Promiscuidade entre empreiteiras e governo tem raízes na ditadura militar

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Jornal GGN – O blog do jornalis Fernando Rodrigues no UOL traz ao leitor uma matéria com base em um livro e uma tese de doutorado sobre o surgimento do poderio das empreiteiras que hoje figuram como principais parceiras na corrupção existente nas entranhas da Petrobras, alvo de investigação na Operação Lava Jato. Tudo basicamente começou durante o período de regime militar, quando o governo Costa e Silva decidiu, via decreto, fechar a porta para as grandes empresas estrangeiras, criando um mercado para as empreiteiras nacionais. Os governo civis subsequentes não conseguiram frear o crescimento e o monopólio dessas construtoras. O resultado é praticamente a cartelização das obras públicas de grande porte no Brasil. Para Rodrigues, a origem remota das relações promíscuas entre poder público e empreiteiras não alivia os ombros da gestão Dilma Rousseff (PT), que fica com o “ônus” de “promover a faxina” necessária.

Relação promíscua entre empreiteiras e governo começou na ditadura militar

Por Fernando Rodrigues

No UOL

Para quem acha que a corrupção entre empreiteiras e governo começou ontem ou anteontem, vale olhar o decreto presidencial 64.345, de 10 de abril de 1969. O então presidente Artur da Costa e Silva fechou com uma canetada as portas para empresas estrangeiras em obras de infraestrutura no Brasil:

“Art. 1º Os órgãos da Administração Federal, inclusive as entidades da Administração Indireta, só poderão contratar a prestação de serviços de consultoria técnica e de Engenharia com empresas estrangeiras nos casos em que não houver empresa nacional devidamente capacitada e qualificada para o desempenho dos serviços a contratar”.

A partir desse decreto de 1969 criou-se uma reserva de mercado para empreiteiras nacionais. Prosperaram assim muitas das que hoje estão encrencadas no escândalo da Petrobras revelado pela Operação Lava Jato, da Polícia Federal.

Esse decreto da ditadura vigorou até 14 de maio de 1991, quando o então presidente Fernando Collor o revogou. Mas parece que já era tarde. As empreiteiras nacionais já operavam de forma a impedir competição estrangeira – ou mesmo para alguma empresa de fora do grupo das principais nacionais.

Só para lembrar, até o final dos anos 60, a atual gigante Odebrecht era apenas uma empresa local da Bahia. Depois do decreto de Costa e Silva, despontou para o sucesso construindo o prédio-sede da Petrobras no Rio de Janeiro (em 1971), aproximando-se dos militares que comandavam a estatal, conforme relata reportagem de Marco Grillo, que buscou as informações no livro “Estranhas catedrais – As empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-militar” (Editora da UFF, 444 pág., 2014), resultado da pesquisa para a tese de doutorado “A Ditadura dos Empreiteiros”, concluída em 2012 pelo professor Pedro Henrique Pedreira Campos, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).

O título do livro, “Estranhas catedrais”, evoca um verso da canção “Vai passar”, de Chico Buarque e Francis Hime: “Dormia a pátria mãe tão distraída sem perceber que era subtraída em tenebrosas transações. Seus filhos erravam cegos pelo continente, levavam pedras feito penitentes, erguendo estranhas catedrais”.

O Blog leu a tese de Pedro Campos. No texto, o autor demonstra que, “após o governo Médici”, a Odebrecht “com sua atuação junto aos militares presentes na Petrobras, arrematou 2 contratos que alteraram significativamente o seu porte, fazendo seu faturamento triplicar em um ano. As vitórias nas concorrências para construção do aeroporto supersônico do Galeão [no Rio] e da usina nuclear de Angra levaram a empresa do 13º ao 3º lugar na lista dos 100+”. Foi escolhida pelo setor como empreiteira do ano em 1974.

Antes de a ditadura militar consolidar a reserva de mercado para as empreiteiras nacionais, a tese do professor Pedro Campos mostra que havia um domínio de empresas estrangeiras no Brasil:

No início da década de 70, as coisas começaram a mudar drasticamente, como demonstram esses gráficos a seguir, com a evolução das empreiteiras Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Mendes Júnior e Odebrecht no ranking das maiores do país:

Quem analisa esses gráficos e tabelas pode achar que os militares fizeram o movimento correto ao desenvolver um mercado para empresários brasileiros durante a época de expansão da infraestrurura nacional. O problema é que junto com a promoção das empresas brasileiras veio também a concentração nas mãos de poucos empresários, que ficaram cada vez mais poderosos a partir da ditadura militar.

A tese “A Ditadura dos Empreiteiros” traz dois quadros reveladores sobre como o dinheiro das obras públicas serviu para construir gigantes nacionais que concentravam o naco principal do dinheiro público:

A simbiose entre o público e o privado na época da ditadura se dava com a colocação de militares em cargos de direção nas empresas que forneciam para obras de infraestrutura. Os generais iam parar em diretorias e conselhos de grandes corporações, como mostra o quadro a seguir:

Em resumo, como se observa, a gênese do problema que hoje está sendo desvendado pela Operação Lava Jato vem de muito longe. O fato de as anomalias serem antigas em nada alivia a responsabilidade do governo atual –que terá o ônus de promover a faxina há muito demandada nessa área.

Nenhum governo civil (Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula e Dilma) conseguiu, até hoje, reduzir o poder das grandes empreiteiras. Ao contrário, essas empresas se transformaram em verdadeiros leviatãs, fazendo de tudo, inclusive financiando as campanhas eleitorais dos principais políticos do país.

p.s. (9h50): este post havia identificado Pedro Henrique Pedreira Campos, autor de “Estranhas Catedrais”, como professor da Universidade Federal Fluminense. Na realidade, ele é professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). O texto já está corrigido.
 

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

15 Comentários

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  1. Agenda para o desenvolvimento sustentável pós-2015
    A ONU e os interesses economicos globais nela representados estão empenhados na implementação da agenda para o desenvolvimento sustentável pós – 2015. O desenvolvimento urbano está no centro desta agenda. Com a aceleração da urbanização no mundo, e no nosso caso, a necessidade de mitigar as mazelas decorrentes da urbanização já ocorrida, reformas de infraestrutura urbana – mobilidade, habitação, saneamento, energia… tornam-se um grande mercado global. Este artigo dá o que pensar. O que ocorre se nossas grandes empreiteiras ficarem inabilitadas?

  2. Alguns militares

    O marechal Ademar de Queiroz, conhecido como “padrinho” do general Ernesto Geisel, trabalhava como lobista para a empresa BAKOL, não Bakal como figura no texto.  Às vezes essa firma também se chamava LOKAB – o mesmo nome, invertido – e tinha como personagem principal Ralph Rosemberg, acusado de ser testa de ferro de interesses estrangeiros no setor petroquínico. Um recem-formado na faculdade de direito da PUC de São Paulo foi trabalhar na Bakol como contador, e lá fez amizade com o marechal, que mais tarde o indicou para o Geisel, que acabou levando o jovem para a Petrobras.  Foi assim que o Ueki, conhecido na PUC como “o japonesinho do mimeógrafo” (ele trabalhava na cooperativa dom Bosco, rodando apostilas para pagar seus estudos)  chegou à presidência da Petrobras.  O Semler fala em comissões de 10% nas compras de petróleo nessa época, mas acho exagero. Dado o volume das transações, qualquer 1% já deixaria o beneficiário riquíssimo.

  3. BOM ESTUDO

    Acredito que na época dos militares havia uma idéia quase global de que as empresas estrangeiras levavam recursos para fora do Brasil e que a única forma de melhorar as empresas nacionais era por meio do protecionismo de mercado, hoje é fácil criticar tais condutas depois de se verificar os resultados nefastos, mas é bom lembrar que as teorias avançadas de comércio exterior, as idéias de globalização, a abertura de mercados são conceitos relativamente novos( 10-15 anos para cá); hoje em dia o problema deixou de ser o protecionismo puro e passou a ser o conluio entre essas empresas e os políticos que por elas são financiados( tanto nas eleições como por meio de corrupção), essas empresas vivem em lucros imensos mamando no mercado interno, não é do interesse delas a abertura de mercado, a ingerência delas nas decisões políticas impede a abertura de mercado que a médio-longo prazo traria aumento da qualidade das empresas nacionais e maior quantidade de empresas atuantes no país gerando mais empregos e riquezas; o Brasil está na contramão do mundo, a Aliança do Pacífico é uma abertura plena de mercado entre os países participante, enquanto isso o Mercosul é essa palhaçada que nada tem relação com abertura de mercado ou união de forças. Que os militares foram culpados pela gestação desse “clube” isso é plena verdade mas quem está nutrindo e engordando esse monstro são os políticos de 1985 até hoje, vide o caso do Collor que foi o único a combater esse protecionismo e o resultado todos sabem: IMPEACHMENT; qualquer outro que for contra essa máquina de poder vai ter o mesmo fim. POBRE BRASIL, POBRE POVO BRASILEIRO.

  4. O  GENERAL  fez  o certo

    O  GENERAL  fez  o certo  defendou  a  reserva de mercado,  agora  se   a promiscuidade  das empreiteiras prosperou a  culpa  a meu  ver  nao é  dos militares  e sim  das  empreiteiras  e  alias   isso comprova que  elas  sempre foram o carro chefe  da corrupçao,  ja  li  artigosd  aqui  que  desde  JK  ja  jhavia  corrupçao dessas empreiteiras,  para mim  a continuidade  no regime  militar  foi so uma consequencia,  isso porque os militares  sao preparados para  outras  funçoes  nao a  de  governar um País.  e   por isso eles  precisam de   civis   que na maioria  foram  fgente  da  UDN  depois  arena o partido mais corrupto  daquela  epoca  eque  tinha  o  seu  demostenes  ou Imbassahy  chamado  Carlos  lacerda, um corrupto que so  fazia  combater os governos de  Getulio  Jucelino,   e outros. 

  5. dizem que joão camargo,

    dizem que joão camargo, presidente da camargo

    correia em 74, por aí, mandava e desmandava  em geisel 

    ou encarava-o como se fosse o chefe…

  6. Herança maldita

    É lógico, evidente que todo tipo de politicagem e corrupção que presenciamos atualmente foram herdados do período militar. O acordo com os militares era o seguinte: nos deixem governar que nós deixamos vocês roubarem. A dívida externa, a extrema miséria de muitos, as grandes construtoras e as imensas fortunas de alguns foram constituídas todas nessa época. Tínhamos aviões e malas de dinheiro, a indústria da seca, as licitações ilícitas,  a troca de favores, o clientelismo, o nepotismo, as orgias patrocinadas pelos grandes fornecedores do Estado e todo tipo de bandalheira e falcatrua que aconteciam de forma quase escancarada sem haver maiores consequências. Típico do nosso subdesenvolvimento e semelhante a alguns países pobres em guerra da África.  

    Infelizmente, ao sairmos da ditadura, não passamos o país a limpo. A forma “branda” como tudo ocorreu fez com que essa velha guarda das oligarquias, dos coronéis e cafajestes retrógrados de outrora permanecessem no poder, na política e na condução de vários setores, inclusive o da mídia.  Atualmente, esses picaretas estão abrigados principalmente nos partidos de direita e seus coligados como o DEM (ex-PFL, ex-PDS), PR e PSDB(criado dentro do PMDB). É triste como uma imprensa suja, tendenciosa e de má fé conseguiu através de mentiras e da manipulação de informações, recontar a nossa história e inverter os fatos. Muito triste. Mas, cedo ou tarde, a verdade aparecerá.

    P.S.: Por acaso hoje comentei com um colega como Aécio personifica essa velha forma suja de se fazer política.

  7. .

    A promiscuidade com obras públicas vem desde os tempos do império, acentuou-se durante a construção de Brasilia e adquiriu status de “poder” durante os governos militares.

  8. Já dizia Maria Conceição

    Já dizia Maria Conceição Tavares: são as construtoras e os bancos a verdadeira burguesia nacional. E hoje vai ficando claro o modus operandi dessa burguesia nacional: obter gordos lucros à custa do dinheiro público. As empreiteiras, atuando nas sombras via cartéis e sobrefaturamento; os bancos, à  luz do dia, com a taxa de juros mais alta (quase) do mundo.

    Não dá para pedir um choque de capitalismo, porque o capitalismo mundial, hoje, é isso aí: cartelização; corrupção e os bancos sendo socorridos pelos contribuintes. Por aqui, as grandes empresas estrangeiras sempre agiram assim. A novidade é que esse modus operandi foi introduzido também nos países de origem.

    Se um choque de capitalismo hoje pouco resolve, podemos ficar no choque ético. Quem sabe o Brasil se torna líder nesse campo.

  9. Nada a ver. A GRANDE ALIANÇA

    Nada a ver. A GRANDE ALIANÇA das empreiteiras com o Governo Federal se deu na construção de Brasilia, imperavem a Rabelo (depois Tratex), a Mendes Junior, a Camargo Correia, a Cetenco, a Serveng Civilsan. Depois fo a sequencia MAS não se iniciou nos Governos Militares como diz o post.

  10. Sim, elas ficaram bem

    Sim, elas ficaram bem “gordinhas” no período militar. Mas não foi por issso que integraram o golpe?

    Mas isso existe desde a época de Juscelino!

    Mais: aqui no Rio essa conversa existe desde sempre; desde os aterros. Quem tem parente da primeira geração a morar no bairro da Urca (nome advindo da empresa “Urbanização Carioca”) sabe muito bem. Não tem nenhuma razão pra estranhar. Ou melhor, estranha por desrazão.

  11. Acredito que as raízes sejam

    Acredito que as raízes sejam bem anteriores a ditadura.

    Mas a ditadura acabou há 30 anos e ninguém cortou a árvore.

    Muito pelo contrário, nos governos “democráticos” a árvore da corrupção só fez estender seus galhos cada vez mais, para que na sua sombra coubessem toda a sorte de políticos e seus financiadores de campanha. 

     

     

     

  12. E na burocracia oficial,

    E na burocracia oficial, principalmente nos tribunais de contas, os militares ocuparam cargos importante. Precisamos levar em conta que, até hoje, os empresários são chamados a contribuir com rifas, ajuntórios, auxílios e outras contribuições que, supostamente, vão para entidades de caridade. Quem é que exerce o monopólio da filantropia hoje também conhecida como philantropia? Desconfia-se que se pede auxílio para um determinado evento mas o evento patrocinado é outro… Chego a imaginar que se criou a cultura do achaque e da chantagem. De quem conhecia ou tolerava a sonegação ou formas alternativas de formar reservas para atender pleitos de poderosos. Com pontinhos ou sem pontinhos…  

  13. Ontem, pela manhã, assisti a

    Ontem, pela manhã, assisti a palestra da Maria Lucia Fattorelli sobre o Sistema da Dívida no Brasil e suas experiências no Equador, como auditora, onde conseguiram uma redução de 70% da dívida. Mas, aqui, há uma recusa em se auditar a nossa dívida ocorrida mais em segredo: http://www.youtube.com/watch?v=yUpVQu9WHyQ#t=11

    Depois, para me acalmar, assisti esse outro vídeo: Os segredos do Goldman Sachs, onde se denuncia a estreita ligação entre os banqueiros, a mídia – a golpista – e as empreiteiras, bem como do domínio e influência sobre governos de todos os principais Países e suas bancarrotas: http://www.youtube.com/watch?v=yJ9I5i6Dup8;

    A noite, vou ao blog do Nassif e está lá, novamente, sua desconfiança bem fundamentada e mais consistente que as anrteriores, de que há um impecheament em curso. Certamente ele possui elementos bem mais incisivos ainda não descritos, do que ele, cada vez mais preocupado, antevê. Peguei no sono, só depois das duas da manhã de hoje. E não paro de pensar…

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