Prosperidade e Fordismo na Europa Pós-guerra como método de expansão capitalista


Imagem: Reprodução

Por Walace Ferreira 

Prosperidade e Fordismo na Europa Pós-guerra como método de expansão capitalista

Há alguns anos atrás a BBC realizou uma série de documentários com diferentes temas históricos do século XX chamados “O século do Povo”. O episódio “A Era da Prosperidade”, particularmente, aborda a reconstrução da Europa pós-Segunda Guerra Mundial. Diante das reflexões apresentadas pelo filme, e com o apoio teórico do geógrafo britânico David Harvey, conclui-se que o fordismo migrado dos EUA representou, na verdade, a expansão do capitalismo por meio de um fascinante modelo de desenvolvimento material apoiado num arcabouço de Estado de Bem Estar Social.

O horror da Segunda Guerra, para além dos quase 50 milhões de mortos, havia deixado a população europeia exausta, na miséria, reduzida a mínimas condições de sobrevivência, profundamente abalada psicologicamente e praticamente sem qualquer tipo de produção. Os governos não conseguiam realizar a reconstrução prometida, e o socialismo/comunismo se fazia uma possibilidade real. O capitalismo na Europa estava no limite.

Foi nesse contexto que o governo norte-americano, cujo país havia lutado na guerra apenas em solo europeu, lançou um grandioso programa de ajuda aos aliados da Europa Ocidental, o Plano Marshall, oficialmente intitulado de Plano de Reconstrução Europeia. Comida, orientação econômica e maquinário foram enviados ao velho continente, que não tardaria a superar o caos.

Os objetivos de Washington tinham duas frentes complementares: por um lado, evitar o avanço comunista, representado pela União Soviética, também vitoriosa da guerra; por outro, fazer prosperar o sistema econômico capitalista, que beneficiaria em curto e longo prazo a própria potência norte-americana.

De início, o estímulo à produção na Europa seguiu-se em velocidade exponencial, com a exportação de máquinas americanas para a reconstrução das indústrias e de tratores para serem usados na agricultura. Junto, desembarcava com igual velocidade a ideologia capitalista americana, fosse por meio dos seus produtos mais famosos, como no exemplo da Coca-Cola, fosse através da concepção do consumo de massa como símbolo de felicidade.

Dada à destruição quase completa do continente, o primeiro setor a receber investimentos foi a indústria pesada, alicerce para as demais. O setor automobilístico foi o que mais se beneficiou dessa base, expandindo-se em diversos países ao longo das décadas de 50 e 60, destacando-se as tradicionais Fiat na Itália e Volkswagen na Alemanha, de modo que os veículos foram se tornando o grande sonho de consumo do cidadão médio europeu. Como na década de 50 a compra de um carro, por outro lado, era caro para o trabalhador comum, foi criada a lambreta, veículo mais barato e que passava a sensação de prosperidade ao operário mais pobre.

Os Estados Unidos exportaram para a Europa mais que a maquinaria usada no setor automobilístico e em outros ramos de produção de bens de consumo (televisão, máquinas de lavar, geladeiras, dentre outros). Exportaram, sobretudo, seu modelo fordista, caracterizado pela produção em massa e voltado para o consumo em larga escala. A ideia era produzir massivamente, barateando os preços e permitindo que todo trabalhador pudesse ter casa, carro e os mais diversos eletrodomésticos. Junto, irradiavam-se as percepções de que a máquina reduziria o esforço humano, aumentaria a produtividade e ainda daria ao trabalhador a sensação de tempo livre para o lazer.

Nos anos 60, as nações afetadas pela guerra gozavam de quase emprego total e os bens de consumo faziam parte do quotidiano. Foi certamente uma das épocas de maior prosperidade e desenvolvimento do século XX. Visto que a Europa pós-guerra encontrava-se destruída, sua reconstrução significou a redução do desemprego, chegando ao incrível índice de 1% na década de 60. Aos poucos os salários também aumentavam. Muitos abandonavam suas cidades de origem em busca de melhores oportunidades de trabalho, o que caracterizava intenso fluxo migratório interno. O destino principal eram as cidades industriais.

Desenvolveu-se a moda dos supermercados, capazes de concentrar tudo que o indivíduo precisava num único local. Os supermercados foram mais um modelo de vida exportado do novo ao velho continente, juntando-se com produções de cinema que levavam consigo o sonho capitalista americano.

Por trás de todo o desenvolvimento europeu das décadas de 50 e 60, em que se levantaram apartamentos, hospitais, escolas e praças públicas, esteve a forte presença do Estado, o Leviatã responsável por tamanha rede de crescimento e que garantiria o bem estar da população via Welfare State.

O modelo capitalista chegava ao seu auge, inclusive na leitura positiva que o mundo ocidental faria do seu sistema, o qual, segundo David Harvey no livro “Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural”, é orientado para o crescimento. Uma taxa equilibrada de crescimento é essencial para a saúde do modelo econômico capitalista, pois só através dele os lucros podem ser garantidos e a acumulação do capital sustentada. Na medida em que a virtude vem do crescimento, um dos pilares básicos do capitalismo é que o crescimento e o progresso são tanto inevitáveis como importantes. Além disso, o capitalismo é, por necessidade, tecnológica e organizacionalmente dinâmico. Daí o longa-metragem atentar para o destaque da organização do mundo da fábrica como pilar para a estruturação produtiva.

Como salientado por Harvey, Marx previu as contradições e inconsistências do capitalismo, o que faz com que o sistema seja necessariamente propenso a crises. Desse modo, o final do documentário mostra como a crise do petróleo de 1973 – quando os países árabes triplicaram o preço do barril de petróleo em retaliação ao apoio dos Estados Unidos a Israel durante a Guerra do Yom Kppur – pôs fim à era de prosperidade que marcava a Europa ocidental pós-guerra e também estava presente nos Estados Unidos, levando às políticas de orientação neoliberal.

Walace Ferreira é doutor em Sociologia e Professor Adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Redação

2 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. no brasil obviamente o ford

    no brasil obviamente o ford seria preso na uantanamo de curitiba ou num

    asilo dirigido por fascistas e direitistas que permearam a infame história

    brasileira desses períodos mais obscuros…

  2. Roma só era viável

    devido à constante expansão. Quando o Império ia da Muralha de Adriano até os mares Cáspio e Vermelho e projetava sua pujança sobre o Golfo Pérsico, iniciou-se o processo de desintegração de Roma.

    A grande inovação capitalista é a obsolecência programada. Capitalismo sustentável é mito!

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador