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As sanções à Rússia e o sistema monetário internacional: para onde caminhamos?, por Adriano Vilela Sampaio

Estima-se que o bloqueio tenha atingido cerca de 40% dos ativos do Banco da Rússia, o que comprometeu consideravelmente sua capacidade de intervir no mercado cambial.

Presidente da Rússia, Vladimir Putin Créditos: Marcos Corrêa/PR

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As sanções à Rússia e o sistema monetário internacional: para onde caminhamos?

por Adriano Vilela Sampaio

A acumulação de reservas foi uma estratégia comum a diversos países emergentes após as crises financeiras das décadas de 1990 e 2000. A lógica dessa estratégia é relativamente simples. Ao dispor de moedas “fortes” (principalmente dólar, mas também euro, iene, libra, franco suíço, etc.) e até mesmo ouro, os bancos centrais conseguem intervir no mercado de câmbio em momentos críticos, evitando grandes desvalorizações. As reservas também funcionam como uma sinalização positiva aos investidores internacionais, pois mostram que o país tem condições de honrar seus compromissos em moeda estrangeira.

No caso da Rússia, suas reservas eram US$630 bilhões ao fim de janeiro deste ano, entre as maiores do mundo. Para se ter uma ideia, pelo indicador do FMI, o Ratio of reserveARA, um valor entre 1 e 1,5 indica que as reservas de um país estão em níveis seguros (quando consideradas suas obrigações externas) e o ARA da Rússia  estava em 3,6 ao fim de 2020, ou seja, esperava-se que seu nível de reservas fosse plenamente capaz de conter qualquer instabilidade. Com a deflagração da invasão da Ucrânia, no entanto, uma série de sanções financeiras foram aplicadas à Rússia, como a exclusão de certas instituições financeiras locais do sistema SWIFT, a proibição de bancos russos operaram no sistema financeiro americano, a suspensão do Banco de Compensações Internacionais (BIS) e o congelamento de parte dos ativos do Banco da Rússia (BR), o banco central da federação russa. Somadas à debandada de empresas estrangeiras do país, o resultado foi uma forte desvalorização cambial. No início de fevereiro, a taxa estava em torno de 77 rublos por dólar, chegou próximo a 140 em 07/03, mesmo com a fortíssima elevação dos juros, de 9,5 para 20% no fim de fevereiro. No início de abril, a taxa estava mais próxima ao valor pré-guerra, cerca de 85,5.   

Estima-se que o bloqueio tenha atingido cerca de 40% dos ativos do Banco da Rússia, o que comprometeu consideravelmente sua capacidade de intervir no mercado cambial. O bloqueio de ativos de um banco central é um ponto de virada para o Sistema Monetário Internacional – SMI. É algo que vai muito além dos prejuízos de um país específico, pois torna o sistema mais inseguro e incerto para todos. As reservas internacionais sempre foram consideradas um instrumento estabilizador de acesso imediato e incondicional pelo seu detentor (diferentemente de um empréstimo do FMI, por exemplo), mas com as sanções esse entendimento caiu por terra. A partir de agora, o livre uso das reservas só será garantido àqueles países com poder político e militar suficiente para evitar o bloqueio de seus ativos. Há alguns anos, o Irã sofreu bloqueio similar ao da Rússia, assim como a Venezuela, que foi impedida de usar seus estoques de ouro sob custódia do Banco da Inglaterra. A novidade agora é isso ter acontecido com um país de relevância muito maior na geopolítica global. 

A discussão, no entanto, não se dá somente em torno do ativo ou moeda específica na qual o país deve acumular reservas, é um problema estrutural, de um sistema monetário e financeiro assimétrico, em que somente algumas moedas têm ampla aceitação internacional. A própria Rússia já havia reduzido suas reservas em dólares, mas em grande parte elas foram substituídas por euro, talvez contando que a dependência do continente em relação ao gás e petróleo russo tornava improvável a possibilidade de sanções, o que não foi o caso. E tampouco adiantaria priorizar reservas em renminbi, pois o país ficaria sujeito a sanções por parte da China. Enquanto um país ou bloco econômico for o emissor da moeda internacional, ele e seus aliados terão o poder de estrangular financeiramente um país que use essa moeda como reserva. Nesse sentido, pode-se dizer que ao congelar reservas de terceiros, os EUA e seus aliados quebraram as regras que eles próprios criaram.

Qual a saída então? O acúmulo de reservas físicas de ouro, seria uma estratégia pouco conveniente, de altos custos. Restaria, assim, a adoção de uma moeda verdadeiramente internacional, ou seja, que não estivesse sob controle de nenhum país individualmente. O mais próximo que temos disso são os direitos especiais de saque (DES), uma espécie de moeda do FMI, usado para saldar transações entre bancos centrais. Nem isso, no entanto, seria suficiente. Os organismos econômicos internacionais, como FMI, OMC e Banco Mundial, foram constituídos após a 2ª Guerra Mundial e suas regras refletem os interesses das potências capitalistas da época, principalmente os EUA.

Não há neutralidade nas regras das instituições multilaterais, pois elas sempre refletirão interesses dos países mais poderosos, mas é preciso ao menos buscar um sistema menos assimétrico, com uma divisão de cotas mais justas no FMI (que acabe com o poder de veto dos EUA), sistemas internacionais de pagamentos menos sujeitos a pressões de países individuais, mecanismos mais transparentes e justos de escolha dos(as) comandantes dessas instituições, etc.  

Reconhecendo os obstáculos políticos de uma solução mais internacionalista ou multilateral, o que se pode esperar é um maior ímpeto por parte da China em sua estratégia de aumentar seu poder de voto no FMI, construir instituições regionais paralelas às atuais e promover a internacionalização de sua moeda. Além disso, não se pode descartar a (re)constituição de blocos político-econômicos, áreas de influência lideradas pelos EUA, China e, talvez, Europa. Essa tendência de fragmentação de espaços econômicos (“desglobalização”) é algo que vem de antes mesmo da pandemia, foi reforçada por ela e ganhou novo impulso com a guerra e as sanções. Olhando o quadro mais geral, o que se vê é o desmonte da ordem liberal construída no pós-guerra fria, sem que haja condições para que uma nova ordem seja construída. Infelizmente, o acirramento de rivalidades geopolíticas e econômicas torna difícil esperar que a transição se dê de forma pacífica e ordenada.

Adriano Vilela Sampaio – professor da UFF e coordenador do @Finde_uff

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O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF

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