Não temos outro planeta, por Felipe Costa

Foto: Reprodução / Pexels

por Felipe Costa

Em abril de 2007, a imprensa noticiou a descoberta daquele que seria o primeiro planeta habitável fora do Sistema Solar. De lá para cá, novos achados foram revelados. Nos últimos anos, a Nasa (Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço, na sigla em inglês), talvez a maior ‘disneylância da ciência’ em todo o mundo, insiste em divulgar ‘novidades’ sobre o assunto quase que semanalmente, como os leitores da monótona Folha de S.Paulo estão carecas de saber.

Muita gente especula de boa-fé a respeito da possibilidade de vida em outros planetas. Afinal, vivendo em um mundo como o nosso, dominado por um sistema econômico sempre em crise e tão anárquico, a possibilidade de abandonar o barco e começar tudo do zero em outro lugar soa como algo bastante atraente. Já em 2007, o renomado físico inglês Stephen Hawking (nascido em 1942) anunciava que a colonização de planetas distantes seria a única chance de salvação da ‘espécie humana’.

 

Hawking é um dos maiores físicos da atualidade, mas também dá as suas derrapadas e uma declaração como essa não deveria ser recebida sem contestação. O problema, ao que parece, é que, para boa parte da mídia, a ‘autoridade’ dele como físico – sem falar de sua aura como personagem do mundo midiático – seria suficiente para avalisar toda e qualquer opinião que ele venha a expressar sobre qualquer assunto. (A mídia brasileira faz algo semelhante, embora, na falta de personagens intrigantes como Hawking, esteja mais habituada a reproduzir e divulgar visões de mundo de gente que só pensa com os quadris.)

Na ponta do lápis

Mas, vamos ao que interessa. Quando alguém – seja um cientista brilhante, um capitão de indústria ou um escroque qualquer vestido de juiz – fala em salvar a ‘espécie humana’, cabe sempre a pergunta: a quem exatamente ele ou ela está se referindo e quais foram os critérios de inclusão adotados em sua definição de espécie humana? Todos os habitantes do planeta estariam incluídos, sejam eles do Norte ou do Sul, ricos ou pobres, ou a definição abrangeria tão somente algumas castas privilegiadas?

Para começo de conversa, vamos admitir que o pessoal que vê um futuro promissor em planetas distantes esteja agindo de boa-fé. (O sucesso da literatura escapista leva a crer que um bocado de gente pensa assim.) Vamos, então, imaginar o seguinte: a Organização das Nações Unidas (ONU), diante do agravamento da situação planetária (superaquecimento, esgotamento das fontes de água potável, surtos epidêmicos etc.) e tendo já previamente selecionado um conjunto de planetas habitáveis nas vizinhanças do Sistema Solar, decidiu pela completa evacuação da Terra. Pois bem, quanto tempo seria necessário para que tamanha empreitada estivesse concluída?

Em primeiro lugar, fixemos a população humana em 7 bilhões de indivíduos. (A rigor, o total estimado hoje é de 7,577 bilhões.) Uma completa evacuação, portanto, implicaria em retirar todos esses indivíduos. Por simplificação, vamos deixar de lado certos itens adicionais, como os animais de criação e as plantas cultivadas. Vamos admitir também que, durante todo o processo, o efetivo permaneceria inalterado. Por fim, vamos supor que a tecnologia das naves espaciais e dos combustíveis fosse tal que conseguiríamos enviar ao espaço 290 mil seres humanos por dia, durante todos os dias do ano, ao longo de muitos anos consecutivos. (Este número é ligeiramente superior ao número de passageiros que embargam diariamente no aeroporto de Atlanta [Geórgia], EUA, o mais movimentado do mundo.)

‘Nós’ e ‘eles’

O xis da questão seria então o seguinte: a um ritmo diário de 290 mil passageiros, de quanto tempo precisaríamos para enviar todos os 7 bilhões de seres humanos para outros planetas? (Em termos operacionais, vamos imaginar que os passageiros fossem escolhidos por sorteio.) Para responder a esta pergunta, precisamos dividir 7 bilhões (= 7 x 109) por 290 mil (= 2,9 x 105). O resultado nos dará o período de tempo (t, em dias), que seria necessário para esvaziar o planeta, a saber:

t = (7 x 109) / (2,9 x 105) ≈ 2,4 x 104.

Assim, seriam necessários aproximadamente 24.000 dias, o equivalente a quase 66 anos. Trocando em miúdos, para evacuar o planeta, a um ritmo alucinante de 290 mil indivíduos/dia, levaríamos quase 66 anos.

Este intervalo, no entanto, pode ser abreviado. Poderíamos, por exemplo, estreitar a definição de espécie humana – incluindo apenas ‘nós’, o 1% da população mundial que detém a maior parte dos bens e serviços; deixando ‘eles’, os 99% restantes, de fora. Neste caso, o efetivo cairia para 70 milhões e a evacuação poderia ser concluída em menos de oito meses. Outros cenários são possíveis.

Por exemplo, a ONU poderia escolher uma pequena amostra de indivíduos como os representantes da espécie no processo de colonização de planetas distantes. Quando Hawking e outros observadores, aparentemente bem-intencionados, falam em evacuar o planeta eles estão pensando tão somente nesta última alternativa – i.e., enviar uma amostra com o que há de ‘melhor’, salvando assim a ‘nossa espécie’. Não é a mais nobre nem sequer a mais sensata das escolhas, mas é em torno de opções desse tipo que os ‘donos’ do mundo planejam suas ações.

No fim das contas, a colonização de planetas distantes não resolve problema algum, exceto o problema de caixa das agências governamentais e das empresas que vivem dessa brincadeira. Podemos trocar de casa, de cidade ou até de país, mas não temos outro planeta para ir. Não seria mais sensato, portanto, deixar de lado o escapismo e passar a lutar contra a deterioração em curso nas condições de vida aqui na Terra?

[Nota: versão anterior deste artigo foi publicada no Jornal da Ciência E-mail (SBPC), em 16/5/2007; sobre o livro mais recente do autor, O evolucionista voador & outros inventores da biologia moderna (2017), ver aqui ou aqui.]

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https://jornalggn.com.br/fora-pauta/nao-temos-outro-planeta-por-felipe-costa

 

Redação

6 Comentários

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  1. A crise é da ciência. Nossa

    A crise é da ciência. Nossa ciência é desigual, colonizadora e quase totalmente voltada para o mercado. Inovar hoje significa criar produtos vendáveis e não solucionar problemas da humanidade.

    As universidades são vendedoras de títulos de nobreza e não formadores de cidadãos críticos.

    Os cientistas do terceiro mundo vão ao primeiro para aumentar a sua dependência intelectual e não para tornar o mundo pobre em mundo próspero.

    Há uma inversão de valores, uma estupidez coletiva e uma “dependência do caminho” (path dependence) que nos aprisiona na forma Ocidental de pensar ciência e vida.

    A NASA serve para distrair o público e os cientistas populares servem de idiotas úteis. A NASA deve ser o maior programa de transferência de recursos públicos para o setor privado do mundo. A viagem a marte é a imbecilidade sci-fi mais imbecil dos últimos tempos.

    O mundo estabilizou e achou a solução para a escassez..  Sem rodeios, manter o hemisférios Sul selvagem, esvaziar os territórios ricos em petréleo e gás do oriente-Médio e Ásia, e tentar sabotar qualquer chance de paz duradoura no mar Sul da China. Coube ao Brasil de Temer e classe média tola a função de capitães do mato por essas plagas que será agrícola atrasada até segunda ordem.

    A nossa ciência é vassala, periférica, mimética e sem grandes ambições, a não ser, ser aceita pela nata mundial de cientistas ocidentais.

    Ao povo brasileiro (mesmo os letrados com pós no exterior) cabe apenas um papel de expectatdor disso tudo. Apático como sempre. E quem ousa desafiar essa lógica imbecil acaba sendo regurgitado.

  2. Os comentários anteriores sao sobre este post?!!!

    O primeiro é incompreensível, o segundo é um libelo contra a Ciência… Maluquice pouca é bobagem mesmo. Mas nenhum dos 2 fala sobre a questao da possibilidade de viver em outro planeta.

  3. Maluquice pouca é bobagem

    O pessoal assiste muito filme dos EUA e depois reclama que pirou, que “as ideias não correpondem aos fatos”.

    Lamento pelos que sofrem com a perda das ilusões mas preciso:

    Primeiro que não há outro planeta habitável. E se houver, não está numa distância razoável. Se a distância vier a ser alcançável, pouquíssimas pessoas terão dinheiro para ser transportadas. E os que mais têm dinheiro são os que mais estragam o nosso planeta, seja do ponto de vista social, econômico, ecológico… o que for. Já pensou todo mundo consumindo a mesma quantidade e qualidade dos tais 1%?

    E afinal, se formos para esse impossível planeta levando o que somos hoje – e não temos nada além disso para levarmos -, quanto tempo levaremos para fuder tudo por lá, de novo?

    Se tivéssemos consciência e auto-controle suficientes para não estragar lá, se fôssemos senhores de nós mesmos nesse nível, ora… pararíamos de destruir o planeta que habitamos hoje. Vai dizer que os milionários que fariam essa viagem, chegando lá iam construir uma sociedade mais justa? Iam querer parar com a exploração depredatória, tanto da natureza quanto de seus irmãos? Iam querer que um novo planeta evidenciasse que é possível um jeito de viver sem depredação? Imagina se as pessoas comuns descobrem que é possível uma outra forma de ser: claro que se rebelariam contra os atuais “grandes líderes”. Isso na melhor – para eles – das hipóteses. Na pior das hipóteses, a turma se organizaria sem eleger “grandes líderes”, sem deixar que o poder sobre o que é comum, público, se concentrasse. E fariam isso por aqui mesmo.

    Esse papo de “outro planeta” é ilusão que os atuais concentradores de poder querem que adotemos até para que nos conformemos com o outro lado da história: o que diz que lá é possível mas que aqui, nem tentar. Aqui quem manda são eles e nós estamos fadados à carneirice. Sonhem com lá, sonhem com Shangri… lá.

  4. Por incrível que pareça é mais fácil arrumar a casa.

    Quando se coloca falsos problemas aparecem soluções também falsas.

    Primeira coisa, é que estamos muito longe da Terra se tornar inabitável, segunda observação, já nos dias atuais temos tecnologia para transformar este planeta em algo agradável para TODOS.

    Mesmo que a Terra chegasse a 10 bilhões de pessoas, com o emprego da tecnologia existente e a que será inventada, é possível DENTRO DE UM SISTEMA POLÍTICO IGUALITÁRIO, transformar este mundo em algo tremendamente agradável para todos. Vamos tentar explicar melhor.

    O problema principal do planeta é a energia e voltarei no fim do texto como isto pode ser resolvido. Se tivéssemos energia  abundante e barata para as funções principais na vida da humanidade, seria possível com esta energia várias coisas que nos atormetam nos dias atuais.

    Com energia abundante e barata seria possível promover a reciclagem de resíduos, a dessalinização da água, uma agricultura orgânica e sustentável, construção de casas, hospitais e escolas para todos e dar diversão saudável e agradável para a humanidade.

    O que tranca tudo é o CAPITALISMO e seu irmão o LIBERALISMO, pois a base do renacimento da nossa civilização está no fim do desperdício de gastos suntuosos de opções individuais sendo substituídas por opções coletivas, um exemplo primário e emergencial a habitação é que a quantidade de casas e residências em que moram uma ou duas pessoas (com a sua criadagem), ou mesmo que são reservadas para usos eventuais, já é o suficiente para alojar grande parte da população humana sem abrigo.

    O uso da terra (aqui no sentido solo) de forma correta com o aproveitamento de mão de obra maciça permitiria uma produção de alimentos orgânicos sem perda de solo, deixando todos bem alimentados e saudáveis.

    Quanto a questão da superpopulação é uma grande falácia, eu cito por exemplo na cidade de Porto Alegre quando o PT começou a fazer uma política de habitação popular, não amontoando pessoas, mas sim construindo pequenos núcleos habitacionais em poucos anos (estou dizendo menos de uma década!) se verificou que sem nenhuma política específica de controle familiar, o número de filhos por casal começou a cair vertiginosamente, ou seja, tendo condições humanas as pessoas se comportam como humanos.

    Quanto a energia, é uma questão de menos de uma década para que a energia solar se torne abundante e barata, centenas de grupos de pesquisa em todo o mundo estão no limite de produzirem células eletro voltaicas que por exemplo fossem postadas no Saara, dessalinizada a água do Mediterrâneo e bombeada para o Sahel teria condições de alimentar toda a Europa e a África.

    Em resumo, se fosse permitido que a potencialidade aflorasse, teríamos em 100 anos uma sociedade próspera, sustentável e feliz para todos. O único problema é o político e enquanto pessoas gastarem fortunas em Iates de 100 metros de comprimento para se deleite de algumas semanas por ano, nada se resolve, nem na Terra nem em outro planeta.

  5. Se até lá o homem não tiver aprendido. . .

    A ideia não é levar todo mundo, mas algumas pessoas para que os humanos formem uma nova civilização em outro planeta. Se não for por problemas de esgotamento de recursos, por poluição, por aquecimento global, pode ser por um problema ainda longínquo, mas inevitável, daqui há um milhão de anos o sol começará um processo de esfriamento e como disse um almirante da marinha num curso de Energia Alternativa que fiz na década de 80: “Se até lá o homem não tiver aprendido o caminho das estrelas não merecerá ter sobrevivido”

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