiros em tempo de paz ou de ameaçar o Ministro do STF que criticou de maneira pertinente a incapacidade de um general de comandar o Ministério da Saúde durante a pandemia. Em tempo de guerra, a matança é inevitável e até desejável. Em tempo de paz ela é e sempre será considerada criminosa.

Quando tomaram conhecimento da crítica feita por Gilmar Mendes, os generais deveriam ter ficado em silêncio. Mesmo que o Exército esteja em condições de cercar o STF com tanques ninguém, civil ou militar, conseguirá impedir que o general Eduardo Pazuello seja eventualmente julgado por seus atos dentro ou fora do Brasil. Se não quer ser tratado como um genocida ele deve reconhecer seu fracasso e deixar o cargo que não deveria ter aceitado.

Se não querem piorar a situação, os generais devem ficar quietinhos em seus quartéis. Se querem ajudar o país a vencer a crise, eles devem pedir ao general para deixar o Ministério da Saúde. Caso contrário, gostem ou não os comandantes militares, a imagem do Exército será inevitavelmente ligada ao genocídio em curso.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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