Uma reforma do Sistema Financeiro de Habitação para baixar os juros

Como nos EUA, toda economia poderia depender da construção de residências como fonte primária do crescimento da renda, do emprego e reserva de valor.

Uma reforma do Sistema Financeiro de Habitação para baixar os juros

por Gustavo Galvão, Luís Otávio Reiff, Márcio S. Araujo, Petrônio Portella Filho[1]

O primeiro passo para que o Brasil volte a se desenvolver economicamente é baixar as taxas de juros reais de curto prazo para patamares normais no contexto internacional, ou seja, oscilando em torno de 0% ao ano.

Em prol desse objetivo, poderíamos começar reorganizando o Sistema Financeiro de Habitação (SFH), para que os principais grupos políticos alcancem um consenso, com apoio inclusive do setor financeiro, em torno da padronização, em termos internacionais, da taxa de juros, pois não existe possibilidade de desenvolvimento do Brasil sem juros normais. Há 40 anos, a taxa de juros exageradamente alta é a principal responsável pela estagnação do PIB per capita.

Para resolver esses problemas, nossa proposta consiste em copiar alguns elementos centrais do Sistema Financeiro dos Estados Unidos. No centro dele, estariam as empresas de securitização, compra e garantia de hipotecas, como a Fannie Mae e a Freddie Mac[2].

Essas empresas, ao comprar e garantir hipotecas geradas pelos bancos comerciais, permitem que eles tenham um comprador seguro para seus empréstimos imobiliários e assim prefiram revendê-los para essas empresas a retê-los em seus balanços.

Dessa forma, os bancos ganhariam o equivalente a uma comissão por gerar a operação, fidelizariam seus clientes e não ficariam com ativos de baixa liquidez em seus balanços. O dinheiro obtido com a venda das hipotecas[3] pode ser usado para gerar várias hipotecas no mesmo ano, tendo assim uma rentabilidade maior do que a oferecida pelos juros per se. Por isso, esses bancos preferem juros baixos, que geram um volume muito maior de hipotecas com valores individuais também mais altos. Isso explica por que nos EUA os bancos preferem juros baixos.

Esse modelo é muito diferente do brasileiro, que se baseia em crédito direcionado para o investimento imobiliário por meio dos depósitos de poupança, FGTS e outras fontes reguladas ou subsidiadas.

O crédito direcionado desestimula os setores de financiamento imobiliário e de construção a desejarem os juros de mercado baixos, pois eles já obtêm juros subsidiados. Inclusive quanto maior a diferença entre o crédito imobiliário direcionado e o crédito de mercado, mais subsídio eles recebem.

No Brasil, os bancos e construtoras usam o crédito direcionado para financiar imóveis e aproveitam os juros de mercado elevados para terem ganhos fáceis em operações de tesouraria, multas contratuais, crédito ao consumo etc. Por isso são indiferentes aos juros altos.

Para modificar esse cenário, nossa proposta não é acabar com o modelo de depósitos de poupança regulado, mas reformá-lo para que ele não se organize como crédito direcionado, ou seja, para que o crédito imobiliário seja feito com juros de mercado.

As securitizadoras comprariam as hipotecas dos bancos, que seriam reunidas em fundos e as venderiam como certificados de depósitos bancários ou cotas de fundos para serem distribuídos pelos próprios bancos.

Além disso, os bancos poderiam ganhar com o financiamento, participação acionária e serviços financeiros para as incorporadoras e construtoras, além da própria valorização imobiliária, decorrente dos juros mais baixos.

Como nos EUA, toda economia poderia depender da construção de residências como fonte primária do crescimento da renda, do emprego e reserva de valor.

A pior tentativa de gerar superávit e reduzir a dívida pública se dá por meio da redução dos gastos públicos, porque isso produz recessão. A melhor forma de geração de superávit primário e de redução do endividamento público se dá por meio do crescimento do gasto privado mais rápido do que do gasto público, ou seja, fazer com que a arrecadação cresça mais do que a despesa. Reduções significativas dos juros podem levar a esse resultado.

Em razão dos juros menores e menor inadimplência, a rentabilidade média dos maiores bancos norte-americanos é similar à dos bancos brasileiros, porque podem ter maior alavancagem e ganhar uma parte maior de suas receitas com comissões, taxas, arbitragem, lucros de fundação etc.

Já o sistema financeiro nacional está estruturado para que os bancos ganhem dinheiro cobrando muito alto pelos juros e spreads e retendo aqueles títulos por muito tempo para receber os juros que eles pagam.

É um modelo financeiro disfuncional para sobrevivência a longo prazo do sistema capitalista, pois leva a uma economia estagnada, instável, empobrecida e a uma sociedade insegura, como vimos nos artigos anteriores desta série.

Nossa economia cresceu muito pouco nos últimos 40 anos, quando prevaleceu uma eleva taxa de juros real. Entre 1981 e 2022, nosso PIB apenas dobrou, se tanto, enquanto o PIB mundial quadruplicou ao ritmo anual de 3,4%.

Nesse período, de 20% a 40% da população das grandes metrópoles passou a morar em favelas ou em bairros de péssima segurança e infraestrutura, em parte porque os juros altos não são favoráveis ao investimento, ao crescimento e ao emprego. Em parte, porque o SFH não consegue produzir residências de qualidade e quantidade satisfatória.

Um prologando boom na construção de residências de maior qualidade levaria as pessoas a saírem das favelas para bairros melhores, pois a oferta de novas residências cresceria mais rapidamente do que a população. Além disso, o aumento do emprego e as taxas de juros reduzidas facilitariam a aquisição dos imóveis

Uma ideia simples, de baixo custo político e já testada por décadas com sucesso nos Estados Unidos. Por que não tentá-la no Brasil?

Nos próximos artigos, daremos maior detalhes de como operar a redução dos juros, a estabilidade cambial e as políticas financeira, habitacional e urbanística.

As opiniões expressas no texto são pessoais e, portanto, não representam necessariamente a opinião das instituições às quais estamos vinculados.


[1] Respectivamente, Analista do BNDES e doutor em economia, Analista do BNDES e mestre economia, Analista do Banco Central e doutor em economia, Consultor concursado do Senado e doutor em economia.

[2] Respectivamente, Federal National Mortgage Association (FNMA) e Federal Home Loan Mortgage Corporation (FHLMC)

[3] No caso brasileiro o mais comum não é a hipoteca, mas a alienação fiduciária. Mas essa diferença não é importante no aspecto econômico, portanto, estamos chamando de hipotecas todas as formas jurídicas de realizar empréstimos tendo imóveis como garantia.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

Redação

5 Comentários

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  1. Tudo o que o americano faz só é bom pra ele. A economia americana não é de ordenha, como a nossa, onde todo o especulador vem mamar. Pra começar, são poucos e quase exclusivos os donos de propriedades ou com disponibilidade econômica para a compra e construção nos grandes centros . A valorização artificial de áreas construtíveis, a precificação do metro quadrado, que estranhamente segue o mesmo parâmetro no país inteiro, torna impraticável o barateamento do custo da construção para o povo de baixa renda e a atividade de construção civil como mantenedora de empregos de longo prazo ou por tempo suficiente para que os próprios adquirentes tenham condição de manter o financiamento do próprio teto. Importar o modelo americano sem importar a bolha imobiliária garantida e a consequente perda dos empreendimentos, é querer separar o açúcar do café doce. Há condições sim, de se investir em construção. Em cidades praianas, cidades e locais de pequeno e médio porte, por exemplo, construtores investem em construção de qualidade. Fazem-no pessoalmente, a preços módicos para revenda, negociam diretamente com comprador, vendem com tabela própria a juros de poupança e ainda mantém a população empregada. O preço médio de cada propriedade é proporcionalmente menor, enquanto a qualidade é superior, isso porque eles não são reféns de grandes instituições financeiras e nem têm concorrentes corporativos leoninos. Esses, a partir do momento em que entram numa praça, predam os concorrentes até a desistência ou a falência.

  2. Ambar, cabe ao governo regular e ao consumidor denunciar. Mas o fato é que no sistema capitalista, sem um modelo de construção e financiamento de residências em grande escala, não tem crescimento e nem desenvolvimento.

  3. O tempo tem demonstrado que numa economia instável como a nossa e numa política ainda mais, nenhum sistema que não traga lucros exorbitantes para grandes construtoras tem sido viável, especialmente para os mutuários de baixa renda. Das COHABS ao BNH, dos financiamentos da CEF aos mutirões, das SEHABS, das Cooperativas Habitacionais Particulares, só assiste ao pobre o endividamento.

  4. É compreensível o seu entusiasmo e também ingênuo, talvez pela recente intimidade com a matéria, porém quando se mergulha nos meandros da atividade imobiliária, especialmente quanto a regulamentação e financiamento, e mais ainda, enquanto cliente à busca de um teto, sua faixa de renda vai ditar a sua compreensão do que seja o mercado imobiliário e como se comporta o sistema financeiro da habitação.

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