Sobre Nova Friburgo

Por MarianoSSilva

Um olhar sobre a tragédia que se abateu em Nova Friburgo

Nova Friburgo, um paraíso de mata atlântica encarapitado na Serra dos Orgãos ao norte do estado do Rio de Janeiro, seduziu-me de pronto. Aqui cheguei eu e minha mulher em 1983, trazendo um filho no colo e a filha no ventre da mãe. Vinha fugindo da violência na capital, onde nasci, e tangido pela esperança plantei aqui os alicerces do recomeço. Busquei então, a paz de espírito, a comunhão com o si-mesmo e a indispensável energia para o longo trabalho a que me propus. Cidade cadinho de fusão de muitos povos e movida pelo espírito da livre iniciativa, se revelou a mim o pedaço de cantinho de meu estado perfeito para os meus planos.

Como existe alguma confusão entre as cidades de Freiburg / SC e Nova Friburgo / RJ, vale a pena tecer algumas linhas sobre a história rocambolesca e cheia de sofrimento da fundação da cidade.

O livro : História Contos e Lendas da Velha Nova Friburgo de autoria de Raphael Luiz de Siqueira Jaccoud, ed. Múltipla Cultural de limitada tiragem, nos conta esta história de uma forma saborosa.

Era o ano de 1758, três anos após o enorme terremoto que destruiu Lisboa. Reinava, então D. José I, pai de Da. Maria (que viria mais tarde a ser conhecida como : Da. Maria I, a Louca) que por sua vez foi a mãe de D. João VI. D. José era um rei fraco e Portugal era governado de fato pelo Marquês do Pombal. Ocorria que Da. Maria era sadia, na época, e apaixonada pelo marquês de Santo Tirso, homem muito rico e poderoso na corte. Pombal, entretanto, tinha outros planos para a princesa e tencionava casá-la com um tio desta, que seria muito mais manobrável. Aproveita-se, ardilosamente, de uma conspiração de outros nobres contra seu poder, para se desfazer dos desafetos e do jovem Manoel Henriques, o marquês de Santo Tirso, a quem envia para o degredo na colônia do Brasil. Conta-se que ao despedir-se de seu amado no calabouço a princesa beijou a mão de Manoel, que então jurou que nenhuma outra repetiria o ato. Assim nasce a lenda do Mão de Luva, contrabandista de ouro e diamantes, que ao se esconder na região de Cantagalo conhecida à época como : “Sertâo Ocupado Porvarias Naçoens dos Indios Brabos”. Cantagalo é município vizinho de Nova Friburgo, que antes deste nome foi conhecida por Fazenda do Morro Queimado. Este nome advém do fato que ao final dos secos e prolongados invernos ocorrem incêndios espontâneos na vegetação dos morros em volta. Da. Maria I enlouquece pouco antes da fuga da Família Real de Portugal, ao perder, em curto espaço de tempo, seu filho primogênito, seu tio e marido (que se tornou um grande amigo e conselheiro da rainha) e ao saber da morte do amor de sua vida Manoel, no percurso para um novo degredo na África. Vale a pena comentar que houve certa interação entre Manoel e Tiradentes durante a Inconfidência Mineira.

A Família Real se estabelece no Rio de Janeiro em 1808 fugindo das tropas de Napoleão e esta é uma parte bastante conhecida de nossa história. Também são fatos bastante conhecidos de todos a pobreza e a destruição causadas pelas guerras napoleônicas. Um pouco menos sublinhado é o fato do desemprego causado na velha Europa pela ascensão da potência manufatureira da época : a Grã-Bretanha. A Suíça foi, particularmente, atingida pela manufatura das máquinas-a-vapor inglesas. A indústria tecelã suíça era de alta qualidade e artesanal, mas não podia competir com os baixos preços (qualquer semelhança com os chineses de hoje não é mera coincidência) dos tecidos importados da Inglaterra. A conjunção com uma má safra de alimentos gerou uma enorme fome no país helvético e é assim que surge em nossa história a figura de Sébastien-Nicolas Gachet, um misto de aventureiro, visionário, sonhador e um tanto picareta…

Gachet chega aqui em 3 de outubro de 1817 sobraçando documentos que o autorizavam negociar com a Corte portuguesa em nome do governo suíço. Depois de algumas peripécias e muita lábia, Gachet encanta D. João VI com a ideia de estabelecer várias colônias suíças autossuficientes na produção de alimentos diferenciados e produtoras de bens manufaturados. Gachet, em sua cabeça, vê uma ajuda à pátria mãe na exportação de produtos que seriam consumidos pelos suíços aqui instalados. D. João VI vê um “embranquecimento” de uma população nativa, já dominada por várias nações negras, e a formação de uma sociedade fabril, nos moldes europeus, no solo do Brasil. Tenebrosas transações que enriquecem certos personagens da Corte levam à escolha da Fazenda do Morro Queimado como local adequado à instalação dos emigrantes e a assinatura do Decreto Real de 6 de maio de 1818 que é considerada a data da fundação da cidade.

O acordo previa cem famílias, mas na verdade cerca de duas mil pessoas deixaram sua terra natal em 11 de setembro de 1819 em direção à Terra Prometida (com muitas promessas falsas). Muitas peripécias, desorganização, por parte dos suíços, e doenças contraídas nos portos da Holanda levaram à morte 389 pessoas durante a travessia. O tifo, a malária e a varíola contraídas na Europa, além dessas, vitimou mais 131 na chegada à Nova Friburgo. Portanto, o balanço total de vítimas chegou a 26% do total embarcado.

Os portugueses aguardavam cem famílias, mas chegaram entre trezentas a quatrocentas. Vieram também solteiros, incluindo algumas moças grávidas de holandeses (nos portos). A solução foi colocar cerca de 17 pessoas em cada casa (de quatro cômodos sem banheiro e cozinha). Os suíços estrilaram com a falta de conforto a que estavam acostumados, porém este era o padrão das casas portuguesas de fazenda da época (o banheiro era uma vasilha no quarto e o mato…). Não ficou muito claro dos documentos porque deram terras inadequadas aos emigrantes quando havia terras melhores bem perto. Entretanto, ficou por isso mesmo, e esqueceram os coitados quando a Família Real voltou para Lisboa. Esta foi a saga da primeira emigração europeia recente.

Em 3 de maio de 1824 chega a Morro Queimado a primeira leva de imigrantes alemães no Brasil. No final do século XIX e início do século XX chega outra leva de imigrantes alemães com recursos e planos de instalação de indústrias. Também chegam emigrantes italianos, e mais tarde uma leva de nisseis provém de Mogi das Cruzes. Este é um quadro das etnias que formaram Nova Friburgo : negros quilombolas de diversas nações, inclusive Iorubá, portugueses, espanhóis, libaneses, suíços, alemães, italianos, japoneses, e, mais recentemente, brasileiros de todo o país (mestiços por natureza). É muito comum encontrarmos, na rua, moças bonitas de rosto europeu e “bundinha” africana.

Este nosso belo povo brasileiro que se apropriou de vantagens biológicas herdadas de várias etnias, incorporou também memes (Richard Dawkins) de culturas europeias diversas ligados ao artesanato e à organização fabril da produção. Esta é, a meu ver, a razão de a economia friburguense ser fundada na livre iniciativa. Não há por aqui a febre do concurso público, mais característica das heranças administrativas da capital do estado. As pessoas tem que se virar sozinhas, mesmo porque a prefeitura é pobre e não pode atender a muitos demandantes de emprego. Existe populismo sim (falarei mais adiante disso), porém em escala limitada. Para exemplificar : quando a fábrica de rendas Arp (multinacional alemã do ramo de confecções de lingerie) demitiu muitas costureiras para automatizar a produção, um comerciante de tecidos e aviamentos local arrematou o lote de máquinas obsoletas e os cedeu às costureiras em troca da clientela fiel.

Resultado: milhares de empresas fabricantes de lingerie surgiram.

Resumindo: este é um povo trabalhador que aprendeu a se virar, desde que os suíços foram largados às baratas lá nas origens da cidade.

Quando aqui cheguei, em 1983, a única empresa de serviços de grande porte era a Telerj, as demais eram ou municipais ou privadas. Não que o serviço fosse grande coisa (havia sérios problemas de aterramento da rede elétrica), mas era assim que funcionava a coisa. As grandes redes comerciais só chegaram muito mais tarde. A reforma agrária havia sido feita por mecanismos de herança familiar. Milhares de pequenos agricultores começaram a se espalhar pela estrada Teresópolis-Nova Friburgo (bastante danificada pelas chuvas recentes). Hoje 40% de toda a produção de hortifruti do estado provém dessas propriedades. Era muito bonito ver milhares de pequenos agricultores com suas casas decentes, carro e ou moto e parabólicas. Milhares de jovens do campo em festas de sábado à noite nas diversas localidades. A vida melhorou tanto que, infelizmente, veio acompanhada do flagelo das drogas. A indústria metalúrgica prosperou e atingiu o pico na década de oitenta. Com a abertura indiscriminada da década de noventa muitas empresas faliram e grassou uma onda de grande desemprego na cidade. Muitas dessas empresas foram reerguidas da falência pelos empregados cooperativados. Cresceu e prosperou uma empresa de equipamentos mecânicos sofisticados, que com o concurso de vários engenheiros formados, aqui mesmo, automatizou seus produtos com inovação e passou a ser fornecedora da Petrobrás.

Na área de saúde, a falta de iniciativa do estado e a tibieza dos recursos da prefeitura induziu os médicos empreendedores a montar suas empresas de serviços. A cidade contava com dois equipamentos de ressonância magnética nuclear, dois ou três tomógrafos, unidade coronariana, três hospitais particulares, além do hospital municipal e muitos outros equipamentos de medicina especializada. Há muito tempo atrás a cidade fundou sua própria faculdade de odontologia com recursos municipais, que agora foi absorvida pela Universidade Federal Fluminense.

Tendo morado cinco anos em Campinas / SP, sonhei ver, no interior tão privilegiado de meu estado, pelo menos nascer o boom que via no interior de São Paulo. Qual não foi o meu engano : etnia diversa ajuda nada se não vier acompanhada de educação de alta qualidade. Este foi o terrível legado da política amaralista no interior do Estado do Rio de Janeiro. Aqui havia em 1983 : a Faculdade de Odontologia de Nova Friburgo (municipal), a Faculdade de Filosofia das Irmãs Doroteias (privada-confessional) e a Faculdade de Administração da Cândido Mendes (privada). Jovens formavam-se em administração ou filosofia e iam trabalhar de umbigo colado no balcão da loja do pai. No campo, meninas lindas, louras e de olhos azuis, no estilo de modelos capa de revista, envergonhadas com dentes podres na boca, enquanto a cidade formava dezenas de dentistas todos os anos. No nível médio, o maior colégio vivia da fama auferida nos tempos áureos em que foi seminário de formação sacerdotal. A ignorância era tamanha que as feiras de ciências consistiam nos indefectíveis vulcões de papelão e sal efervescente ou em passeios a cavalo no pátio. Curiosamente, os professores de química eram melhores porque havia indústrias usando processos de eletrodeposição na cidade. Matemática e física eram um desastre. A elite, que não era boba, despachava os filhos para estudar na capital.

Pode parecer, pelo que até aqui foi dito, que estamos a fazer apologia do liberalismo, mas este não é o caso. O relato apenas serve para demonstrar como um povo trabalhador faz o que pode quando o poder público o abandona. Fiz questão de desqualificar argumentos de superioridade de etnias sobre outras. Na visão de um carioca que veio da mistureba do Rio de Janeiro pude verificar que, etnias que costumam se julgar superiores à outras, quando privadas dos equipamentos sociais que sustentam sua aparente superioridade, não são capazes do desempenho que julgam possuir. É o suporte indispensável do estado organizado que produz a sociedade mais competente naquele momento histórico. Quem não se lembra dos pubs ingleses na China, onde não podiam entrar chineses nem cachorros…Podem, por acaso, os outrora orgulhosos ingleses sequer pensar em humilhar os chineses de novo?

A redenção da cidade de Nova Friburgo começou com o aumento da presença do estado nos últimos anos. Primeiro, veio a instalação de um centro de pesquisas e pós-graduação em engenharia, o Instituto Politécnico do Rio de Janeiro – IPRJ. A iniciativa teve vida breve pois fora criada no apagar das luzes do governo Moreira Franco pela ação de um visionário ex-professor da COPPE. Intrigas, ciumeira, falta de apoio local e mudança de prioridade do novo governo Brizola, que focava agora a criação da UENF, resultaram na lenta agonia do IPRJ que termina com a anexação à UERJ em 1993. A luta que resultou na vinda da UERJ para Nova Friburgo custou a mim e a algumas outras pessoas um emprego público ao qual havíamos conquistado via concurso público. A grosseira ilegalidade, entretanto, valeu a pena, pois hoje o campus IPRJ da UERJ já formou mais de uma centena de engenheiros, dentre os quais, meu filho.

A chegada da ação federal teve que esperar os governos Lula, começa na implantação do CEFET e se estende à aquisição da Faculdade de Odontologia pela UFF no governo de Saudade Braga. O CEFET criou cursos de nível médio e superior, dentre eles o de formação de professores de física. A UFF focou a área biomédica e criou dois cursos. A ação pública se traduziu indiretamente nos professores pós-graduados na área de humanas, que para cá se transferiram por conta da criação do campus local da Universidade Estácio de Sá. A chegada de mais de uma centena de profissionais com mestrado e doutorado em Nova Friburgo oxigenou bastante a cidade e abriu horizontes nunca dantes vislumbrados pela comunidade friburguense, mas a transformação da atividade política é a necessidade mais urgente hoje.

O amaralismo que ainda domina boa parte da política no norte fluminense é a doença social mais séria a ser combatida. Esta caracterizou-se pela formação de duopólios de poder populista que se revesam no poder amealhando, virtualmente, todos os recursos financeiros disponíveis. A arrecadação municipal é quase inteiramente comprometida com a folha de pagamentos que não é apropriada exclusivamente pela multidão de votantes com pequenos salários, e sim, pela “ação entre amigos” muito bem remunerados. Secretários são escolhidos, não pela competência e sim relações de amizade ou parentesco. Há pouco mais de uma década o salário do Prefeito de Nova Friburgo era maior que o do Presidente da República. Não adianta invocar a Lei de Responsabilidade Fiscal, pois dependendo do partido que está no poder, o aparelhamento dos Tribunais de Contas Estaduais avalia tais irregularidades. Os conselhos fiscalizadores em municípios muito pequenos dificilmente escapam à cooptação pelo poder executivo local. Isto pode ser explicado pela limitação de recursos humanos qualificados. Mesmo no caso da Câmara de Vereadores a oposição desempenha um pífio papel de controle da ação do executivo. Aqui em Nova Friburgo a oposição verdadeira é exercida por dois vereadores, um do PT e outro do PDT, que em face de serem 1/6 da Câmara podem exercer livremente o “jus esperneandis”. Muitos projetos chegam à Câmara para serem votados com urgência e a Presidência da Câmara obstrui frequentemente a discussão dos mesmos colocando imediatamente em votação para obter o resultado esperado. Seria uma burla bastante grosseira do direito de fiscalização do povo, que passaria desapercebida não fossem as seções televisionadas e abertas ao público.

Desde que aqui cheguei foi um revesamento das administrações Heródoto Bento de Mello, que foi interventor federal na época da ditadura, e Paulo Azevedo seu “inimigo” político. Nos vinte e sete anos que aqui estou houve apenas um hiato de oito anos da administração Saudade Braga, médica de origem nordestina a qual fez um governo bastante razoável (dentro das limitações que encontrou), com investimentos mais focados no social. Saudade deixou o governo em 2008 e, numa inusitada aliança entre dois “inimigos” políticos regada a um grande investimento publicitário, o povo acometido de uma crise de saudosismo resolveu acreditar nas mentiras de um velhinho com um engraçado chapeuzinho de palha e votou em Heródoto. Governo desastroso e autoritário, que termina em um acidente inesperado na última de várias viagens à Suíça. Com o idoso prefeito inabilitado, Paulo Azevedo começa a se assanhar para governar por trás de um vice fraco e controlável, após ter sido execrado pela população há uma década atrás. Bem, aí veio a chuva…

Choveu intensamente várias horas seguidas na madrugada de terça para quarta-feira 12. Chuvas fortes são frequentes nesta época do ano em Nova Friburgo. á na fundação da cidade há relatos (ver livro citado acima) de inundações. Afinal, estamos bem perto do mar e a condensação da evaporação se dá na serra. Além disso, a cidade foi construída no fundo do vale, seguindo a água como sempre ocorre na história das civilizações. Mais ainda, o vale é muito estreito (do rio Bengalas) e limitado dos dois lados por montanhas bastante escarpadas, que deixam à mostra o granito negro, resultado de eons de deslisamentos. Mas o que choveu naquela noite foi realmente extraordinário. O corredor de água varreu desde o centro de Nova Friburgo até o sopé da descida da estrada Teresópolis-Itaipava, no condomínio Cuiabá, uma extensão de cerca de cem quilômetros. A largura, creio que, era de alguns quilômetros. A quantidade de água que caiu pode ser estimada grosseiramente, em Nova Friburgo, no espírito de uma “back of the envelop calculation”. Choveu cerca de 7 km (em média) ao longo do Bengalas e a largura média estimo em 1 km, que multiplicada pela precipitação média estimada de 30 cm dá uma quantidade de água de aproximadamente 2 bilhões de litros. A energia cinética da água caindo de cerca de 1 km de altura é igual a 5 quilotons, ou seja, um quarto da energia que destruiu Hiroshima na segunda guerra. É claro que a velocidade com que a energia foi liberada em Hiroshima foi bilhões de vezes mais rápida, entretanto, a energia de explosões cai com a quinta potência inversa da distância, e no caso a energia foi distribuída ao longo da cidade. Talvez tenhamos presenciado uma fúria vinte vezes maior ao longo do corredor, e isto explicaria o enorme estrago causado. O dano e a dor causados às pessoas físicas foi amplamente documentado pela mídia. O que aparentemente ainda não foi ventilado foi o enorme estrago causado em todo o equipamento urbano e rural que mantém os empregos das trezentas a quatrocentas mil pessoas que vivem da economia da região. A Presidenta da República, em sua visita à Nova Friburgo, percebeu rapidamente o problema da ruína da comunidade rural de toda a região e acenou com medidas de socorro. Agricultores, que como comentei antes, haviam prosperado, perderam parentes, sua casa, seus equipamentos, sua lavoura e sua terra adubada ao longo de anos de trabalho. Estão completamente arruinados e arruinada está boa parte da produção de hortifruti do estado.

Nem que soubesse, não estaria autorizado a revelar os danos às empresas industriais, mas foram consideráveis. No plano coletivo posso falar : ouvi muitos relatos de pequenas confecções que se acabaram junto com as casas dos proprietários. Muitos destes pequenos negócios não estava regularizados, mas eram o sustento da família. Então, pequenos industriais perderam a casa, os equipamentos de trabalho e os bens domésticos acumulados ao longo de anos.

O IPRJ / UERJ perdeu um laboratório de metrologia que servia às empresas da região. Perdeu também outros dois laboratórios e a estrada de acesso está interrompida. Posso imaginar o que aconteceu aos caríssimos equipamentos médicos na Rua General Osório. Que eu saiba ninguém informou ainda sobre danos à UFF, situada ali perto. O pequeno comércio da cidade também teve perdas consideráveis. Vi muito estoque jogado na calçada da rua.

Soluções, não são de nossa atribuição, mas procurei traçar um quadro bastante completo para situar, com mais clareza, a real capacidade de recuperação da população da cidade. Se a ajuda for bem planejada e direcionada diretamente para as pessoas e empresas, este povo valente e lutador irá reconstruir sua cidade num patamar ainda melhor que antes do desastre. O papel do Governo Federal e Estadual, nesta ordem, é vital para a reconstrução, pois dispõem de quadros técnicos, virtualmente, indisponíveis na administração municipal. Com o afastamento dos dois “coronéis” (Paulo Azevedo está desaparecido), creio que a tarefa de montagem de uma administração municipal mais moderna poderá ser tentada. Algumas pessoas competentes daqui migraram para a Prefeitura de Teresópolis por conta da falta de espaço local. Talvez coubesse a formação de um gabinete de emergência, há que se ver o lado jurídico da questão. Creio que se deva pensar em uma moratória de prazo determinado, para os empresários que puderem comprovar prejuízos. Para as pequenas confecções irregulares alguma forma de microcrédito e regularização da atividade seria algo pensável. Algum tipo de “bolsa catástrofe” pode ser pensada (com obrigações educacionais, por ex) para as pessoas físicas. Acho que não seria pedir demais um aumento no esforço educacional de nível técnico e superior. Nova Friburgo, está situada muito perto da bacia de Campos e do COMPERJ e poderia se transformar em um pólo de prestação de serviços de calibração e manutenção dos equipamentos da indústria do petróleo. Isto geraria muitos empregos qualificados sem pressionar a demografia já precária da cidade. Um planejamento urbano se faz agora indispensável, a cidade já estava ficando sufocada pelo trânsito nos horários de pico. Contenção de encostas e remanejamento de prédios são opções que devem ser cuidadosamente consideradas à luz dos custos envolvidos. As perdas não ocorreram somente em encostas precárias, mas também em casas e prédios construídos em terrenos estáveis há muito tempo. Muitas das perdas da zona rural foram absolutamente imprevisíveis e até mesmo impensáveis, pois as casas estavam muito longe de rios e encostas. Acho que temos que estudar cientificamente o fenômeno.

Procurei descrever o mais fielmente possível a situação atual, que não está sob os holofotes da mídia, evitando ao máximo ferir suscetibilidades sem necessidade, porém, a verdade deve ser exposta de forma que as pessoas possam ser ajudadas com maior eficiência. Senti-me no dever de escrever estas longas linhas me solidarizando com a dor e o sofrimento do povo que me acolheu há quase trinta anos atrás. Espero que estas informações cheguem à atenção de quem tenha poder de decisão e que sirvam como subsídio para a construção da ajuda indispensável. 

Luis Nassif

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