BRICS+: bloco do Sul Global ou vitória diplomática da China?, por Luiza Peruffo e André Moreira Cunha

A identidade dos BRICS está associada ao desejo de construir espaços alternativos àqueles dominados pelas potências tradicionais

BRICS+ depois de Johanesburgo: bloco do Sul Global ou vitória diplomática da China?

por Luiza Peruffo e André Moreira Cunha

O décimo quinto encontro de cúpula do agrupamento dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), em agosto deste ano em Joanesburgo na África do Sul, foi marcado pelo convite para seis novos membros: Arábia Saudita, Argentina, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã, que devem ingressar oficialmente em janeiro de 2024. É a primeira expansão do grupo desde a inclusão da África do Sul em 2010. Cerca de 40 países já expressaram interesse em integrar o grupo do BRICS, sendo que 22 o fizeram formalmente.

Para alguns analistas, a expansão do BRICS seria uma consolidação do agrupamento enquanto o principal fórum para avançar a agenda do Sul Global, em tese transpondo o G20, e o posicionando como um contraponto ao G7. Para outros, inclusive o criador do acrônimo, Lord Jim O’Neill, o propósito e a coerência dos BRICS (expandido ou não) permanece em aberto. Ao que parece, um ponto de conflito entre as possíveis interpretações sobre os BRICS é se sua natureza é sobretudo econômica ou securitária, e até que ponto a China fará valer sua dominância sobre os demais membros. 

Como chegamos até aqui

Em 2001, o então economista da Goldman Sachs Jim O’Neill cunhou o acrônimo BRIC para designar Brasil, Rússia, Índia e China como países que passariam a representar uma parcela cada vez maior da economia global e que deveriam ser incorporados à governança econômica internacional. Em 2006, às margens da Assembleia Geral das Nações Unidas, os ministros das relações exteriores dos quatro países formalizaram o grupo politicamente. Em 2009, ocorreu o primeiro encontro de cúpula, seguido por encontros anuais desde então. Nota-se que nenhum líder jamais faltou a um encontro (ainda que este ano Vladmir Putin tenha participado virtualmente). Em 2010, a convite da China, a África do Sul foi incluída.

Em que pese inúmeras diferenças econômicas e políticas entre seus membros, que fundamentam análises céticas sobre a relevância do grupo, a identidade dos BRICS está associada com o desejo unânime de seus membros (possivelmente o único) de construir espaços alternativos àqueles dominados pelas potências tradicionais, notadamente os Estados Unidos. Não por acaso, o BRICS ganhou tração no contexto da crise financeira global de 2007-2009, que foi uma crise que irrompeu, pelo menos por um momento, as estruturas de poder dominantes e abriu espaço para uma discussão mais profunda sobre reformas no sistema internacional, especialmente nas esferas monetária e financeira.

Já em seu primeiro comunicado, em 2009, os líderes do BRIC se comprometeram a “avançar a reforma das instituições financeiras internacionais para refletir as mudanças na economia global” e estressaram a “necessidade de um sistema monetário internacional mais estável, previsível e diversificado”. Em 2010, o BRIC coletivamente declarou sua intenção de discutir futuras oportunidades de cooperação monetária, incluindo acordos em moeda local. Em 2011, implicitamente expressando sua insatisfação com um sistema monetário internacional dominado pelo dólar, os BRICS defenderam o aumento do uso dos Direitos Especiais de Saque do Fundo Monetário Internacional (FMI). Os encontros de 2012 e 2013 foram marcados pela proposta de criar, respectivamente, o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) e o Acordo Contingente de Reservas (ACR ou CRA no acrônimo em inglês), iniciativas que foram materializadas em 2014 e que avançaram na institucionalização do grupo. O período que se seguiu caracterizou-se pela emergência de uma série de dificuldades econômicas e políticas em alguns membros do grupo (inclusive o Brasil). Agora, em meio a crescentes tensões geopolíticas, protagonizadas por alguns de seus membros, notadamente China e Rússia, o BRICS relança seu papel no jogo político internacional com a inclusão de seis novos membros.

BRICS+: Fórum Econômico ou Bloco de Segurança Antiocidental?

A busca por um sistema internacional multipolar é um desejo comum dos BRICS, e também dos novos integrantes do agora BRICS+. Isto inclui, por exemplo, menor dependência do dólar para transações internacionais e das instituições financeiras internacionais lideradas pelos Estados Unidos (FMI e Banco Mundial em especial). Até agora, os maiores avanços dos BRICS ocorreram justamente na esfera da governança econômica global (criação do NDB & CRA, atuação em bloco no FMI & BM para pressionar reformas, avanços (limitados) para redução do uso do dólar). Inclusive, outro ponto de destaque do 15º encontro de cúpula foi o lançamento de discussões sobre uma possível “moeda dos BRICS” para facilitar transações de comércio e investimento entre seus membros sem utilizar o dólar. Os novos membros, em princípio, reforçam o grupo e a narrativa de avançar em direção a um sistema internacional multipolar.

A questão da cooperação geopolítica é mais complicada. Em primeiro lugar, a China não é um “líder natural/aceito” pelo grupo, da mesma maneira que os EUA são para o G7. Com exceção de Rússia, e agora Irã, todos os membros do BRICS têm laços tanto com China quanto com EUA, e dificilmente percebem o agrupamento como uma “escolha de lados” na batalha sino-americana. As ambições dos novos membros possivelmente estão mais relacionadas com a busca de se expandir parcerias internacionais, ampliar comércio e investimentos, e reforçar a agenda de reformas da governança econômica global do que compor uma aliança antiocidental.

No balanço (mais uma) vitória diplomática da China

Ainda assim, deve-se levar em conta que os desenvolvimentos do BRICS se inserem na dinâmica geopolítica mais ampla, e cada vez mais acirrada, da disputa China-EUA. Para dar algum contexto: em agosto de 2023, Joe Biden assinou uma ordem executiva para restringir os investimentos dos EUA em empresas chinesas de semicondutores, computação quântica e inteligência artificial por questões de segurança nacional. No rastro das crescentes tensões geopolíticas, algumas multinacionais que investem na China já operam com uma estratégia China+1 para proteger suas cadeias de suprimentos.

Se a hipótese de uma economia global mais fragmentada estiver correta, em que parcerias de segurança passarão a ter uma influência grande nas relações econômicas, a participação no BRICS pode passar a ter uma conotação de alinhamento com a China (o que não parece ser de interesse de países como o Brasil e a Índia, por exemplo). A inclusão de Arábia Saudita, Egito, EAU, Etiópia e Irã é um avanço claro da influência da China no Oriente Médio, uma região chave na disputa com os EUA. Em particular, a inclusão do Irã tem o potencial de mudar a percepção do mundo sobre o bloco dos BRICS como uma “aliança de países emergentes/Sul Global” (foco econômico) para um bloco de segurança antiocidental, liderado pela China. Isto pode ficar mais claro no próximo encontro de cúpula na Rússia em 2024.

Mais do que isso, a expansão do BRICS tende a diluir a influência dos membros originais em favor da China. Com mais membros, os problemas de definir uma “agenda comum” se agravam; ao mesmo tempo, favorecem o uso do grupo enquanto uma plataforma para a China avançar suas agendas geopolíticas (por exemplo, a Belt and Road Initiative, sua Global Development Initiative, e o processo de internacionalização do renminbi, que deve, mais cedo ou mais tarde, prevalecer sobre o projeto da “moeda dos BRICS”). Cabe lembrar que, sob a perspectiva da China, o BRICS é apenas mais uma ferramenta para avançar seus interesses externos, uma ferramenta que permite que a China valide seu discurso de membro do “Sul Global”, enquanto ela reserva para outras iniciativas seu papel mais explícito de potência global.

Luiza Peruffo e André Moreira Cunha – Docentes do Departamento de Economia e Relações Internacionais

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