Ion de Andrade
Médico epidemiologista e professor universitário
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Os movimentos sociais e o novo ciclo de governança que surge

Nos idos da ditadura os movimentos sociais tiveram papel crucial na materialização de uma ideia força, o Estado democrático de direito, que estava além de suas bandeiras específicas múltiplas. A democratização do Estado era como que o mantra comum que tornava inteligível as lutas específicas como parte de um mesmo projeto.

Nos contemporâneos doze anos de governos populares, Lula/Dilma, os movimentos sociais sofreram processo de relativo “esvaziamento” dada a necessidade de quadros para a gestão da máquina estatal que buscou nos quadros de sindicatos, associações, ONGs, etc os novos responsáveis pela gestão pública.

Este movimento natural e benéfico, por trazer o compromisso histórico destes quadros para a área governamental, se dobrou entretanto de um enfraquecimento da autonomia dos movimentos sociais que foram magnetizados pela catarse da possibilidade de avanços sociais por meio da governança do Estado. De fato muitos avanços ocorreram e vêm ocorrendo, mas o passivo do enfraquecimento relativo dos movimentos sociais e de sua relativa eprda de autonomia, compreensíveis dado o processo vivido pela sociedade brasileira, emergem como ameaças ao alcance da própria experiência de governos populares no médio e longo prazo, por perda de substância.

Quero dizer com isto que o poder popular foi o filho dos movimentos sociais, que funcionaram e funcionam como células matrizes da experiência política deste ciclo de formação do poder popular que passa capilarmente pela mobilização e formação de uma cidadania a partir de experiências de lutas temáticas, locais e econômicas para as outras gerais, universais e políticas. Esta cadeia foi enfraquecida, deve ser recuperada e a recente inclinação da CNBB para um novo ciclo de Comunidades Eclesiais de Base, aas CEBs, vem em boa hora, por terem exatamente este papel pedagógico de levar a singularidade à universalidade.

Em outras palavras o poder governamental alimentou-se do chão fértil preparado pelos movimentos populares, mas consumiu-lhe os nutrientes e é hora de pensarmos em adubar de novo este chão como importante pré-condição ao desenvolvimento do ciclo que se ergue no horizonte, cuja única chance de ser longevo virá do atendimento às reinvindicações autênticas de movimentos sociais autônomos frente á governança do Estado. A autonomia dos movimentos sociais não significa que não saberão reconhecer as diferenças na política. Obviamente a autonomia é a salvaguarda estratégica que alimenta governos populares aos quais, entretanto, os movimentos não podem estar rendidos. De fato para além da vaidade que é gerada no exercício da política partidária, os movimentos sociais desempenham papel germinal, mais alto e mais estratégico. Ainda que repouse sobre os partidos da esquerda o papel de conceber as políticas mais gerais que dão forma e exequibilidade aos anseios dos movimentos sociais, é bom que se diga que eles (os partidos) é que devem estar a serviços desses últimos (0s movimentos) e não podem em nenhuma circunstância arvorar-se á condição de serem seus chefes.

Tudo isto significa que os movimentos sociais precisam voltar à luta por uma nova bandeira geral que ocupe o papel que a bandeira representada pelo Estado democrático de direito ocupou durante a ditadura, ou seja reatar nós com um projeto de sociedade que seja o continuador dessa primeira conquista e lhe d~e alcance e conteúdo.

Quero crer que este projeto de sociedade, que aprofundei em artigo anterior publicado no ggn (Hegemonia, enfrentamento da miséria…) é hoje o do Estado de bem estar social, aquele onde as políticas sociais não somente terão galgado irreversibilidade absoluta, mas terão sido expandidas para novas áreas da cultura, dos esportes, da beleza urbana, da paz social.

Os movimentos sociais, para além das suas bandeiras específicas, devem mostrar ao mundo da política o que querem como bandeira estratégica comum e, feito isto, optarem por quem possa vir a ter melhores condições de implementar o que desejam. Como na época da ditadura, as bandeiras específicas e as gerais devem fazer um todo único que se retroaimenta e é innegociável. A esquerda partidária por seu turno deve estar atenta aos movimentos sociais para servi-los, não somente no atendimento das suas bandeiras específicas como também na discussão destas bandeiras gerais com quem compartilham papel de elaboração e a responsabilidade executiva.

Se os movimentos sociais no Brasil novamente se mobilizam desta vez pela consolidação e ampliação do Estado de bem estar social (que nem bem surgiu e já se vê agredido e ameaçado pela direita), teremos retomado, numa etapa mais alta, o fecundo dipolo que propiciou o primeiro governo Lula: um movimento social que sabe o que quer e um governo que bebe da sua fonte para viabilizar a árdua tarefa de construir a sociedade e terminar de curar o Brasil de tantas mazelas.

Sem os movimentos sociais a alta política se converte na trágica peça teatral menor da troca interesseira de favores entre camarilhas cada vez mais autocentradas e vis. 

Ion de Andrade

Médico epidemiologista e professor universitário

17 Comentários

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  1. Falta o povoa favor.
    Falta os movimentos sociais serem parte deste governo.
    E estarem prontos para por o povo na rua a favor deste governo.
    Fora isso, será o de sempre:
    a extrema esquerda e sua proposta de mudança revolucionária combatendo a esquerda democrática e sua proposta de mudar o sistema por dentro.
    Não seria a primeira vez em que a extrema esquerda se aliaria à direita para combater a esquerda democrática em uma tática do “quanto pior, melhor”.

  2. O atual Governo é um Movimento Social

    O próprio Governo é um grande movimento social, organizado pelo PT (a partir de sindicatos de trabalhadores) e aliados. As reivindicações populares são canalizadas e representadas por este Governo, que luta pela implementação destas reivindicações, contra os poderes paralelos existentes. O Governo sempre será a favor dos movimentos sociais e, portanto, os movimentos sinalizam caminhos e colaboram dando força à sua materialização, como aconteceu em Junho passado, com o dinheiro do pré-sal para educação e o Mais Médicos (médicos cubanos).

    1. Olá Alexis,
      em parte vc tem

      Olá Alexis,

      em parte vc tem razão, e eu assumo esta ideia no artigo, houve uma mistura de raizes entre o govero e os movimentos sociais. O problema é que este ciclo está se exaurindo e precisa ser renovado. Na outra ponta o governo tem também interfaces com outras forças políticas conservadoras, que elas também, conseguem emplacar os seus projetos e representantes. Se os movimentos sociais estiverem fracos eles se tornam ainda mais fortes do que já são. Se se fortalecem e conseguem polarizar os rumos das políticas, a nau ganha rumo.

  3. Prezados e prezadas,
    Boa

    Prezados e prezadas,

    Boa proposta de debate.

    Há, na minha pequena compreensão, um erro conceitual no texto, quando restringe o esvaziamento dos movimentos sociais organizados típicos ao recrutamento pelo governo e pelos agentes de Estado, dada a consolidação de governos populares em diversos níveis, principalmente na esfera federal.

    Não é só isto.

    O esvaziamento se deu em maior parte pelo processo de desmonte das esferas políticas de intervenção no período que começou em 1980 (era Reagan/Tatcher), e que se espalhou pelo mundo, dessembocando aqui com o período Collor, Itamar e FHC.

    Ou seja, foi uma fragorosa derrota política, potencializada simbolicamante pela queda dos regimes socialistas, e com o triuunfo das teses anti-Estado da época, que por certo, desintegraram economicamente as bases conhecidas destes movimentos e que alimentavam os vínculos de solidariedade política setorial, como sindicatos, associações de bairro, etc.

    As forças conservadoras deslocaram o eixo da luta deste movimentos para a primitiva disputa pela sobrevivência mais elementar.

    É esta ingrediente que represou a recuperação mais acelerada dos movimentos sociais, ainda que estivesse sob governos populares, e onode suas demandas estivessem sendo satisfeitas.

    Aliás, este é outro problema da agenda setorial: formular conceitos mais amplos daqueles que motivam sua existência quando estes motivos deixam de existir ou são incorporados na agenda estatal.

    Outra visão do texto que não concordo é tomar como certa a inclinação dos movimentos sociais para a esquerda, quando cobra dos governos de esquerda que sirvam a estes movimentos, e que “bebam em sua fonte” de capital político.

    A dinâmica da sociedade e dos interesses de classe nem sempre permitirão que movimentos setoriais vocalizem bandeiras gerais e específicas que apontem para a esquerda, e esta inclinação deve estar em permanente disputa dentro os setores de esquerda que militam neste movimento, caso contrário, poderão ser surpreendidos.

    O caso dos médicos e o Mais Médicos é exemplo claro disto, sendo certo que estes sindicatos sempre estiveram historicamente ligados a esquerda, mormente aqueles grupos ligados ao setor público.

    Outro caso clássico é o enfrentamento dos setores de defesa dos direitos indígenas e as intervenções de infraestruturas, onde os interesses dos grupos atingidos acabam por reunirem-se com a agenda conservacionista, onde se escondem os interesses capitalistas e até de países rivais.

    A posição de grupos LGBT (pelo menos os que estão representado aqui no blog) e as demandas de estabilidade parlamentar do governo é outro problema.

    Enfim, todas estas relações têm que estar em permanente construção e reavaliação.

    Assim como a conjuntura mudou para governos e movimentos sociais, devem ser repensados os limites desta interlocução.

    Se os movimentos sociais querem se servir dos governos, também devem servir aos propósitos que este governo defende, sacrificando quando necessário as suas pautas particulares.

     

    Saudações a todos.

  4. para que ocorra uma transformação profunda…

    é preciso que cada coisa aconteça no seu devido tempo…………..

     

    tudo o que não seguir por aí tenderá para o extremismo, direitista ou esquerdista, onde sempre e só encontraremos bloqueios políticos de oportunistas ávidos de reconhecimento popular e de vangens e obstáculos jurídicos

     

    broncas e reivindicações, sendo justas e necessárias, mais importante que esse acontecimento externo é ter tempo para atender, o que, em comentário anterior sobre economia, chamei de crescer lateralmente

  5. Deixados de lado

    Muitos movimentos estão colocados de lado pelo atual governo, tais como MST, dos sem teto, e principalmente os  dos sem nada! São considerados pelo atual governo como muito agressivos e revolucionários, pois não estão dispostos a aguardar as coisas acontecerem devagar. Quem tem fome, sem casa, sem terra e principalmente sem nada, inclusive instrução para reclamar, não dá para esperar mais nada, pois morrerão antes disto. O PT não é mais um partido REVOLUCIONÁRIO E EM MUDANÇAS e sim um partido já bastante estático e acomodado a poder. Sempre confirmo quanto critico o PT, sempre votei e continuo votando no PT, pois não há melhor opção!

  6. é preciso considerar a reação natural dos “sem algo”…

    recentemente, aqui no RJ, tivemos um exemplo do que pode estar acontecendo e confundindo muita gente

     

    casas desocupadas e demolidas, donos indenizados e transferidos, e a área foi ocupada novamente por terceiros

     

    e o que aconteceu primeiro a velha mérdia não mostrou

     

    tanto é natural a reação que já estão estudando uma forma de atender os novos ocupantes

     

    e assim vai e acontece por todo Brasil

    1. há que se considerar também o movimento dos “inscritos”

      dos inscritos em lista para obtenção de algo………………….

       

      nestes é que atuam os oportunistas que mencionei anteriormente, convencendo-os de que não são obrigados a esperar

  7. lenda urbana

    “os movimentos sociais sofreram processo de relativo “esvaziamento” dada a necessidade de quadros para a gestão da máquina estatal que buscou nos quadros de sindicatos, associações, ONGs, etc os novos responsáveis pela gestão pública.”

    A velha lenda urbana sobre a grande qualidade técnica dos quadros petistas…

    …Ah!meus tempos de UERJ…

    … A estrelinha petista em duas versões – vermelhinha e branquinha…

    (Em certa época, houve também o namoro entre a estrelinha e a borboletinha do Gabeira.)

    Fala sério, Ion. Isso é conversa pra boi dormir!

    Se há esvaziamento dos movimentos sociais,  deu-se, sobretudo, pelas alianças que o Lula empreendeu para acalmar os grupos dominantes e não por falta de quadros.

    Ainda me lembro que, no auge do Escândalo dos Atos Secretos do Senado, um repórter perguntou ao então presidente da UNE, após este sair de uma reunião com Lula, o que ele achava da crise. Ele respondeu que o problema do Senado não era uma questão que dissesse respeito aos estudantes…

    Sabem qual é hoje a grande bandeira política da UNE?

    A meia entrada para os estudantes.

    “Em outras palavras o poder governamental alimentou-se do chão fértil preparado pelos movimentos populares, mas consumiu-lhe os nutrientes (…).”

    Cuidado com essas metáforas agronômicas. Daqui a pouco aparece um gaiato pra dizer que o poder governamental é um parasita.

    “camarilhas cada vez mais autocentradas”

    Estaríamos falando de mensalões e quejandos?

    Lula, no documentário ENTREATOS – do João Moreira Salles – , disse que nunca se acostumou com o macacão, mas com o terno foi rapidinho…

    Há quem diga que Lula ampliou o antigo peleguismo manufatureiro dos sindicatos, colocando-o em uma escala verdadeiramente industrial, que hoje abarca toda a sociedade brasileira.

    Afinal de contas, convencer a massa de que Copa do Mundo e Olimpíadas são mais necessárias que um verdadeiro projeto de superação de nossas inúmeras mazelas é um notável trabalho de manipulação ideológica.

    Declaração de Frei Betto, há alguns anos:

    “O governo Lula tinha duas pernas de governabilidade. O movimento social e o Congresso. Infelizmente, o governo Lula fez opção pelo Congresso. Os movimentos sociais não são importantes para a estratégia de governabilidade do governo Lula. Com muita dificuldade conseguem ter audiência com algum ministro. São escutados como favor. E não como parceiros”

    http://agencia-brasil.jusbrasil.com.br/noticias/2078040/para-frei-betto-falta-articulacao-entre-movimentos-sociais-e-o-governo-lula

    “O que fazer então para contornar este armadilha hipnótica que a direita põe sobre nós?”

    Ion, a verdadeira armadilha hipnótica é o engodo petista de fazer crer que existe no Brasil um real enfrentamento entre esquerda e direita – seja lá o que signifiquem esses termos.

    1. perfeito comentário.
       
      poder

      perfeito comentário.

       

      poder popular não existe enquanto o um governo “fizer o favor” de representar os movimentos sociais, sentados nas cadeiras acolchoadas dos parlamentos. O que o governo Lula/Dilma faz é tecnologia de cooptação. A prova disso é Junho. Os movimentos sociais autonomos puxaram as manifestações, os coxinhas tomaram as ruas e as “massas” beneficiadas pelo Bolsa Familia e movimentos sociais de base do governo não juntavam nem um bloquinho de carnaval para mostrar a força popula deste governo, que é nenhuma. Tem força no voto, no marketeiro e na arrecadação de campanha. Ah, e na arrecadação de dinheiro para a multa do Genoino. Mas cadê as massas que vão às ruas para defender “os avanços” do governo Petista. Talvez se juntar todos os comentaristas de blog progressista dê para tomar uma pista da Av. Paulista. Esse governo tem interesse em encher o bolso das pessoas de dinheiro (primeiro os bancos, depois o trabalhador), agora, politizar as pessoas? Vai que isso incomoda gente importante… movimento social bom é movimento social sentado na mesa em reunião para ficar balançando a cabeça afirmativamente; rua é coisa de vândalos golpistas em aliança com a direita.

    2. Dúvidas.

      Prezado, seu comentário é deveras interessante e me deixou crivado de dúvidas, vamos a elas:

      (…)

      “Se há esvaziamento dos movimentos sociais,  deu-se, sobretudo, pelas alianças que o Lula empreendeu para acalmar os grupos dominantes e não por falta de quadros.

      Dúvida: O processo de desregulamentação da economia (e dos direitos sociais), e do enfraquecimento do poder de pressão dos sindicatos nas décadas de 80/90, o desmonte do Estado, e todos os efeitos conhecidos do Consenso de Washington não tiveram nenhuma influência neste esvaziamento? Foi tudo culpa do Lula? E como explicar o retrocesso destes movimentos ao redor do planeta? Foram os acordos do Lula com os grupos dominantes daqui que contaminaram os movimentos sociais da Europa, EEUU ou dos nossos vizinhos?

      “Ainda me lembro que, no auge do Escândalo dos Atos Secretos do Senado, um repórter perguntou ao então presidente da UNE, após este sair de uma reunião com Lula, o que ele achava da crise. Ele respondeu que o problema do Senado não era uma questão que dissesse respeito aos estudantes…”

      Dúvida: Pelo que me lembro a UNE é dominada pelo PC do B desde a décade de 90, será que o PT e Lula também deveriam determinar o que estas lideranças deveriam dizer?

      “Sabem qual é hoje a grande bandeira política da UNE?”

      Dúvida: Qual seria a grande bandeira da UNE hoje? Abertura de novas vagas? Melhoria das condições de acesso? Políticas afirmativas? Bolsas ao exterior? Financiamento para quem não pode custear seus estudos? Um sistema de acesso mais justo? Uai, mas não tem isto tudo? Qual seria a bandeira?

      (…)

      “A meia entrada para os estudantes.”

      Dúvida: A questão de democratização de acesso a bens culturais não é um fato relevante para ser colocado em pauta? Ou deveria a UNE marchar contra a corrupção, e pela condenação dos réus da ação 470, junto com o movimento coxinha?

      (…)

      “Lula, no documentário ENTREATOS – do João Moreira Salles – , disse que nunca se acostumou com o macacão, mas com o terno foi rapidinho…”

      Dúvida: Deveria Lula estar usando macacão até hoje? Ou dizer que prefere usá-lo ao invés de usar terno? Seria isto que lhe conferiria um viés de classe autêntico?

      “Há quem diga que Lula ampliou o antigo peleguismo manufatureiro dos sindicatos, colocando-o em uma escala verdadeiramente industrial, que hoje abarca toda a sociedade brasileira.”

      Dúvida: Quem disse isto entende algo de peleguismo, de sindicato ou de sociedade brasileira? Tem certeza que se trata da opinião de alguém que viveu por aqui desde a década de 80, com a criação da maior central sindical da América Latina e uma das maiores do mundo?

      “Afinal de contas, convencer a massa de que Copa do Mundo e Olimpíadas são mais necessárias que um verdadeiro projeto de superação de nossas inúmeras mazelas é um notável trabalho de manipulação ideológica.”

      Dúvida: Qual pesquisa ou estudo científico comprovam que a “massa”(seja lá o que isto signifique, deve ser algo como “mercado” ou “opinião pública”, sei lá) está convencida que os eventos são mais importantes que superar as mazelas estruturais? Já que se trata de um provável chute, não seria um ponto a se considerar que a “massa” esteja enxergando que os problemas (mazelas) estão sendo atacados, e que a existência ou não destes eventos pouco ou nada têm a ver com o ritmo da superação? Em que texto, discurso ou ação de governo ficou evidente que estamos trocando hospitais, escolas por estádios? Qual Universidade deixou de ser aberta ou deixou de funcionar porque há Copa e Olimpíada? Qual foi o valor do orçamento da saúde subtraído para financiar os equipamentos dos eventos? Os estádios e outras intervenções são financiadas por dinheiro do Tesouro ou do orçamento, ou são empréstimos do BNDES(par), dinheiro de natureza privada (fundo misto) ainda que gerenciados pelo banco estatal?

      Declaração de Frei Betto, há alguns anos:

      “O governo Lula tinha duas pernas de governabilidade. O movimento social e o Congresso. Infelizmente, o governo Lula fez opção pelo Congresso. Os movimentos sociais não são importantes para a estratégia de governabilidade do governo Lula. Com muita dificuldade conseguem ter audiência com algum ministro. São escutados como favor. E não como parceiros”

      Dúvida: Quantos deputados os movimentos sociais elegeram no período entre 2002/2014? O que desejam, preferência? Uai, isto não é política? E como se faz política, por caridade ou pelo reconhecimento “tácito” de que alguns setores “merecem” mais atenção que outros? Quem representa mais o povo, os movimentos sociais setoriais ou o Congresso? Uai, se eles (os movimentos sociais) representam mais, por que não elegem mais representantes?

      Mas vamos a pauta geral dos movimentos sociais desde então: Aumento real do salário mínimo, inclusão social, emprego, recuperação das carreiras do funcionalismo público, investimento na Petrobras, diminuição do déficit habitacional, etc, etc, etc. Pergunto: o governo não recebeu os movimentos, mas atendeu a estes pleitos? Ou melhor: em qual outro governo estas demandas foram atendidas?

      “Ion, a verdadeira armadilha hipnótica é o engodo petista de fazer crer que existe no Brasil um real enfrentamento entre esquerda e direita – seja lá o que signifiquem esses termos.”

      Dúvida: Uai, se não existe este enfrentamento, e tudo é um engodo petista, por que este governo e este partido apanha diuturnamente da “direita” (entre aspas, porque ela não existe, certo?). Uai, mas então por que os “verdadeiros” atores não estão em cena? Quer dizer que o PT tem o poder inclusive de mandar que outros finjam ser o que não são? Joaquim Barbosa, Miriam Leitão, Ali Kamel, os Marinho, os Civita e os Frias, etc, etc, etc estão todos compactuados a criar uma dimensão de disputa política que não existe, ou seja, só existe para “hipnotizar” a massa, é isso?

      É, pode ser, quem sabe.

      1. Por Tutatis e Belenos
        SEMEANDO MAIS DÚVIDAS…
        “deu-se, sobretudo”
        Por Tutatis! Atenta para o “sobretudo”; não se trata de uma partícula meramente retórica.
        “Foram os acordos do Lula com os grupos dominantes daqui que contaminaram os movimentos sociais da Europa, EEUU ou dos nossos vizinhos?”
        De modo algum; Lula é o cara mas não tem esse poder. Ele apenas surfou na onda neoliberal.
        A propósito, em que pé ficou aquele ACORDO COLETIVO DE TRABALHO COM PROPÓSITO ESPECÍFICO, elaborado pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC? Será que o Sardenberg e o Merval não o aplaudiriam?
        Segue abaixo um trecho da entrevista com Andréia Galvão sobre o sindicalismo no ABC paulista:
        “Não é que sua pauta não incorpore um conteúdo político. O conteúdo político é dado por aquilo que cabe no projeto neodesenvolvimentista do governo: um neodesenvolvimentismo que revaloriza o papel do Estado e do investimento público, mas que é profundamente marcado pelo neoliberalismo. Assim, o sindicalismo não luta efetivamente pela reversão do processo de flexibilização de direitos verificado nos anos 1990, não luta contra a lógica mercantil e individualizante propagada pelo neoliberalismo, assume a heterogeneização dos trabalhadores e a segmentação do mercado de trabalho como um dado e, com exceção da política de valorização do salário mínimo e da campanha pela redução da jornada para 40 horas semanais, não aproveita a conjuntura econômica favorável para pressionar o governo a consolidar e ampliar os direitos universais.”
        http://advivo.com.br/blog/antonio-ateu/debate-a-discussao-camuflada-do-acordo-coletivo-especial

        “Pelo que me lembro a UNE é dominada pelo PC do B desde a década de 90, será que o PT e Lula também deveriam determinar o que estas lideranças deveriam dizer?”
        (Em rigor, a hegemonia do PC do B na UNE vem, no mínimo desde os anos 80. Naqueles tempos, o braço komsomol do PC do B se chamava “Viração”.)
        Obelix, há quanto tempo o PC do B segue na aba petista?
        Dizer que o governo petista não tem ingerência na UNE é somente um pouquinho menos que afirmar que o Ministério dos Esportes não faz parte do governo.
        Por Belenos! Tu achas que aquela indenização de 30 milhões de reais para a UNE não tem contrapartida?

        “Uai, mas não tem isto tudo? Qual seria a bandeira?”
        Por Tutatis! O povo é mesmo ingrato: na maior das manifestações de junho de 2013 – realizada na Presidente Vargas, aqui no Centro do Rio – a rapaziada do komsomol foi gentilmente obrigada a recolher a bandeirinha.
        Foi bem ali na altura do Campo de Santana. Eu estava lá, vi e adorei.
        Donde se vê que não sobrou apenas para o vermelho: a bandeira da UNE é quase toda azul.

        -“A questão de democratização de acesso a bens culturais não é um fato relevante para ser colocado em pauta?”
        Pois é, o “coxinha” estuda na PUC, paga meia no cinema do shopping e ainda cai de pau na UNE…
        Gente mal agradecida.
        “Ou deveria a UNE marchar contra a corrupção, e pela condenação dos réus da ação 470”
        Por Belenos! É, sem dúvida, uma proposta revolucionária. Valia a pena colocar em votação.
        Tal evento eclipsaria a einsensteinica sublevação da marujada do Potemkin.
        (Cuidado, Obelix.Vai por mim: nestes tempos bicudos, é melhor não ficar dando ideia pra rapaziada.)

        -“Deveria Lula estar usando macacão até hoje? Ou dizer que prefere usá-lo ao invés de usar terno? Seria isto que lhe conferiria um viés de classe autêntico?”
        Diz que um dia, lá no começo dos anos 80, numa reunião do PT com o PSDB para apoiar um candidato comum numa eleição paulista, o Henfil, depois de atentar para o solado imaculadamente limpo dos sapato de um dos participantes, chamou Lula prum canto e confidenciou que não dava pra confiar no compromisso do tal sujeito com as demandas do povão.
        Os pés dentro dos sapatos eram do Fernando Henrique.
        No mais, é aquilo: com justa razão, a classe trabalhadora quer mesmo é deixar de ser trabalhadora. Dou toda força.

        -“a criação da maior central sindical da América Latina e uma das maiores do mundo”
        Isso foi láááááá nos anos 80. O peleguismo pós-manufatureiro e em escala industrial consagra-se com Lula na presidência.
        Posso me enganar, mas, se bem me lembro, o PT e a CUT passaram a década de 80 invectivando a Força Sindical como defensora demoníaca do “sindicalismo de resultado”.
        Há muito, o termo caiu em desuso. Talvez a prática tenha se tornado tão natural e corriqueira que já nem carece de lembrar o nome.

        -“Qual pesquisa ou estudo científico comprovam que a “massa”(seja lá o que isto signifique, deve ser algo como “mercado” ou “opinião pública”, sei lá) “
        (Tanto “massa” quanto “povo” não têm definição precisa. Nem por isso o povo, o tempo inteiro, deixa de estar na boca dos petistas. Nem mesmo “classe social” é um conceito estritamente científico.)
        E alguém é besta de arriscar uma tal pesquisa?
        Obelix, deixa quieto, para de dar ideia…
        -“está convencida que os eventos são mais importantes que superar as mazelas estruturais?”
        Se for o caso, seria um insofismável indicativo do absoluto sucesso da manipulação ideológica.
        -“Em que texto, discurso ou ação de governo ficou evidente que estamos trocando hospitais, escolas por estádios?”
        Tomara que jamais tenhas que dar entrada no Hospital Geral de Bonsucesso e quejandos , Pindorama a fora.
        -“são empréstimos do BNDES”
        Por Júpiter!agora sou eu o assaltado por dúvidas…
        Donde vem o dinheiro do BNDES?
        Apenas as empresas privadas captaram empréstimos com o BNDES?
        Os estados não pegaram empréstimos?
        Se os estados pegaram empréstimos, quem pagará a conta senão o contribuinte?
        Renúncia fiscal não é dinheiro público?
        As obras da Copa do Mundo e das Olimpíadas limitam-se a estádios , ginásios, piscinas , velódromos etc?
        Quem determinou as prioridades nas obras de infra-estruturas? O contribuinte?
        Um caso particular: já que a média de público no campeonato amazonense, nos últimos anos, é de umas poucas centenas de testemunhas, por que então a Arena da Amazônia terá capacidade para 42.374 espectadores? Avaliar projeto, antes de conceder empréstimo, não é obrigação do BNDES?
        (Sei lá, de repente transferem para lá o Festival de Parintins.)

        -“Quantos deputados os movimentos sociais elegeram no período entre 2002/2014? O que desejam, preferência?”
        Por Tutatis!eu julgava que o Lula tinha sido eleito presidente também pelos movimentos sociais.
        Me enganei.
        Não obstante, vejo que igualmente discordas da tese do Ion; já que, para este, o PT é um manancial de guerreiros calejados e provados nas renhidas batalhas dos movimentos sociais.
        Nassif, lá em 1994:
        “O PT foi o primeiro partido brasileiro criado a partir das organizações sociais, com o compromisso de montar estruturas não-governamentais de controle do Estado.”
        http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1994/9/30/dinheiro/7.html
        -“alguns setores “merecem” mais atenção que outros”
        No caso particular em questão, que setores seriam esses?
        A famiglia Sarney? O agronegócio? As construtoras? Quem, enfim?
        -“Quem representa mais o povo, os movimentos sociais setoriais ou o Congresso?”
        Sobre a crise de representatividade, assim posicionou-se o próprio Diretório Nacional do PT, em reunião de 29 de julho de 2013:
        “As manifestações não tiveram pauta trabalhista, como emprego e
        renda. A maioria das pessoas, além de repudiar a violenta repressão
        policial ocorrida, pedia qualidade na mobilidade urbana, na Saúde e
        Educação públicas, manifestavam um sentimento de não representação pelos partidos e governos”(…)
        “Politicamente, a principal indicação das ruas em junho foi a rejeição
        popular às instituições herdadas da transição conservadora à
        democracia e, de maneira geral, à conduta predominante entre os
        políticos profissionais.” (itálicos acrescentados)
        -“Miriam Leitão, Ali Kamel, os Marinho, os Civita e os Frias, etc, etc”
        Implacavelmente acossado pelas hostes da direita retrógrada, o PT busca reforço e aliança junto aos representantes das forças progressistas da sociedade brasileira: famiglia Sarney, Edir Macedo e IURD, Romero Jucá, Renan, Collor, Garotinho, Cabral Júnior, Maluf, Feliciano etc etc…
        Praticamente, em termos de partidos para contrair alianças, os dois únicos que não prestam são o PSDB(paulista) e o DEM. O restante vale tudo.

        En passant.
        Obelix, olha só o que disseram do PT, lá nos idos de 1996.
        “No fundo, o PT é muito parecido com o Brasil.
        Tem saltado aos olhos campanhas de dirigentes do partido, eleitoralmente inexpressivos, com gastos muito acima da média partidária. Não será coincidência se o financiamento provir de corporações estatais anacrônicas. O partido pagou a conta de ter substituído o discurso da cidadania pelo do corporativismo. Mas os dirigentes garantiram o seu.
        No fundo, as práticas políticas internas do PT são filhas diretas da mesma estrutura mental que gerou coronéis nordestinos e toda a tradição corporativista brasileira.”
        http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1994/9/21/dinheiro/8.html
        Por Belenos… de lá pra cá, será que mudou muita coisa?
        Aposto que a grande maioria dos “nutrientes” está é bem nutrida.
        E que o céu lhes sobre a na cabeça.

  8. Existe uma capa da Veja,

    Existe uma capa da Veja, histórica, que trazia um bicho de três cabeças representando Marx, os outros dois não lembro, acho que eram Lenin e Stalin. Este monstrengo eram os tais dos “radicais” do PT, um risco a instabilidade institucional do país criada por FHC, péssima companhia ao partido recém chegado ao poder.

    Pois, claro, “Lulinha paz e amor” a elite não gosta, mas pelo menos tolera. Veja trucou: os laços, frágeis, podem se romper, caso Lula e o PT não se livrassem dos “amigos incômodos”, que no caso seriam os movimentos sociais mais combativos, os sindicatos menos pelegos e os militantes mais exaltados.

    O resto é história, que pôde ser comprovada na capacidade de mobilização reduzida do “Dia Nacional de Lutas”, ou do sumiço do MST do noticiário no pior ano para a reforma agrária desde a redemocratização.

    Cada um que faça a leitura e releitura que quiser, mas este processo de constante esvaziamento dos movimentos sociais outrora combativos é muito mais causa do que consequência. Lula precisava da confiança dos investidores internacionais, da banca, da mídia, do Congresso, enfim, de todos os poderes, oficiais e paralelos, e por isso, calculosa e meticulosamente, tirou estes amigos incômodos das ruas e colocou-os em belas salas refrigeradas em Brasília.

    A perda de musculatura destes protagonistas submeteu o PT/governo federal, exclusivamente, a política institucional para governar, o que o torna cada vez mais dependente do apoio da direita/ruralistas/financistas/coronés regionais para sua própria sobrevivência. Tanto que o PT hoje, ironicamente, é o partido que mais morre de medo do povo nas ruas, pois ciente de que a última década operou em desmoralização e/ou esvaziamente de movimentos sociais amigos.

     

  9. Será que

    Será que alcançamos/conquistamos, de fato, a bandeira do Estado Democrático? O fim da ditadura e a reconquista das chamadas liberdades democráticas representou a Democratização do Estado? Quem manda mesmo no Estado Brasileiro? O deserto neo-liberal e seu estado mínimo inviabiizaram as possibilidades de Democratização do Estado? Por que os governos petistas não ajudaram a fortalecer a cultura crítica e contra-hegemônica na sociedade brasileira? Por que a quantidade de reacionários evangélicos crescem como ervas daninhas? A democracia alcançou as reformas da propriedade das terras rurais e urbanas? Por que os movimentos populares dos bairros periféricos das grandes cidades estão acuados e o crime organizado e desorganizado manda e desmanda na imensa maioria desses locais? Por que os partidos estão dominados, cada vez mais, por bandidos de toda a espécie? Por que mesmo centenas de milhares de brasileiros foram às ruas em Junho de 2013? E por aí vai …

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