Angola: morre ex-presidente José Eduardo dos Santos, que governou o país por 38 anos

A frente do governo de Angola por 38 anos, José Eduardo dos Santos é acusado de ter favorecido sua família e parceiros políticos com os lucros do petróleo

Foto: Getty Images/Sean Gallup

da RFI

O ex-presidente angolano José Eduardo dos Santos morreu na manhã desta sexta-feira (8), aos 79 anos, em uma clínica em Barcelona (Espanha), onde estava internado desde que teve uma parada cardíaca, em 23 de junho, anunciou o governo na sua página do Facebook.

“O governo angolano comunica com sentimento de grande dor e consternação a morte” de Dos Santos, informa a curta mensagem, especificando que o falecimento ocorreu ao final da manhã.

O Executivo angolano “curva-se, com o maior respeito e consideração” a esta figura histórica que, em sua opinião, presidiu “durante muitos anos com clareza e humanismo [o destino] da nação angolana, em tempos muito difíceis”, acrescenta o comunicado. Um luto nacional de cinco dias foi determinado a partir deste sábado (9) para honrar sua memória.

José Eduardo dos Santos governou Angola durante 38 anos e usou os lucros do petróleo para enriquecer sua família, enquanto o país continuava a ser um dos mais pobres do planeta. Nunca eleito diretamente pelo povo, o ex-rebelde marxista morreu cerca de cinco anos depois de ter deixar o poder em maio de 2017.

Ele governou Angola com mãos de ferro, mas sua marca não sobreviveu à sua partida. Sua filha Isabel, apelidada de “princesa” e fortemente atacada, em 2016, à frente da petrolífera nacional Sonangol, é agora perseguida pelos juízes e enfrenta uma série de investigações por corrupção. Seu filho Filomeno está preso desde 2019, também por acusações de corrupção.

Guerra civil e petróleo

Quando José Eduardo dos Santos chegou ao poder, em 1979, Angola já vivia quatro anos de guerra civil após a independência de Portugal. Uma longo e difícil conflito – cerca de 500 mil mortos em 27 anos – que ele liderou, com o apoio da então União Soviética e de Cuba, contra a Unita, de Jonas Savimbi, apoiada pelo regime do apartheid sul-africano e pelos Estados Unidos.

Foco da Guerra Fria até o início dos anos 1990, a guerra civil só terminaria formalmente até 2002, após a morte de Savimbi. É quando explode o boom do petróleo. Dos Santos faz de Angola o maior produtor de ouro negro na África – em uma disputa acirrada com a Nigéria –, mas para o benefício de apenas uma pequena parte da população.

Apesar das raras aparições em público, ele mantém o controle do seu partido, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), o que lhe garantiu constante recondução à liderança do país, onde chefia não apenas o governo, mas também o Exército, a Polícia e o Judiciário.

Sob seu “reinado”, a mídia foi censurada, e os raros movimentos de protestos populares, suprimidos. Fora de suas fronteiras, sua longevidade no governo permitiu que se estabelecesse como um pilar político da região, onde era um poderoso apoiador do vizinho e presidente congolês Joseph Kabila.

O estrategista e a princesa

“Contra todas as probabilidades”, Dos Santos “conseguiu manter o poder, apesar do desafio da guerra e das eleições”, resume Alex Vines, do centro de estudos Chatham House, em Londres. Ele “sempre foi um grande estrategista”, acrescenta Didier Péclard, professor da Universidade de Genebra. “Ele soube redistribuir os favores possibilitados pela renda do petróleo em um círculo bastante restrito de clientes políticos”, completa.

Nascido em 28 de agosto de 1942 de uma família modesta, José Eduardo dos Santos cresceu no “bairro” do Sambizanga. Nesta comunidade pobre da capital, centro da luta contra o poder colonial português, este filho de pedreiro ingressou no MPLA, em 1961, e fez uma breve passagem pela luta armada.

Dois anos depois, obteve uma bolsa para estudar no Azerbaijão, onde se formou em Engenharia e se casou com uma soviética, Tatiana Kukanova, mãe de Isabel. No seu segundo casamento, com Ana Paula, uma ex-aeromoça 18 anos mais nova, ele teria diversos filhos.

Durante a década de 1970, ele continua sua ascensão política ao integrar o Comitê Central do MPLA. Muito próximo ao primeiro presidente angolano, Agostinho Neto, Dos Santos torna-se seu chefe da Diplomacia na independência, em 1975. Com a morte de Agostinho Neto, em 1979, Dos Santos é investido chefe de Estado pelo partido, assumindo sua presidência.

“Falso democrata”

Desde então, ele nunca mais deixaria o poder, alheio às eleições e às mudanças na Constituição, mesmo sem nunca ter sido eleito pelo povo. Em 1992, a eleição presidencial foi cancelada entre os dois turnos após acusações de fraude por parte de seu rival, Jonas Savimbi. Uma outra eleição, prevista para 2008, também nunca aconteceria, e a Constituição promulgada em 2010 permitiu que ele fosse reconduzido, dois anos depois, como líder do MPLA, vencedor das eleições legislativas.

Durante seu governo, a polícia reprime qualquer tentativa de manifestação em massa. Seus adversários políticos denunciavam uma “ditadura”, o que ele negava. “Somos um país democrático. Temos muitos partidos”, ele argumenta em uma entrevista, em 2013.

“Ele é um verdadeiro déspota, um falso democrata”, declarou o rapper Adão Bunga “McLife”, do Movimento Revolucionário para Angola.

Amante da música e da poesia, Zedu, como foi apelidado, dividia seu tempo entre o próprio palácio presidencial, em cor-de-rosa colonial, e uma residência na zona sul de Luanda. Em 2013, confidenciou a uma emissora de televisão brasileira seu “cansaço de poder”, descrevendo seu reinado como “longo demais”.

Câncer e aposentaria

Apenas em dezembro de 2016, quando surgiram rumores de que ele sofreria de câncer, Dos Santos anuncia enfim sua aposentadoria. Como prometido, ele deixa seu lugar alguns meses depois ao seu protegido João Lourenço.

Uma das filhas do ex-presidente, Tchizé dos Santos, quer que o corpo do pai seja submetido a uma autópsia. É preciso que “o corpo do ex-presidente seja preservado e que não seja devolvido [à Angola] antes que seja feita uma autópsia”, indicou, nesta sexta-feira, a filha do ex-líder em comunicado enviado à AFP, poucos dias depois de apresentar uma denúncia à polícia espanhola por “supostos atos de tentativa de homicídio”.

(Com informações da AFP)

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