Ion de Andrade
Médico epidemiologista e professor universitário
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A Cidade pelos Movimentos Sociais: A Carta de Natal

Nesse último sábado, dia 28 de março, diversas entidades dos movimentos sociais organizados de Natal se reuniram no Ginásio Arena do Morro, em Mãe Luiza, para a discussão de uma proposta de Cidade pelos Movimentos Sociais. O evento foi organizado por diversas entidades a convite do Centro Sócio-Pastoral Nossa Senhora da Conceição. O texto que segue é um relato das discussões ocorridas nos grupos de trabalho e que nortearão a Carta de Natal a ser confeccionada em abril.

O bairro de Mãe Luiza é um dos mais pobres da cidade, enfrenta além da pobreza toda uma série de dificuldades ligadas à violência e à extrema precariedade dos serviços públicos disponibilizados. O Ginásio Arena do Morro , situado no mesmo bairro, é a Obra Desportiva do Ano de 2015, segundo a Archdaily, um dos mais importantes prêmios de arquitetura do mundo. O Seminário trabalhou com a ideia de que o Ginásio Arena do Morro aponta para um novo modelo de presença pública nas comunidades que rompe a lógica excludente do modelo atual.

Esse seminário está fundamentado na ideia de que a presença do poder público nas comunidades periféricas do Brasil se limita à garantia precária da sobrevivência da população com os seguintes equipamentos sociais: a escola (normalmente precária), a unidade de saúde (frequentemente insuficiente), as creches e a polícia, cuja presença muitas vezes amedronta mais do que traz segurança.

Esse modelo de presença pública, inspirado no século XIX da Europa, está obviamente superado, mas persiite no Brasil como um cadáver insepulto e embora tenha havido um esforço dos governos Lula e Dilma de aperfeiçoá-lo, através de mais recursos para educação, atenção básica e creches, é forçoso constatar que os governos petistas não o superaram. Continuamos hoje com o modelo implantado na ditadura, aperfeiçoado por mais recursos e programas, mas que persiste como um obstáculo maior à continuidade do processo emancipatório em andamento, que está estrangulado. Tal estrangulamento alimenta obviamente o mal estar social que abastece e cronifica a crise política em que estamos.

O tema do encontro foi: “Desenvolvimento local e direito à cidade”. Foram palestrantes o dr. Ion de Andrade, o prof. Cesar Sanson e a dra. Marise Costa que trataram de temática convergente com o tema central. O Seminário retoma a tradição da Reforma Urbana agregando-lhe uma capilaridade que até aqui não existia e agregando também a experiência prática de uma comunidade periférica que ousa apontar caminhos concretos para o país.

O Modelo discutido inclui quatro elementos estruturantes:

a) O planejamento local dos equipamentos sociais estratégicos entendidos como necessários pela comunidade, numa agenda;

b) O Financiamento Público dos projetos,

c) A Gestão Compartilhada dos equipamentos sociais e

d) O Controle Social

Trabalhou-se também com a ideia de que a mudança de Modelo, que incorpora uma agenda de equipamentos sociais de alta qualidade a serem disponibilizados pelo poder público às comunidades num cronograma exequível, claro e negociado, aperfeiçoa a lógica do Orçamento Participativo, caracterizado por uma discussão de destinação de recursos não permeada por um projeto de longo prazo e pulverizada ao nível de pequenos projetos que efetivamente mudam pouco os destinos das maiorias. Nesse enfoque a ferramenta do Orçamento Participativo deveria ser aperfeiçoada para incorporar

a) mais recursos, (aportes estaduais e federais que poderiam entender os orçamentos municipais do OP como contrapartidas),

b) o projeto de longo prazo de Cidade que passaria a ser buscado ano a ano. através do cumprimento da agenda de equipamentos sociais a serem disponibilizados e

c) a lógica da repartição dos recursos que deveriam deixar de ser tão pulverizados e a priorizar os equipamentos estratégicos capazes de mudar efetivamente a vida das pessoas e a inaugurar nova fase de diálogo e pacto entre o poder público e as comunidades.

No plano da sustentabilidade o seminário pôde constatar que os recursos para essa atualização do modelo de presença pública nas comunidades existem. Em Natal, por exemplo, duas grandes obras, a nova ponte para a Zona Norte e as obras da avenida R. Freire em Ponta Negra, reúnem recursos superiores ao suficiente para assegurar os orçamentos necessários a uma intervenção universal, ou seja, capaz de atender a todas as comunidades, (dimensionadas por grupos de 20.000 habitantes), com intervenções em equipamentos sociais de R$12 milhões. As duas obras reúnem R$640 milhões, sendo necessários para o projeto de desenvolvimento local tão somente R$ 400 milhões.

A Carta de Natal, cuja elaboração e consolidação está prevista para o sábado 11 de abril será o documento que os movimentos sociais da cidade escreverão e a partir do qual pretendem estabelecer compromissos das autoridades públicas da cidade com os seus objetivos. Os movimentos sociais entendem que estão adentrando em luta longa.

Estão pautados como equipamentos sociais importantes para as comunidades e quase nunca disponibilizados: Bibliotecas e Centros Culturais, Ginásios Poliesportivos, Piscinas Públicas, Teatros, Alamedas, Centros de Lazer e Convivência, Sedes Modernas para os Conselhos Comunitários, Anfiteatros, Centros de Velório, Escolas de Dança e Música, dentre outros. A sua obtenção decorrerá de agenda pública a ser comprometida de forma perene como política de Estado e não como política de governo. O Seminário considera também que as comunidades no Brasil já não podem aceitar equipamentos sociais porcaria.

Mais que isso o Seminário entende que inova no Brasil e exorta os movimentos sociais e comunitários de todo o país a fazer o mesmo em suas cidades.

 

 

Ion de Andrade

Médico epidemiologista e professor universitário

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