Justiça, Política e Imprensa juntos misturados para falir o Estado brasileiro

Sou advogado há 25 anos e só recorri a imprensa uma vez. Em meados de década de 1990, um juiz de Osasco – cujo nome já nem lembro mais – havia concedido liminar reintegrando um diretor expulso do Sindicato que eu trabalhava. O Sindicato, contudo, não era parte do processo e não poderia sofrer o constrangimento. Quando a ordem foi dada o beneficiário dela (que já é falecido há alguns anos) ganhou ampla publicidade nos jornais locais. 

Um dia após a reintegração, que criou um clima de guerra no Sindicato, fui com uma colega despachar um Agravo de Instrumento com o referido juiz (naquela época o recurso era protocolado fisicamente na primeira instância, hoje é interposto “on line” direto no Tribunal de Justiça). O juiz nos recebeu, leu o recurso, avaliou os documentos e nos disse que estava muito constrangido com o que havia ocorrido. Afirmou que revogaria a ordem ilegal que havia dado e me pediu para não dar publicidade ao fato. Minha colega se comprometeu a não dar publicidade. Eu não falei nada. 

Nós saímos do Fórum com o Oficial de Justiça e o diretor foi colocado para fora do Sindicato com a mesma velocidade em que havia sido reconduzido ao cargo. A primeira coisa que fiz após resolver o problema foi telefonar para o jornal que havia publicado uma manchete espalhafatosa sobre a reintegração do diretor informando a novidade. O jornalista pediu uma cópia da decisão e recebeu o que queria. Não disse a ele que o juiz desejava evitar publicidade negativa. Ele também não me perguntou nada. O caso era público e o processo não corria em segredo de justiça. No dia seguinte estava estampado na capa do jornal local JUIZ VOLTA ATRAS…. 

Há uma diferença no que ocorreu comigo e no que eu tenho visto ocorrer, fatos desagradáveis intensamente debatidos na internet http://www.jornalggn.com.br/noticia/o-mpf-entre-o-clamor-da-turba-e-o-respeito-do-mundo-juridico . No caso referido acima eu não plantei uma notícia para colher algum tipo de benefício judiciário, apenas forneci ao jornalista condições para continuar a fazer a cobertura de algo que já tinha virado notícia na cidade Osasco. Segundo me informaram na oportunidade, o juiz ficou furioso com minha conduta. No problemo! Um advogado não precisa ser amado pelo juiz, nem deve temer represálias (o novo CPC obriga o juiz amigo ou inimigo do advogado a se afastar do processo). 

Esta mistura que vemos hoje diariamente entre política, imprensa, advogados, procuradores federais, juízes federais, Ministros do STF só tem produzido uma coisa: confusão permanente entre o “campo jurídico”, “campo jornalístico” e “campo político”, com evidente prejuízo para a sociedade. Já abordei a questão sob outros ângulos aqui mesmo no GGN:  

https://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/panorama-da-judicializacao-da-politica-no-brasil

https://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/juizes-x-politicos-a-destruicao-do-estado-como-o-conhecemos

https://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/judicializacao-do-campo-jornalistico-a-democracia-em-estado-terminal-ou-uma-sobrevivencia-da-dita

A politização da justiça, a judicialização da política e a pretensão da imprensa de se transformar numa instância judiciária são tão evidentes que os brasileiros já não conseguem mais ver a diferença que existe entre campos jurídico, político e jornalístico. Pior, muitos já começaram a desconfiar da honestidade, isenção e seriedade de todos procuradores, juízes, Ministros do STF, com evidente prejuízo para o Estado.

O que caracteriza um Estado falido? Há várias respostas para esta pergunta dependendo da abordagem que for dada à questão. A incapacidade de se defender de inimigos externos caracteriza a falência do Estado. A impossibilidade de arrecadar tributos de sua população também. A ineficiência dos serviços públicos prestados ao povo e a ineficácia da legislação estatal também podem ser consideradas indícios de que o Estado está falido.

A distribuição de Justiça de forma razoavelmente rápida com imparcialidade e sem preconceitos partidários, raciais, econômicos, etc… é prova da vitalidade estatal. O Estado brasileiro ainda não está falido, mas se as autoridades do MP e do Judiciário não tomarem cuidado para distinguir o “campo jurídico” do “campo político” e do “campo jornalístico” elas poderão provocar exatamente o que não desejam.

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

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