A democracia e as audiências públicas nos tribunais

Por Ricardo

Comentário ao post “Políticas públicas e o experimentalismo judicial, por Oscar Vilhena

Essa novidade de audiência pública para decidir questões já estava lá no STJ ou STF. No episódio “Roberto Carlos e sua biografia”, parece que chamaram o Rei, o biógrafo, e colheram os elementos para decidir e criar uma série de regras, com aparência de tribunal democrático e que ouve a todos. Dependendo da extensão da criação de regras, foge-se do “judicar” para o “legislar”, como provavelmente ocorreu no caso Raposa do Sol.

Mas nesta audiência pública esqueceram de chamar o público, o consumidor, o estudante, o historiador, o vendedor de livros, o curioso, e até o leitor de pequenos trechos em livrarias. Enfim, todos aqueles demais elementos de uma democracia que são representados no Parlamento através de eleições plurais, onde até o ignorante pode decidir em igualdade de condições com os gênios da nação.

Ficou com cheiro de construção de ferramente para a oligarquia preservar seu poder de decisão. Um juiz nunca vai chamar um operário a uma audiência pública para se manifestar sobre os rumos da nação. No Brasil, houve um caso em que o povo chamou, e até que deu bastante certo.

Os tribunais já tem uma ferramenta grave para obrigar o estado a cumprir decisões, que é a intervenção. De tão grave, ninguém usa. Com essas assembléias, estamos criando outra ferramenta com base em jurisprudência, e sem uma firme base legal, que deveria sair do Legislativo se conjunção de forças da sociedade representadas lá chegasse a esse acordo. O Judiciário anda com pouca noção de limite, e para essa conclusão basta ver os últimos presidentes do STF.

Além de que essas audiências públicas têm apenas uma cara de democracia. Mas só reunem uma suposta elite – que sequer é a elite cultural, pois nunca vi um grande pensador ser convidado a informar – mas sim a elite econômica-financeira, que é o grupo que conseguiu controlar esse comércio e tranformá-lo em dinheiro, o que inclui gente boa em cartelizar e praticar crimes financeiros. Em longo prazo, com os tribunais livres para ir além do alcance da letra da lei, a tendência é haver tantas fontes de direito, que ninguém vai saber qual regra respeitar.

Estamos adotando aqui, de um modo muito malfeito, o formato do júri e da “common law” americana, mas sem importar a regra fundamental de que o tribunal tem que se reportar e se vincular com forte base argumentativa a um caso anterior, que deu a norma que seja aplicada. Isto que dá força ao espiríto conservativo da Lei, e que mantém a unidade social. Ou ao menos que o júri seja a vontade soberana do povo, filtrado pela aleatoriedade, permitindo a aplicação de uma decisão que a maioria tomaria.

Aqui, na nossa “civil law”, o juiz se lança a filosofar sobre o sentido da lei escrita nos grandes códigos, que foram dados pelo Legislativo, em sistema coerente e bastante diferente do que se pratica lá para cima do México. A nossa coerência está no fato de que o Legislativo já captou esse elemento aleatório nas eleições, e portanto não precisamos de um júri para garantir que tanto o operário quanto o empresários estejam representados no texto de Lei.

O risco que se corre com essa idéia de assembléia não-popular é, quando o código não dá a regra desejada para a decisão porque o Legislativo não quis avançar, convoca-se uma assembléia, quase um soviete da direita esclarecida, e decide-se algo que a lei não previa. Provavelmente contra os interesses do povo, que é tudo que se tenta evitar desde 1988, e com mais capacidade de ação a partir de 2001.

Redação

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