Aldo Fornazieri
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.
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O Holocausto e o massacre de crianças em Gaza, por Aldo Fornazieri

Se há alguém que ofende a memória das vítimas do holocausto esse alguém é o governo de Israel, é o Exército de Israel

ONU via Flickr

O Holocausto e o massacre de crianças em Gaza

por Aldo Fornazieri*

O termo “holocausto” é de origem grega e conata algo assemelhado a “queimado” ou “oferenda totalmente queimada”. O termo podia se referir também aos castigos que os exércitos impunham aos inimigos derrotados e aprisionados, queimando-os em fogueiras numa oferenda aos Deuses. Em Israel antigo usava-se a palavra olah (Shoá), significando holocausto, em referência as oferendas a Deus que eram queimadas no fogo. Em Levítico existem as instruções para a realização do holocausto: “As vísceras e as pernas serão lavadas com água. E o sacerdote queimará tudo isso no altar. É um holocausto, oferta preparada no fogo, de aroma agradável ao Senhor” (Lv 1:9).

De modo geral, o termo holocausto significa também sacrifício, oferenda, desastre, destruição, catástrofe e genocídio. Os palestinos atuais, por exemplo, usam a palavra “catástrofe” (Nakba) para relatar a história de suas vicissitudes, massacres, deslocamentos e desterros que vêm sofrendo desde 1948, quando foi criado o Estado de Israel. Quer dizer: eles têm o seu holocausto e um dos mais violentos e terríveis é este que está acontecendo agora em Gaza, onde o Estado de Israel promove uma guerra contra as crianças.

“Holocausto”, conotando massacres populacionais, portanto, não foi criado no contexto da Segunda Guerra. Existia antes. Durante séculos a palavra “holocausto” (holocaustum) se referia a grandes massacres. Os próprios judeus sofreram um massacre na Inglaterra em 1190 e o episódio foi classificado como um holocaustum. Nas últimas décadas do século XX, porém, a palavra holocausto passou a se referir de forma mais restrita aos massacres que os judeus sofreram sob o regime nazista de Hitler.

Os especialistas se dividem acerca do uso restrito ou ampliado do termo. Em regra, ninguém é obrigado a usar um conceito que existe há séculos num sentido estrito, referido a um terrível evento singular da história humana. Lato sensu, o termo pode ser referido a vários acontecimentos, inclusive ao que os palestinos estão sofrendo em Gaza nos nossos dias. Mas, sem dúvida, o que os judeus sofreram sob Hitler é incomparável em termos de brutalidade e magnitude. Isto não significa que existam similitudes em menor escala e similitudes morais.

A magnitude da brutalidade sofrida pelos judeus não pode nem anular e nem diminuir o repúdio e a repugnância que se deve sentir em relação outros massacres, como esse de Gaza. A história registra que seis milhões de judeus foram massacrados no holocausto hitlerista. De acordo com o Museu do Holocausto, um milhão eram crianças, o que corresponde a 6%.

Até agora, morreram em Gaza 29.100 pessoas, sendo que 12.400 são crianças e 7.870 são mulheres. Isto é: cerca de 43% são crianças massacradas. Os nazistas jogavam crianças judias vivas nas fornalhas. Outras morriam de inanição nos guetos e nos campos de concentração.

Quem assiste a cenas que vêm de Gaza vê corpos de crianças despedaçados, queimados. Vê crianças tendo pés, pernas, mãos e braços amputados no chão da terra, sem anestesia e sem remédios. Rios de sangue escorrem pelas ruas e estradas das cidades de Gaza.

O governo de Israel, os políticos, os militares, os funcionários civis e todas as pessoas bem informadas sabem que as maiores vítimas do tipo de guerra que Israel promove em Gaza são e serão crianças e mulheres. Então há uma ação deliberada e consciente na condução de uma guerra contra crianças e mulheres. Diante disso é preciso perguntar: qual a diferença moral entre um nazista que joga uma criança judia dentro de uma fornalha e os pilotos judeus que massacram crianças e mulheres com tiros e bombas?

Estas perguntas terríveis precisam ser respondidas pelos comentaristas, analistas, jornalistas e falsos humanistas que desencadearam uma tempestade de críticas contra o presidente Lula. Estão discutindo as palavras de Lula, mas muitos deles nunca abriram a boca e nunca escreveram uma linha contra a brutalidade que o Estado de Israel está patrocinando em Gaza.

Não é possível separar o governo de Israel do Estado de Israel, assim como não é possível separar Hitler do Estado alemão das décadas de 1930-40. O governo e o Estado de Israel então promovendo crimes de guerra, crimes brutais contra palestinos inocentes, contra crianças e mulheres. Não resta dúvida que o Hamas promoveu um ato terrorista. Se Israel quisesse punir o Hamas deveria ter promovido outro tipo de guerra. Mas prefere patrocinar uma guerra de vingança, uma guerra de genocídio, uma guerra de deslocamentos.

Cerca de 85% da população de Gaza foi deslocada, submetida ao terror dos bombardeios, da fome, das doenças, das misérias e da maldade do Exército de Israel. A guerra de Gaza não é mais uma guerra contra o Hamas. É uma guerra contra a pulação civil, contra crianças e mulheres.

Nenhuma guerra moderna deslocou, proporcionalmente, tantas pessoas como essa que Israel promove em Gaza. Nenhuma guerra moderna promoveu tanta destruição de cidades como essa que Israel está promovendo em Gaza. Os falsos humanistas precisam falar sobre isso

Se há alguém que ofende a memória das vítimas do holocausto esse alguém é o governo de Israel, é o Exército de Israel. A memória das vítimas do holocausto aponta para uma única direção: para a Paz. O governo de Israel é um governo de morte, de destruição, de massacre de crianças e de inocentes.

O povo judeu tem uma admirável história de sofrimento, resiliência e abnegação. Essa história não legitima o que Israel e seus aliados vêm fazendo com os palestinos desde 1948. Os mortos do holocausto não legitimam os crimes dos vivos de hoje que estão deixando uma história de mortos. Nenhum povo tem um estatuto especial acima dos outros. O povo judeu não é o “santo dos santos”. O sacerdote Arão disse a Moisés: “então, não sabes o quanto este povo é propenso ao pecado?”. Quantas advertências os profetas emitiram contra os pecados de Israel, de Judá, de Jerusalém? De acordo com a religião antiga, as destruições, desterros e diásporas que os judeus sofreram foram para purgar os seus pecados. A resignação e a resiliência fazem parte dessa purgação.

Agora Israel está praticando pecados terríveis, contra os palestinos e contra a humanidade. Lula nada mais fez do que desnudar esses pecados. Não há que pedir desculpas a um governo criminoso. Um governo que precisa ser levado aos tribunais pelos seus crimes brutais. Um governo que assassina mulheres e crianças para permanecer no poder. Lula teve a coragem de fazer o que nenhum outro governante fez: tirou a máscara vergonhosa de um governo que massacra crianças e inocentes.

Aldo Fornazieri é Professor da Escola de Sociologia e Política e autor de Liderança e Poder.

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Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

6 Comentários

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  1. Excelente texto, apenas peço para editar alguns erros, tais como a percentagem de 1 milhão de pessoas em um universo de 6 é de 16,6% e não 6% como escrito no texto. Também a frase: “Isto não significa que existam similitudes em menor escala e similitudes morais”, acho que faltou um “não” no meio dessa frase. Obrigado pelo texto

    1. desculpe a intromissão nesta admirável e esclarecedor texto , contudo , no texto cita 1 milhão de crianças em um universo de 6 milhões de pessoas, então sera de 10% , nem 6% nem 16%. Este lapso não a grandeza deste artigo . Abraços.

  2. Espetacular o comentário, uma aula de cidadania e humanismo., infelizmente o ocidente está manco em sua moral., a mídia brasileira se mantém absoluta em providenciar notícias faltas., a bem da verdade o que salva são as mídias independentes.

  3. *Gaza*
    (Ou: eles não podem continuar nascendo)
    _Pedro Tierra*_

    30 mil mortos.
    Essa informação cabe num verso?
    Metade dos mortos nessa guerra são crianças.
    Com que material será escrita a poesia desse tempo?

    Gaza:
    70% dos corpos identificados são mulheres.
    Contando as grávidas.

    Move-se uma guerra contra o ventre
    das mulheres palestinas.

    Elas não podem continuar nascendo…
    Elas não podem continuar nascendo…
    Elas não podem continuar nascendo
    em Gaza.

    Elas não podem continuar nascendo
    em Ramallah.

    Eles (os palestinos)
    não podem continuar nascendo.

    Oitenta e quatro anos depois de Auschwitz,
    move-se diante dos meus olhos de espanto
    uma guerra de extermínio
    contra mulheres e crianças.

    Move-se diante dos meus olhos gastos
    pela contemplação dolorosa da saga
    em busca da ressurreição possível
    uma guerra contra mulheres e crianças
    sobre as areias de Gaza.

    _“Em Ramá se ouviu uma voz,_
    _muito choro e gemido._
    _É Raquel que chora_
    _os filhos assassinados_
    _e não quer ser consolada_
    _porque os perdeu para sempre”_ (Mt.12,18)

    (Não serei a voz,
    desde o conforto da sombra
    que me abriga,
    nesse ocaso da vida,
    que direi aos escravos enfurecidos
    como sacudir dos ombros
    a opressão que os esmaga.)

    Acender a memória
    da explosão do Hotel King David,
    22 de julho de 1946 às 12:37.
    Jerusalém foi sacudida:
    91 mortos. 45 feridos.
    Que nome dar a esse ato?
    Perguntem a Menachen Beguin.

    Hoje, é preciso desenterrar
    os deslocados para lugar nenhum.
    Os que já não podem retornar
    dos escombros, das areias,
    das cinzas, do vento que sopra
    sobre a memória de Gaza.

    Por onde andará Islam Hamed?

    É preciso reacender sobre sua ausência
    a luz do sol bombardeada
    na tarde de ontem.
    E perguntar ao coração das bombas:
    que destino aguarda um milhão e meio
    de palestinos acantonados em Rafah?

    Escombros nas ruas.
    Escombros de corpos.
    Escombros nas almas.

    _“Ficou muito irado e mandou massacrar,_
    _em Belém e nos seus arredores,_
    _todos os meninos de dois anos para baixo,_
    _conforme o tempo exato_
    _que havia indagado aos Magos._ (Mt,12-16)

    Não há luz no Hospital Al-Shifa
    que permita fazer uma sutura
    nos corpos destroçados
    pelos bombardeios.

    Uma sutura no corpo da Palestina:
    haverá uma geração de mutilados
    condenados a mirar sem ternura
    na dor aguda dessa perna que falta,
    na pele que já não protege
    a carne exposta,
    as digitais de Benjamin Netanyahu.

    Recolho o espanto e me afasto
    enquanto ouço a voz rouca
    que emerge do sul e parte em pedaços
    os espelhos cegos da indiferença do mundo…

    *_*Pedro Tierra é poeta. Ex-presidente da Fundação Perseu Abramo._*

    _Brasília, dez. 2023/ fev. 2024._

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