A abordagem da crise hídrica paulista pela imprensa

Por Sergio Reis

Acho que esta notícia abaixo, produzida pelo Estadão, está, por enquanto, com a medalha de ouro nos quesitos “coleção de falácias” e “assessoria de imprensa gratuita ao Governador” desde que comecei a acompanhar a crise da água em São Paulo. Vale ler e fazer alguns comentários ao longo do texto. 

A notícia

http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2014/06/18/alckmin-campanha-de-economia-de-agua-sera-permanente.htm

Alckmin: Campanha de economia de água será permanente
 
Araçatuba – Satisfeito com os resultados apresentados pela população, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, afirmou nesta quarta-feira que a campanha para economia no consumo de água deverá ser mantida pelo seu governo mesmo que volte a chover e a situação se normalize nos reservatórios de armazenamento de água.

Comentário 1: Então quer dizer que quem apresenta “resultados” na crise da água é a população? É o governador que avalia o comportamento dos cidadãos, e não o contrário? É ele que fica satisfeito com o povo, e não o contrário?

Alckmin garantiu que a capital paulista não deverá ter problemas de abastecimento de água e que o Sistema Alto Tietê conseguirá atender o consumo da Região Metropolitana até o fim da estiagem devido aos investimentos para aumentar a oferta de água feitos pelo seu governo.

“Pretendemos manter essa campanha do uso racional da água em caráter permanente, pois entendo que essa cultura de economizar, não só a água, mas também a energia elétrica, deva ser permanente”, afirmou Alckmin, durante visita a Araçatuba, onde entregou o Hospital do Rim e anunciou repasses complementarias para hospitais que atendem pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Comentário 2Claro que existe uma necessidade, em nome da sustentabilidade ambiental, de pensarmos em como melhor aproveitarmos os recursos hídricos, de forma fazermos um uso mais consciente dos recursos naturais, dada a sua finitude. Mas realmente Alckmin quer fazer acreditar que é a redução do consumo de água pela população (civil, individual) a responsável pelo eventual “salvamento” das represas, quando essa economia sabidamente representa menos de 2 metros cúbicos por segundo e, na realidade, é o Grupo Técnico de Acompanhamento do Cantareira o responsável, a cada 15 dias, por determinar qual é o limite de retirada diário de água – que era de até 36 m3/s antes da crise e agora está em cerca de 22 m3/s, redução já classificada como típica de racionamento? Realmente ele quer efetivar uma prática de responsabilizar a população – para o bem ou para o mal – pelo futuro dos sistemas de abastecimento de água? Não bastou culpar São Pedro pela crise?

Alckmin lembrou que a população entendeu a campanha por isso acha desnecessária qualquer tentativa de aplicar multa aos que desperdiçarem água. “Tivemos uma redução fantástica no consumo. 91% dos moradores aderiram. É impressionante uma adesão como essa e eu só tenho de agradecer à população”, disse. Questionado da possibilidade de se aplicar multa a quem desperdiça, Alckmin disse: “A questão da multa e da Arsesp (Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo), que é quem deve decidir, mas acho que pela demonstração dada pela população, isso não será necessário”, afirmou.

Comentário 3: O tom da matéria é de um paternalismo atroz. Nos dizeres do texto, a população “entendeu a campanha (de redução do consumo de água)”. A meu ver, trata-se de um a daquelas falas motivacionais baratas do tipo “nós vamos conseguir”, quando no fundo as responsabilidades e os problemas estão postos em um nível muito mais denso e profundo. Mais do que isso, expressa uma falsa modéstia, quase populista, para com os “súditos”. Afinal, a ideia de agradecer à população dá a ideia de que ela lhe prestou um favor, como se no fundo fosse incapaz de entender o que é que estava em jogo, e que apenas ele, o governador, é dotado de um senso republicano superior. É uma fala de uma infelicidade incrível por sua falta de sensibilidade.

Comentário 4:  Alckmin mudou de ideia com relação às multas? Ele lutou meses por isso, no auge do desespero inicial com a seca do Cantareira, dando a decisão pela punição como óbvia e necessária. O Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC) já tinha avisado que a medida era ilegal, e ainda assim ele queria prosseguir, apesar de posicionamentos em contrário até mesmo da Agência Nacional de Águas. Agora não só diz que é desnecessária, como ainda comenta que não é da competência dele, o que é um completo absurdo. Alckmin muda seus discursos como troca de roupas, conforme o sabor do momento. E surfa, inexpugnável.

O governador lembrou que seu governo teve 74 dias para contornar o problema. “Conseguimos disponibilizar neste período 182 milhões de metros cúbicos de reserva técnica do Cantareira e garantimos o abastecimento”, afirmou. Segundo ele, a população pode ficar tranquila porque não vai haver desabastecimento até o fim da estiagem. “Estamos trabalhando para manter o abastecimento até o fim da seca”, disse.

Comentário 5Esse é um dos auges do texto em sua modalidade “imprensa oficial”, já que não apresenta qualquer questionamento à fala do governador. Alckmin transforma um dos improvisos mais bisonhos da história da engenharia paulista em  feito magistral, em espetáculo de gestão. Tem coragem, ainda, de afirmar que seu governo teve 2 meses e meio para lidar com a crise. Como pode ter coragem de afirmar isso se até o cidadão mais desavisado sabe que seu partido ocupa o poder no Estado há 20 anos? Meu palpite: só faz uma afirmação desse nível de cinismo quem efetivamente acredita que não sofrerá pressão dos meios de comunicação, do controle social e dos adversários políticos. É um testemunho quase inimputável, tamanha a sua desconexão com a realidade.

Segundo Alckmin, investimentos feitos nos reservatórios do Sistema Alto Tietê garantem a oferta de água para a população. “Fizemos dois investimentos, o primeiro, pela Sabesp, que aumentou a oferta de água de 5 metros cúbicos por segundo para 10 metros cúbicos por segundo; e outro, uma Parceria-Público-Privada (PPP), a primeira de saneamento do País, aumentando de 10 para 15 metros cúbicos por segundo”, disse. “Foram investimentos que aumentaram em muito a capacidade de ‘reservação’ e de produção de água das represas do Alto Tietê”, afirmou.

Comentário 6: Finalizando a notícia-press-release, Alckmin traz feitos de vários anos atrás –  e que são colocados pela reportagem como ações tempestivas e recentes para lidar com a crise atual , inclusive no tempo verbal “presente” – para mostrar que seu governo está absolutamente preparado para a crise do Alto Tietê. O problema é que a obra mais recente, a PPP de Taiaçupeba, é de 2011 (após uma série de problemas nas licitações, que começaram em 2006), e as barragens de Biritiba-Mirim e Paraitinga foram concluídas em 2005. Nada foi feito após isso. Aliás, talvez tenham sido as únicas obras com mais envergadura ao longo dos últimos 10 anos. Elas aumentaram a capacidade de produção do ssistema s para a região metropolitana em cerca de 10 metros cúbicos por segundo. O problema é que a demanda anual tem crescido, em média, em 2 metros cúbicos por segundo.  É  claro, portanto, que esse aumento da capacidade do Alto Tietê foi mais do que compensado pela  expansão do seu uso pelos cidadãos. Mas, obviamente, enquanto peça quase publicitária, nenhum a dessas questões foi abordada.  Falando o que quiser e sem qualquer contestação, Alckmin nada de braçada em meio a uma mídia subserviente, omissa e despreparada. O caos é transformado em excelência, o controle social é subvertido para se tornar  “controle por sobre a sociedade” (a mixórdia faz ainda mais sentido quando comparamos, em inglês, os termos “accountability” e “social control”, que dizem respeito a concepções completamente diferentes no que se refere à relação entre gestão pública e democracia). Até quando?

Redação

22 Comentários

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  1. Quem mora em São Paulo sabe:

    tudo que sai da boca do Alkmin precisaria de tratamento pela Sabesp. Infelizmente a tal Sabesp nada consegue tratar direito. 

    1. Um paradoxo!

      Não consigo entender o povo paulista. Como um governante dessa espécie está em primeiro lugar nas pesquisas?  Será que a grande maioria comporta-se como marionete e somente é pautada pela mídia, que omite os mal feitos dos tucanos? Não têm outras opções de informação? Por muito menos, alguns governantes foram prejudicados.

  2. Aguenta, Sumpa!

    Aguenta, Sumpa!

    You deserve it! …..aaaaannnnd the Oscar award for special effects goes tooooooo……. Mr. Xoo-xoo, from Sao Pawloh!

  3.  O tom da matéria é de um

     O tom da matéria é de um paternalismo atroz. Nos dizeres do texto, a população “entendeu a campanha (de redução do consumo de água)”.

    Esse trecho lembra ou nao lembra a Campanha de racionamento de energia no governo FHC?

    Ateh hoje eles usam isso: “mas naquele tempo a populacao entendeu”. Entendeu tanto que hoje qualquer candidato que FHC apoie comeca com 57% de rejeicao. Eh…entenderam mesmo.

    1. Parabéns, você acertou na lata: A campanha é a mesma de FHC!

      Ninguém percebeu que a campanha é a mesma de FHC no apagão da energia elétrica no Brasil? Parece que todo mundo passou batido. Parabéns pela observação.

  4. Em São Paulo não é só as

    Em São Paulo não é só as represas que estão secas. De fato elas ficaram sem água porque a imprensa paulista secou faz tempo. Onde predomina o mesquinho interesse pelo vil metal não há contradição, não há água, nem vida, nem vitalidade econômica e política. O Estado de São Paulo está pior do que o semi-árido, porque aqui a aridez midiática é fato consumado e regado com os tributos dos paulistas.

  5. Essa é a diferença de

    Essa é a diferença de tratamento da grande mídia em relação ao PT e seus grupos contrários.

    Se fosse a crise de água do governo PT seriam ataques diários.

    Os grandes grupos agem de forma articulada contra o PT e suas matérias são pautas de quase toda a mídia estadual em todo o Brasil.

    Os blogs alternativos (e com razão) não fazem isso.

    Essa é a grande diferença, que alguns não entendem e (repetindo a má fé da grande mídia) dizem que é falta de comunicação do governo Dilma.

    O caso da Petrobras com ataques diários em toda imprensa e em todo o Brasil durante mais de um mês e a cobertura da Sabesp  e dos caso dos Metrôs são provas dessa afirmação.

    A diferença entre destruir e fazer de conta que são críticos.

  6. Nos tempos do apagão do fhc

    Nos tempos do apagão do fhc eu cheguei a “pular” alguns banhos ou toma-los frios para economizar e ficar esperando o funcionário que mede o consumo passar com medo de estourar minha “cota” de energia. Agora já estou me preparando para tomar banho de canequinha. Eu sempre repito a quadrinha favorita do pig:

    psdb, partido que nos seduz.

    Com alckmin, vai faltar água,

    Com fhc, faltava luz!

  7. O mais incrível é que a

    O mais incrível é que a sabesp distribuiu lucro aos acionistas meses atrás. O mais incrível foi a inauguração, com convite e tudo, do início do bombeamneto do volume morto, O mais incrível é mesmo o estadinho puxa saco!

  8. “assessoria de imprensa gratuita ao Governador”

    Discordo. Gratuita? Como assim? Os jornais não têm do que se queixar, a reciprocidade é grande. 

    1. Na verdade, nós concordamos.

      Na verdade, nós concordamos. Devia ter colocado as aspas no termo “gratuita” p/ expressar isso. Evidentemente, as multimilionárias somas de publicidade oficial nesses veículos impedem a constatação de que a defesa do governador por eles feito seja gratuita. Mas é claro, não se trata de uma questão financeira somente; há essencialmente uma grande afinidade ideológica entre mídia e o PSDB.

  9. O brasileiro que não consegue

    O brasileiro que não consegue enxergar a diferença do tratamento da grande imprensa entre assuntos ligados às adinistrações do PT e do PSDB, age como torcedor e não como brasileiro. O que eu quero, aliás o que todos queremos é que as informações nos sejam passadas pelos orgãos que compõe a midia, independente de partido politico e que os comentários ora realizados tenham como objetivo maior o esclarescimento da verdade.

    É inadmissivel, a um orgào que é formador de opinião, pautar seus comentários na torcida por este ou aquele partido.

    É inadmissível, a um orgão que é formador de opinião, destinar comentários politicos, que são do interesse maior da nação, a torcedores mediocres e não a comentaristas isentos que possam auxiliar ao Brasil e seu povo.

    É inadmissivel que os grandes jornais deturpem a noticia, se utilizando de manchete sensacionalistas inveridicas, semelhante a jornais de quinta categoria.

     

    1. É isso, Fernando Resende.O

      É isso, Fernando Resende.

      O ativismo político dos profissionais da grande imprensa está não somente fazendo o debate público ficar cada vez mais mesquinho, está também destruindo a credibilidade de uma instituição social – que é a imprensa – de um modo geral. Credibilidade essa conquistada por gerações e gerações e que está sendo dilapidada por essa geração de jornalistas maníaca pelo PT (acham que isso é ser chique).

      O cidadãos e a sociedade precisam de informações para exercerem a cidadania.

      Do jeito que esse pessoal da imprensa vem encarando a profissão atualmente não há como não chegar àaconclusão de que estão violando o Direito à informação; um Direito garantido constitucionalmente.

  10. seria apenas grotesco, não fosse também insultante…

    aconselhar alguém a economizar o que já é fornecido ao mínimo necessário,

    e a imprensa destacar como qualidades do governo

    1. Que eh precisamente o que vai

      Que eh precisamente o que vai desabar sobre a cabeca de um eventual governador petista.

      Memo ao PT:  deixem os paulistas se virarem de uma vez.  Quero ver um governo de direita no Brasil fornecer uma goticula de agua pra populacao.

      Pago pra ver.

  11. A JUVENTUDE TRANSVIADA E A SABESP, QUE ALEGRIA!

    Ora, se Luis Melodia escrevesse hoje as letras de Juventude Transviada, um sucesso extraordinário, conhecendo hoje a SABESP do Alckmin,  certamente teria versado, diferentemente,  principalmente às mulhares dos lares mais humildes:

    LAVA ROUPA, TODO DIA, QUE ALEGRIA

  12. SABESP só premia quem desperdiça água

    Sempre procurei não desperdiçar água, mas sempre sou não só esquecida como prejudicada pela SABESP. Na campanha eleitoral de 2010, com Serra candidato, a SABESP, que fazia campanha publicitária N e NE, resolveu, segundo informação deles, mudar a data de leitura do meu medidor de água e acrescentou  algo como 20% na minha fatura, apesar de eu ter consumido a mesma coisa, disseram que não tinham como resolver.

    E o senhor governador premia quem desperdiçava e vai economizar agora. Quem sempre economizou abaixo do limite mínimo paga além do que consome e sequer tem um mínimo de benefício.

  13. KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK

    KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK! Desculpem, mas não consegui controlar a gargalhada. Tem-se por ai, o nível do eleitorado desse partido. Se sujeitam a tudo que esse partido, totalmente incapaz para governar, os induz a fazer, com a corrupta mídia teleguiando a boiada.

  14. Terrorisras

    Esse dinossauro, chamado Grande Mídia, só está fazendo o que faz de melhor: defender seus cupinchas tirânicos e a tirania de seus mestres do terror. O papel se inverteu, agora é a nossa mídia quem assusta a população com suas invencionices.

  15. Ivan: também acho que é fria

    Ivan: também acho que é fria o PT querer assumir sp. É melhor deixar o corrupto e ineficiente psdb, com sua lama por lá mesmo. Nós, brasileiros orgulhosos dos avanços conseguidos pelo PT, torcemos para que o alckimin, o xuxu com agrotóxico, fique “governando” o que ele desgovernou. E, quem diria, né, ver os eleitores desse partido em sp, que, nas eleições de 2010, xingavam, chamavam os nordetinos de analfabetos, terceiro mundiastas e por ai, até queriam afogar os nordestinos( e nem isso mais podem, porque tem que economizar água para encher suas piscinas, tomar banho), estarem quase chafurdando nos próprios dejetos! Pena que o atraso novamente eleito em sp, vai afetar um Eduardo Guimarães e tantos outros magníficos cidadãos  paulistas conscientes e politizados. Mas, os convido para virem morar no meu estado, RS, que, hoje governado pelo Tarso Genro(PT), é o estado com o maior crescimento do país. Corremos o risco de não reegeler o Tarso, porque o gaúcho é meio doido: quando o estado está entregue às baratas, governo yeda crusius, rigoto, antonio brito, depois desses governos apresentarem seus ridículos, o gaúcho elege o PT para arrumar a casa, depois da casa arrumada, tira o PT do poder e volta a eleger os governos malandros que são funcionários da mídia gaúcha, rbs, mas é como se fosse um ciclo e estamos habituados. Mas, diferentemente de sp,conseguimos dar chute nesses governos medonhos midiáticos do psdb e pmdb. A relação de forças(direita, esquerda), aqui, não é tão desigual.

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