Os imigrantes chineses na Argentina

Do Terra Magazine

O lado chinês da Argentina

Kelly Cristina Spinelli
De Buenos Aires

Em um ponto da praça, uma pequena multidão se acotovelava para passar a mão na cauda de um dragão de mentira, superstição que segundo a tradição chinesa traz boa sorte na entrada do novo ano. Em frente ao palco, mais um amontoado de gente via shows de pop oriental, mágica e demonstrações de culinária e artes marciais. Alguns metros adiante, filas e filas de compradores de rolinhos primavera, camisetas em mandarim e bambuzinhos da sorte.

Não fosse a barraquinha de empanadas e as duplas de tango que teimavam em se apresentar ali, nem pareceria um festival em Buenos Aires. Estima-se que 70 mil pessoas participaram dos dois dias de festejos pela chegada do ano do Dragão, que aconteceram no último final de semana no bairro de Belgrano.

O surpreendente tamanho do festival mostra como os chineses estão cada vez mais plantando raízes e espalhando sua cultura pela Argentina. É uma imigração recente, que teve início nos anos 90, mas massiva. Para se ter uma ideia, uma pesquisa de 2010 apontou uma comunidade 120 mil chineses na Argentina, entre imigrantes e seus filhos, número que dobrou em 5 anos. Apesar de terem de atravessar o mundo para chegar a terras hermanas, os imigrantes chineses só estão atrás em número de bolivianos, paraguaios e peruanos.

A maioria vem de uma província chamada Fujian, e 80% deles se instalam em Buenos Aires e arredores. Diz-se que no começo, os chineses vinham para a Argentina pensando em usá-la de trampolim para chegar aos Estados Unidos, mas agora já buscam a estabilidade encontrada pelos primeiros familiares desbravadores.

O mais curioso, especialmente para quem chega de fora, é que a maior parte dos chineses em Buenos Aires decidiu se dedicar à mesma atividade comercial: abrir supermercados. Eles já são donos de cerca de 7 mil (!) supermercados pelo país, geralmente gerenciados pela própria família, em longos turnos de trabalho.

Em Buenos Aires, não se anda mais que três quadras sem se deparar com um “chino”. Abre um novo a cada dois dias – isso mesmo, dois dias. Todo mundo tem o seu chino preferido, e não há quem prefira enfrentar as lerdas filas dos supermercados maiores ou desperdiçar os preços inacreditavelmente competitivos dos vendedores de olhos puxados.

Os supermercados chineses já foram acusados de ser porta de entrada de um segmento da máfia chinesa na Argentina, de desligarem geladeiras à noite para baixarem os custos e de vender produtos roubados – nada que tenha sido comprovado. Para protegê-los do mau olhado e da concorrência, foi criada inclusive uma associação própria, a Câmara de Auto-serviços e Supermercados de Propriedade de Residentes Chineses (Casrech).

Os supermercados foram até tema de tese de dissertação em Harvard: “As relações inter-étnicas nos supermercados chineses de Buenos Aires”, foi publicada por Fang Yuan, em 1997. Na época do estudo, o autor apontou para as dificuldades encontradas pelos chineses em circular fora de sua comunidade de imigrantes, em um país de costume e língua tão diferentes dos seus. Mas de lá pra cá, chineses e argentinos têm se entendido cada vez melhor – especialmente agora que há uma geração de filhos de imigrantes que sabe falar bem espanhol.

Ano passado foi lançado Um Conto Chinês, simpático filme sobre um imigrante chinês que se perde em Buenos Aires e vai cair na casa de um rabugento argentino, interpretado por Ricardo Darín (de quem falamos na primeira coluna do mês). O filme, que mostra um pouco do estranhamento que as duas culturas enfrentam nesse processo de adaptação, por pouco não se tornou o representante argentino no Oscar de março.

No último final de semana, o calor escaldante não impediu 70 mil pessoas de celebrar a 8ª celebração pública de ano novo chinês na Argentina. Depois de duas décadas de imigração chinesa, também entre os portenhos começou 4710, o ano do Dragão.

Luis Nassif

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