Apelo ao bom senso, por Sérgio Sérvulo da Cunha

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
[email protected]

Apelo ao bom senso

por Sérgio Sérvulo da Cunha

Eu ainda não tinha nascido quando o presidente Balmaceda se suicidou. Assim, não sei dizer o que as pessoas sentiram. Não sei se foi ele próprio, ou os outros, os responsáveis pela sua morte. Nem sei se a sua morte foi desejada pelos chilenos. Não sei se houve quem se rejubilasse com a sua morte.

Eu tinha 13 anos quando o mahatma Gandhi foi assassinado. Não sei se houve quem se rejubilasse com a sua morte.

Eu tinha 18 anos quando Getúlio foi morto. Seu suicídio a todos pegou de surpresa. Revejo as fotos das multidões que acompanharam seu caixão, e empastelaram jornais. Lembro dos discursos emocionados à beira do seu túmulo, de Tancredo, de Osvaldo Aranha. E lembro que, na Faculdade de Direito de São Francisco, onde eu era calouro, alguns estudantes soltaram rojões. 

Eu tinha 29 anos quando houve o golpe de 1964. João Goulart era homem da fronteira, mas seu ânimo era pacífico. A ele devemos não termos mergulhado em guerra civil.

Eu era bem adulto, tinha 38 anos, quando mataram o presidente Allende. As tropas invadiram o palácio presidencial de La Moneda, aviões o metralharam.

Sei como é a causalidade social. Sei que a própria previsão dos fatos pode inviabilizá-los, o que os torna ao mesmo tempo tão irreversíveis quanto reversíveis. Depois de realizados os efeitos ruins, é possível ver com clareza quais ações poderiam tê-los evitado. Então, há quem diga: “bem feito”. Alguns falam: “não disse?” E, outros: “eu não sabia”. Muitos, só aí, são capazes de enxergar os fatos em sua real dimensão. Poucos percebem a própria contribuição para esses fatos, sua corresponsabilidade. Antes, seria possível impedi-los. Mas, depois, não se pode revertê-los. Pessoas maldosas se alegram. Pessoas decentes se arrependem.

Sei que dramatizar não é bom. Mas que, não obstante, a história é dramática.

Sei que Lula não foi condenado a cumprir pena em solitária, e quem o isola, sem que tenha cometido infração disciplinar, deseja matá-lo. Chico Pinheiro está enganado; o lugar onde puseram Lula é o pior de todos onde já esteve: ele está longe das pessoas, que são a razão de sua vida. Uma corda se estica até o ponto em que se pode romper.

A expressão popular “agora Inês é morta” tem fundamento real. Leio que, “segundo a lenda, as lágrimas derramadas no rio Mondego pela morte de Inês de Castro teriam criado a Fonte das Lágrimas da Quinta das Lágrimas, e algumas algas avermelhadas que ali crescem seriam o seu sangue derramado.”

Aqui é diferente. Uma vez, no Vale do Ribeira, a região mais pobre do Estado de São Paulo, assisti ao enterro de uma criancinha. Ao narrá-lo, num conto,  escrevi: “na curva do ribeirão, junto ao povoado, enterro de criança: o caixãozinho azul e branco, o cortejo modesto em roupas de domingo; no céu, o bando álacre de maritacas encobre qualquer soluço; são secos os olhos desse povo”.

Sei ler um discurso nas entrelinhas.  

Ouçam uma comparação tirada da figueira: quando seus ramos estão já tenros e as folhas brotam, vocês sabem que está próximo o verão (Mc 13,28).

Sérgio Sérvulo da Cunha é advogado, autor de várias obras jurídicas. Foi procurador do Estado de São Paulo e chefe de gabinete do Ministério da Justiça.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

5 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Não sei ler discurso

    !00% dos discirsos não são direciomados a platéia onde vivo.

    A própria “Ponte para o Futuro” que a platéia ouviu e ainda não esqueceu e não esqueceu também que foi insuflada a aplaudir, jã descobriu que não se tratava do seu futuro,

    Conheço bem a pobresa, a opressão e a violência no campo: No Vale do Ribeira, SP, tive a triste experiência, enquanto aguardava o destino do Brasil e de Tancredo, no final de março de 85, de reviver aos prantos Joâo Cavral de Melo Neto ao ter que retirar ne madrugada, na  chuva, sem estrada, o corpo da minha nãe, que fora assassinada, enrolado numa rede. Aquela pobreza ainda vive lá.

    Em 1964 eu Tinha 13 anos, morava em terras missioneiras, interior do interior do Rio Grande do Sul, confesso que ainda não  sei o que quer dizer “Grupo dos Onze” mas vivi no meio as persseguições, prisões, processos, desempregos outra tantas humilhações aos brasileiros aue faziam parte deste grupo, traumatizando familiares e amigos e até mesmo, inmigos. Isto foi a partir da primeira semana de abril de 64. Golpes, quaiquer, são pedófilos, eles comem e se lambuzam  no futuro das crianças.

    A matemãtica é prmãria, é uma regra de tres, se pode complicar por analogia é só recorrer a balança, como a da justiça, A justiça é “matemática analógica” onde tudo só ´pde ajustr-se na igualdade mediado pela verdade.

    Abraço Sérgio

  2. Acabou?

    “alguns estudantes soltaram rojões.”

    Hoje os que sobrevivem e seus filhos pedem ao piloto que bascule certa carga em pleno voo!

    E tem gente que diz que a luta de classes acabou!

  3. Sem perdão! Eles sabem o q estão fazendo…

    Não precisou nem desenhar…. “Copiou” aí, supremo trambique federal, pf, moro, lava jato & CIA !? Da minha parte, vale aqui lembrá-los de uma velha sentença que não falha:  o salário de gente imunda , desonrada e de baixo valor humano e moral é o da morte lenta, ainda que respirando e ostentando aparente  “sucesso” e transpirando “poder”,   porque a encruzilhada sabe quando e como cobrar os seus.  Reflitam sobre o que vsas “excelêncisa” estão fazendo !  Enquanto Lula estiver preso os responsáveis pela sua perseguição e prisão  estarão assinando as suas próprias sentenças de morte, o equivalente a uma confissão de culpa com fundamento na covardia e retumbante fracasso …  Não se iludam, a indignidade da “justiça” brasileira – made in usa  – cobrará o se preço e eu ei de ver,  se a vida permitir, todos os envolvidos nesse golpe de Estado/2016, no BR,  sofrerem os reveses das próprias atitudes ! Lula é inocente! 

  4. Belo texto

    Entre as tantas perdas que tivemos neste Pais, o bom senso parece ter sido o primeiro a desaparecer. Tenho pensado em Lula sozinho nessa cela dia e noite, apenas podendo ser visitado no momento pelos advogados. Eh claro que Sergio Moro e procuradores procuraram um forma de fazer Lula sofrer mais um pouco. A perversão, essa, não desapareceu.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador