A radicalização da situação na Síria

Do be Internacional

Rudolf El Kareh e a situação síria: “caminha-se para uma grande confrontação”

Rudolf El Kareh, politólogo, especialista do mundo árabe e cidadão libanês com profundos conhecimentos sobre as questões do Médio Oriente em termos diplomáticos, políticos, militares e religiosos considera que a situação na Síria se encaminha para uma “maior radicalização” tendo em conta as repercussões regionais e internacionais que lhe estão associadas. Numa entrevista ao diário La Libre Belgique, Rudolf El Kareh admite uma  “confrontação”, qualquer coisa “de muito grande que poderá atingir também o Líbano, o Irão, a Palestina e talvez outros Estados…”, igualmente com o objectivo de “enfraquecer o Irão”. A entrevista foi concedida antes do último veto russo e chinês nas Nações Unidas e mantém toda a actualidade.

Será que Kofi Annan ficou cego ao tentar convencer a Rússia à última hora ?

Não creio que os russos recuem. Caminha-se para uma confrontação, mas não sei que forma assumirá. Penso que poderá ser uma coisa muito grande que poderá também atingir o Líbano, o Irão, a Palestina, talvez outros Estados.

A crise síria regionalizou-se muito depressa…

Na Síria existe uma dinâmica social que foi desviada. A situação síria foi subvertida a partir do momento em que as questões de política nacional, como a necessidade de uma mudança, se tornaram questões da geopolítica regional e internacional. Hoje estamos perante questões internacionais em torno da Rússia e da emergência forte da China na cena política internacional. Com o seu veto, o que pode parecer paradoxal, a Rússia reafirma a prevalência da ONU como espaço de resolução de conflitos internacionais. Não esqueçamos que em 2003 os Estados Unidos passaram sobre o aval da ONU para atacar o Iraque.

Irá a ONU tornar-se mais conflituosa ?

A ONU vai tornar-se um campo de confrontação, o que irá definir a realidade internacional. A Rússia faz este jogo apoiada pela China e pelos Brics (países emergentes que incluem, além da Rússia e da China, o Brasil, a Índia e a África do Sul), todos interessados em ver emergir um mundo multipolar. E nesta região isso faz-se com sangue.

A via do diálogo é ainda possível na Síria ?

Não vejo que, de momento, seja possível estabelecer um diálogo político nestas condições. Dirigimo-nos para uma fase de radicalização e de reforço da confrontação. Quando se chega a ordenar atentados deste género (contra a estrutura de crise do poder sírio) é porque se falhou noutros lados. Numa primeira fase houve pressões políticas, que fracassaram, e depois uma fase de desestabilização das instituições, que também falhou.

Esta radicalização impedirá, a partir de agora, qualquer solução política ?

Não necessariamente, mas ela vai demorar. Creio que haverá uma decantação de posições tanto no seio do Estado como das oposições, porque estas são múltiplas. A solução só pode ser um compromisso que tenha todas as facções em consideração.

Não se terá ido demasiado longe para que as partes possam reconciliar-se ?

Poderá haver sempre uma reconciliação desde que haja vontade política de reconciliação. Mas não vejo essa vontade. No entanto, acho interessante notar que o novo governo sírio criou um Ministério da Reconciliação Nacional, à frente do qual está um opositor na pessoa do presidente do Partido Nacionalista Social Sírio, Ali Haidar. A questão deixou de ser a do regime, passou a ser a do Estado e da sociedade. Isso é que se torna perigoso porque se não houver um processo de reconciliação e de solução caminhar-se-á para uma confrontação radical cada vez mais viva.

O presidente Bashar al-Assd tornou-se o símbolo desta repressão violenta…

Hoje o combate não é unicamente militar, é igualmente mediático, com manipulação e propaganda dos dois lados. Um dos elementos desta propaganda é focalizá-la sobre uma pessoa. Diaboliza-se um indivíduo para mascarar políticas reais. O objectivo não é a democracia na Síria, é o enfraquecimento do Irão, que se tornou uma potência regional incontornável. Interrogada sobre o que entendia por democracia na Síria, Hillary Clinton disse um dia que se tratava de este país romper a sua aliança com o Irão, de interromper o seu apoio à resistência libanesa e o apoio aos palestinianos, de diversificar o seu abastecimento de armas distanciando-se da Rússia. Os norte-americanos não fazem isso pelos bonitos olhos da Síria. Querem reduzir, na medida do possível, o apoio a tudo o que resista à política de Israel.

Nenhuma relação com a democracia… ?

Nem mesmo com os direitos humanos. Estes são manipulados e corrompidos. E uma vez corrompidos são os primeiros a pagar o preço.

Luis Nassif

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